Pensar na felicidade do outro e ter e um bom “cobertor de orelha” nas frias noites de inverno de SP ajudam a unir os apaixonados
Foto: Amana Salles/ Fotoarena Ampliar
Ramon e Liz conseguiram sair da rua, mas voltaram por causa do vício dele. Agora, ele quer melhorar de vida por ela
Os dois passam os dias (e as noites) em um pequeno espaço da Praça Dom José Gaspar. Cobertores e mantas espalhadas pelo chão marcam o território, ocupado por outros companheiros sem-teto. Silva está nas ruas de São Paulo há dois anos; Liz, há oito meses - o mesmo tempo de duração do relacionamento. O casal já até tentou viver em um apartamento. Mas não funcionou. “A gente ia noivar. Mas, enquanto eu saía para trabalhar, ele pegava as coisas de casa e vendia para comprar droga. Perdemos tudo e voltamos para a rua”, diz Liz. “Agora, estamos pensando em construir tudo de novo.
O jovem Silva confessa: “Uso de tudo.” São tantas as drogas que ele nem cita o álcool, relegado a segundo plano. Ela é mais contida. “Eu sou mais de beber. Só uso crack de vez em quando. E com ele”, diz ela, que, nos últimos oito meses, engravidou duas vezes do companheiro. “Perdi os dois”.
É a vida dos sonhos de um casal? Independentemente de conceitos e respostas prontas, amor não falta. “É amor verdadeiro”, declara, convicto, Silva. Ele fala de seus planos com Liz. “Casar, casar e casar. Ter filhos com minha mulher. E também sair da rua. Gosto da rua. Me sinto livre, sem horários para acordar ou dormir. Mas não quero mais isso para ela.” “Nos primeiros dias na rua, não me acostumava. Depois, acostumei. Mas quero sair”, sonha a paraguaia.
“Estou grávida de gêmeos”
Nem a diferença de 24 anos de idade importa para o casal Antonio Luiz de Oliveira, 26, e Elizabete Miranir de Oliveira, 50. Moram na Praça da Sé há anos. Estão juntos há apenas quatro meses. Mas garantem estar apaixonados. “Somos casados de rua”, brinca ela. “Ele é meu amor. Desde que ficamos juntos pela primeira vez, não nos separamos mais”, completa Elizabete, mineira de Guaxupé. “Ela é minha companheira. Está todo dia comigo. Ninguém mexe. Protejo e cuido dela”, detalha Oliveira, nascido em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Foto: Amana Salles/Fotoarena
Antonio e Elizabete perderam a casa e a profissão por causa do alcoolismo
Elizabete mostra, com orgulho, sua barriga. “Estou grávida de gêmeos.” Ela diz estar feliz com a gestação, mas não esconde a preocupação. “Quando soube, só chorava, chorava, chorava... De vez em quando, ainda tenho crises de choro”, relata. Ele assume a responsabilidade. “Agora, eu tenho que fazer o corre. Fico pedindo ali”, disse, apontando para a calçada em frente a uma loja do comércio local. “Sou esmoleiro, pedidor”, define ele, que calcula ganhar entre R$ 20 e R$ 30 por dia. “Garanto a comida dela”, afirma.
Os dois, antes de viver nas ruas, tinham casa, família, dinheiro, profissão. O alcoolismo foi o que os levou a perder tudo. “Vim para a rua por causa da cachaça também. Não uso droga nenhuma. Só cachaça mesmo”, conta ele.
O vício tirou de Elizabete, ela diz, uma carreira em Direito. Ele, era marceneiro de “mão cheia”. “Fazia móveis projetados”, lembra Oliveira, há sete anos perambulando pelas ruas paulistanas. “Ele é novinho de rua. Eu estou há 30 anos”, compara. Para minimizar o efeito do frio nas noites de inverno, ela dá a receita. “Durmo enroscada, enrolada nele.”
Elizabete diz ser seu primeiro relacionamento sério nas ruas. Ele conta já ter sido casado. Mas a história não teve final feliz. “Minha ex-mulher morreu de overdose por causa de crack, no banheiro do Metrô.”
“Não dá para ficar longe da minha mulher”
Diferentemente da maior parte dos casais moradores de rua, eles não bebem. Também são mais privados. “Tem gente que consegue namorar na rua. Eu não consigo. Só em hotel”, garante Bruna. “A gente vai lá, faz o que tem que fazer, toma um banho e sai. Tem hotel baratinho, por R$ 5”, completa Manta.
Mesmo muito jovem, o casal tem larga experiência na rua. Ele, que nasceu na cidade de São Vicente (litoral paulista), está há 11 anos nesta situação; ela, da zona norte da Capital, há 13. O motivo, garantem, foram divergências familiares. Ela discutia muito com a mãe. Ele não gostava do padrasto. “Eu tinha amigos que já moravam na rua. Vim para conhecer e acabei ficando. Tenho família. Mas não consigo mais ficar na minha casa. Na rua não tem minha mãe para ficar falando”, relata Bruna. Já Manta resume: “Não fui com a cara dele [padrasto].”
Nem em tudo são diferentes dos outros casais, no entanto. Os planos são os mesmos dos demais apaixonados das ruas ou de qualquer lugar: casar e melhorar de vida. “Mais para frente, quero sair da rua, sim, e ter uma casa, levar uma vida normal”, planeja ele. Enquanto isso, sabe como esquentar as noites frias nas ruas da Capital. “Nessas horas, ter uma mulher é a melhor coisa. Dormir junto com alguém, ainda mais com alguém que a gente gosta, é muito bom.”
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