Para discutirmos sobre quem são os brasileiros excluídos racialmente, podemos recorrer a um importante estudo sobre as relações raciais, de autoria do professor Oracy Nogueira, que apresenta como contribuição fundamental a definição de critérios classificatórios baseados em conceitos elaborados a partir da diferenciação das formas de discriminação racial, tendo como referencial as manifestações de preconceito e de discriminação existentes no Brasil e nos Estados Unidos em relação aos indivíduos considerados negros.
Para o professor Oracy Nogueira, as duas sociedades “...constituem exemplos de dois tipos de “situações raciais”: um em que o preconceito racial é manifesto e insofismável e outro em que o próprio reconhecimento do preconceito tem dado margem a uma controvérsia difícil de superar.” (Nogueira, 1979: 77)
O estudo de Oracy Nogueira foi elaborado para apresentação no XXXI Congresso Internacional de Americanistas, ocorrido em São Paulo entre os dias 23 e 30 de agosto de 1954. Após várias versões, o estudo foi publicado como livro em 1979, com o título Tanto preto quanto branco – estudos de relações raciais.
Ao elaborar o seu estudo, o autor diferencia em duas modalidades os pressupostos valorativos que orientam as atitudes discriminatórias, como podemos observar a seguir:
No uso de tal caracterização Nogueira chega à conclusão que o preconceito e as atitudes discriminatórias, nas formas em que se apresentam no Brasil, podem ser tipificados como sendo um “preconceito de marca”, em contraposição às situações correlatas que ocorrem nos Estados Unidos às quais o estudioso reserva a designação de “preconceito de origem”. (Nogueira, 1979: 78).
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A preocupação em demarcar linhas de origem étnica e ou racial no Brasil tem variado de acordo com as necessidades políticas, sociais e econômicas dos grupos que disputam a hegemonia na sociedade brasileira. Decorre disso que a identificação da origem e da cor da população não aparece em vários recenseamentos realizados ao longo da nossa História.
A partir do final do Século XIX, em decorrência dos processos abolicionista e de proclamação da República, passa a ocorrer entre as elites dominantes em nosso país a necessidade de formulação de uma identidade nacional. O projeto de construção de uma nação, portanto, torna necessária a discussão das questões relativas à cor e à raça dos brasileiros, como já aparecem nos censos de 1872 e de 1890, por exemplo.
Um século depois, no censo de 1970, estes itens foram excluídos pelas autoridades. Época auge do Regime Militar, na década de 1970 manifesta-se a preocupação das instâncias de poder em afirmar a inexistência de racismo em nosso país, como já foi mais do que demonstrado pela vasta bibliografia a respeito do chamado “mito da democracia racial” no Brasil.
Durante o intervalo de tempo que vai da Abolição ao período de ditadura militar pós-1964, os aspectos ligados a cor e raça foram estrategicamente suprimidos ou não, de acordo ou com as políticas governamentais vigentes.
As discussões atuais sobre a implementação de ações afirmativas revigoraram a controvérsia sobre cor e classificação racial dos brasileiros. A proposta de cotas para estudantes negros em universidades públicas trouxe de volta a discussão sobre a delimitação de raça, origem e identificação étnica, ou seja, colocou em pauta as seguintes questões: Como determinar quem são os herdeiros da segregação racial conseqüente da escravidão e do racismo contra negros em nosso país? Como determinar quem é negro ou quem é afro-descendente em um país miscigenado e em que a própria população se auto-define através de quase duzentas cores, como demonstra o resultado de uma pesquisa realizada pelo IBGE e divulgada em 2000?
As delimitações identitárias são flexíveis e flutuantes no decorrer de contextos históricos sociais. Em vários segmentos da sociedade, tanto nos chamados “novos movimentos sociais” quanto nos setores governamentais, busca-se uma definição mais precisa na identificação dos afro-descendentes brasileiros, com o objetivo de implementar políticas públicas de inclusão social, pois vivemos em um momento de reivindicações organizadas e de busca de alternativas que levem a diminuir as desigualdades sociais, inclusive as geradas pelo racismo.
Neste contexto de incertezas e de busca de definição de uma identidade negra, podemos recorrer novamente a contribuição de Oracy Nogueira, que indica que o preconceito de marca é predominante em nosso país, onde as nuanças cromáticas da pele podem contribuir para um futuro mais ou menos promissor nos moldes de um sistema sócio-econômico competitivo e excludente. Embora, “a concepção de branco e não-branco, varie, no Brasil, em função do grau de mestiçagem, de indivíduo para indivíduo, de classe para classe, de região para região” (Nogueira, 1979: 80), o clássico anúncio do requisito de “boa aparência” nos classificados de emprego, esconde o objetivo maior: a rejeição aos negros, definidos de acordo com a tonalidade de sua cor, textura de cabelo. Quanto mais distante do padrão branco europeu de aparência, menores são as oportunidades no sistema educacional e no mercado de trabalho como também indicam inúmeras pesquisas sociais a esse respeito.
Considerando-se as definições de preconceito de marca e de preconceito de origem, segundo Nogueira, “...onde o preconceito é de marca, a probabilidade de ascensão social está na razão inversa da intensidade das marcas de que o indivíduo é portador, ficando o preconceito de raça disfarçado sob o de classe, com o qual tende a coincidir...” (Nogueira, 1976: 90)
Para finalizar, se em nossa sociedade o preconceito e a exclusão racial estão mais ligados à aparência do que à origem biológica e ou étnica, podemos utilizar como referência nas práticas de políticas afirmativas para afro-descendentes o conceito de “preconceito de marca” cruzando-o ao de classe social. Afinal quando se é mais escuro e mais pobre, sabe-se que a tendência é a de ser mais e mais excluído do modelo socio-econômico estabelecido. Esta idéia pode parecer simplista, porém, nós negros sabemos exatamente como as diferenças cromáticas da nossa pele influenciam em uma maior ou menor aceitação social. Afinal mudança de classe social é até possível, mas a cor da pele, felizmente não é.
ROSÂNGELA ROSA PRAXEDES
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Cor e segregação no Brasil
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