Uma vida nada cor-de-rosa para as meninas em medida socioeducativa

Quem são as meninas que cumprem medidas socioeducativas no País, números e na vida

do Portal Pró-Menino
Cristina Uchôa e Murillo Magalhães

Meninas submetidas a alguma medida socioeducativa são uma pequena minoria no universo brasileiro de adolescentes em conflito com a lei. No ano de 2006, esse número era de pouco mais de 3 mil garotas, num universo de mais de 40 mil adolescentes, de acordo com pesquisa feita pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente (Ilanud). Dados mais recentes dão conta apenas das adolescentes em medidas privativas de liberdade: em 2008, elas não chegavam a mil cumprindo medida em meio fechado, num total de mais de 16 mil, segundo relatório da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

Em números, as meninas que cometem atos infracionais em geral incidem em condenações mais brandas que as dos meninos: mais de 80% delas cumpria, em 2006, medidas de Liberdade Assistida (LA) e/ou Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), e menos de 8% estavam em medida de Internação, a mais grave entre as medidas socioeducativas. Para os meninos, esse índice é o dobro: mais de 16%, na mesma época, cumpriam medida de Internação.

Como os meninos, elas também praticam mais atos contra o patrimônio (46% delas), como roubo e furto. Para os meninos, a proporção é de 64%. Em segundo lugar, no entanto, elas se envolvem mais com delitos relacionados a agressão a pessoa e os costumes (agressão física e crimes relacionados à intimidade). São 24,7% delas, contra 12,6% deles. Proporcionalmente, elas também se envolvem mais que eles com atos ligados a tráficos de entorpecentes. Mais de 16% do total das meninas em MSE são sentenciadas por esse tipo de atividade, enquanto entre os meninos a porcentagem está abaixo dos 13%.

Além dos números
Mas quem são essas poucas meninas que se envolveram com atos infracionais? Em Várzea Paulista, por exemplo, as únicas quatro meninas do total de 40 adolescentes atendidos em programas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade são casos tratados com muita especificidade pela Secretaria de Assistência Social, que coordena projetos de proteção especial a adolescentes em conflito com a lei no município.

Cássia Poltronieri, que coordena a proteção especial na Secretaria, conta que, na cidade, quando acontece das meninas se envolverem em atos infracionais, em geral são ações ligadas ao narcotráfico. Na maioria dos casos ali elas não são de famílias de perfil socioeconômico carente, mas de famílias com renda acima dos dois salários mínimos. O acompanhamento dado a elas tem que ser diferenciado, primeiro porque meninas e meninos já têm características diferentes por sua natureza, mas também porque os desafios são diferenciados.

“Quando uma menina chega a infracionar, isso significa que vai ser mais difícil lidar com ela. Para chegar a cometer um ato desses, ela tem que romper com diversos paradigmas que são muito fortes para a mulher: ela tem que contornar questões que não são ligadas à feminilidade, como a exposição, a violência verbal e a própria violência física”, analisa Cássia.

Para ela, é um desafio lidar com esse fenômeno. “Nós inserimos as participantes em programas de acompanhamento na escola, em cursos profissionalizantes e promovemos sua inserção na rede, mas envolvê-las e criar vínculo, fazer com que criem confiança no educador, é outro desafio. Elas são mais arredias”, afirma.

Em Guarulhos, município que tem alto índice de ocorrência de atos infracionais no Estado de São Paulo, o Projeto Gaia é a entidade responsável pela aplicação das medidas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade. Dos mais de 200 adolescentes que hoje são acompanhados nessas medidas, apenas nove são meninas.

No ano passado houve uma fase em que o grupo passou de 10 garotas, o que demandou a criação de um grupo só de meninas, como conta Vanessa Vieira de Moraes, assistente de coordenação do Gaia. “Tínhamos 13 garotas, então montamos um grupo específico de acompanhamento para elas, com atividades de temática própria, como a sexualidade da mulher e a gravidez na adolescência, que são temas muito próximos à realidade delas”, conta.

Feminilidade e sexualidade são pontos muito sensíveis para a adolescente, que não raramente tem que lidar com a questão da maternidade. “Já tivemos e temos atualmente adolescente grávida em cumprimento de medida. Cada uma tem uma decisão específica por parte da Justiça sobre o que fazer, se interrompe a medida, se suspende, se tem que terminar de cumprir depois que se afasta para fazer o parto. É caso a caso”, conta Vanessa.

Não é só o poder judiciário que tem que analisar caso a caso. Em Guarulhos, em Várzea Paulista ou em cada unidade que executa medida socioeducativa no País, lidar com cada uma das meninas parece um universo à parte.

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