Direitos Humanos: Do Almirante Negro à mídia invasiva


Marcos Rezende20090430145819486Aqui já não cabe mais um Estado Democrático de Direito que não considere a resistências destes atabaques e agogôs; não se permitem Almirantes que não naveguem em mares quilombolas, nem uma imprensa que dê voz apenas a um lado das cotidianas histórias resultantes de um processo histórico de exclusão e marginalização.

Por: Marcos Rezende, Conselheiro Nacional de Segurança Pública – Email: marcosrezendecomunicacao@gmail.com
“Há muito tempo, nas águas da Guanabara, o dragão do mar reapareceu na figura de um bravo feiticeiro, a quem a história não esqueceu”. Eis os versos iniciais de João Bosco, em referência a João Cândido, o inesquecível “Almirante Negro”, na música “Mestre-sala dos Mares”. Líder da Revolta da Chibata (1910) e protagonista do fim da espetacularização das punições físicas feitas pela Marinha do Brasil aos seus marinheiros, Cândido torna-se, mais uma vez, referência de luta do povo negro baiano pelo respeito aos Direitos Humanos.
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Nesse horizonte, algumas patentes caem por terra, já que nem todos os “marinheiros” conseguem nele navegar. Estamos a tratar de “águas de almirantes negros”, a exemplo do Quilombo Rio dos Macacos, uma das comunidades mais antigas de descendentes de escravos do Brasil, que sofre uma violação de direitos institucionalizada pela existência de uma ação de reintegração de posse movida pela Marinha do Brasil. A mesma Marinha que expulsou o líder da Revolta da Chibata do seu corpo de praças, reivindica a expulsão de mais de 50 famílias que vivem na comunidade, constituindo total transgressão à Constituição, inclusive frustrando todas as expectativas que decorrem de um Estado Democrático de Direito, que construímos e do qual não abrimos mão, ainda que nas adversidades.
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Mas o que se esperar deste Estado que cria regras para seu povo, porém, se exime do cumprimento daquilo que foi por ele posto como norma? Talvez uma imprensa que obtém concessão de serviço público televisivo para o exercício de práticas discriminatórias, como o nacionalmente repercutido caso do Programa Brasil Urgente, em matéria intitulada “Acusado de estupro quer fazer exame de próstata”. Na matéria, a repórter Mirella Cunha, contando com a livre abertura das carceragens, viola o direito à presunção de inocência de Paulo Sérgio Santos, mais um jovem negro exposto ao escárnio público por meio de uma mídia irresponsável e alheia ao seu papel enquanto poder formador de opinião e incentivador de comportamentos.
A matéria que, dentre tantas de mesma linha, constrangeu não somente o povo negro baiano, como repercutiu negativamente nas redes sociais em todo o país, mobilizando inclusive jornalistas e movimentos sociais de defesa dos direitos humanos, foi um atentado contra a liberdade de imprensa e sua ligação umbilical com a história da democracia brasileira. O exercício desta liberdade não se confunde com a ausência de ética de alguns poucos profissionais que tentam manchar a construção do espaço democrático da mídia. Como qualquer outro direito, a liberdade de imprensa é limitada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, não sendo o seu exercício, em nenhum momento, algo irrestrito.
Neste contexto de violação, a Bahia, espaço primeiro do povo negro brasileiro, insiste em contradizer seu legado e se mantém como palco de práticas discriminatórias em variadas vertentes. Entretanto e, enfim, o fato de “todo camburão ter um pouco de navio negreiro”, ainda que totalmente real, já não é mais aceito sob a pressão da chibata; esta que, até ser “abolida”, sangrou um sem número de “Almirantes Negros”. É neste compasso do “mestre-sala dos mares” que as linhas da luta e resistência do negro vêm sendo escritas. Aqui já não cabe mais um Estado Democrático de Direito que não considere a resistências destes atabaques e agogôs; não se permitem Almirantes que não naveguem em mares quilombolas, nem uma imprensa que dê voz apenas a um lado das cotidianas histórias resultantes de um processo histórico de exclusão e marginalização.
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