Por Juliano Gonçalves Pereira*
Consciência. Esta sempre foi uma palavra importante para a espécie humana no processo de construção de sua própria história. A consciência no campo sociológico é um atributo natural da espécie humana, adquirido com o tempo e a maturidade e é inclusive ela que nos diferencia das demais espécies animais na terra. A consciência nos garante relações saudáveis com os outros, com a natureza e com nós mesmos. Ela nos eleva a serenidade, garante a paz e decide em cúpula pela guerra. Aurélio (2004) define consciência como a) atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade; b) faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados; c) cuidado com que se executa um trabalho, se cumpre um dever; senso de responsabilidade; d) Conhecimento; e) percepção imediata dos acontecimentos e da própria atividade psíquica. Esses conceitos nos garantem uma melhor reflexão sobre o dia 20 de novembro, no Brasil nacionalizado como Dia da Consciência Negra, surgido desde 1971 pelo grupo Palmares de Porto Alegre/RS, efetivado em 1978 no Congresso do Movimento Negro Unificado – MNU em São Paulo/SP. A data surge do desejo de mudança de foco da principal referência dos afrobrasileiros ser o 13 de maio de 1888 onde foi assinada uma abolição falsa que ainda não foi capaz de incluir os negros no Brasil como cidadãs e cidadãos de diretos.
A consciência é capaz de racionalizar a angústia, superar a aflição e a dor, ela transforma ódio em amor e amor em ódio. Foi consciência que racializou a espécie humana, atribuindo a um, status de dominador, colonizador, escravocrata, senhor e patrão e a outro a condição de dominado, colonizado, escravizado, servo e empregado. Refletindo melhor sobre a consciência, será mesmo que o ser humano adquiri consciência com o passar dos anos?
Um dos excertos de Karl Marx, escrito no início do século XIX diz que “não é a consciência do homem que determina o ser, mas ao contrário, o ser social que lhe determina a consciência”. Será possível que todo ser social ou sociável tem consciência? As palavras de Marx induzem a liberdade de conjecturarmos que o indivíduo consciente é aquele que não se deixa alienar, que possui vida social tramitando entre as classes e que se sensibiliza com o pobre faminto viciado jogado nas calçadas, com as crianças nos semáforos mendigando e roubando para sobreviver, e percebe a crescente onda de violência, criminalidade, morte e a negligencia da condição desumana de vida nas favelas, guetos e empresas privadas. Paradoxalmente este ser consciente também percebe o milionário empresário no carro importado, protegido pelos enclaves urbanos e todas as regalias que tem por direito adquirido exclusivamente com a exploração da mão-de-obra barata e farta. Ter consciência Negra é perceber a cor da pele desses personagens no contexto histórico e se responsabilizar em fazer algo que contribua para a mudança desse cenário. A consciência negra propicia o entendimento de nós mesmos e dos outros, respeitando e valorizando as diferenças étnicas e se indignando com os abismos sociais e econômicos existentes entre negros e não negros.
Olhando a forma como a o homem se comportou no mundo nos últimos séculos em especial quando nos referimos ao debate étnico/racial, percebemos como a consciência foi preponderante para justificar a escravidão, a exploração, os crimes contra a vida e a liberdade de expressão. E ainda, como ela continua sendo fundamental no Brasil para garantir privilégios a uma aristocracia racista que em pleno século XXI, desqualifica o ser humano por ter pele negra e traços africanos. É latente a forma preconceituosa que a classe dominante deste país continua reproduzindo os crimes contra os direitos humanos e a vida, desqualificando a beleza negra e sua inteligência, supervalorizando conscientemente sua força física no trabalho pesado e desvalorizado, seu corpo escultural prostituído pelos meios de comunicação em massa, características estas presente neste país desde o período colonial onde os escravizados eram peças passíveis de comercialização em território nacional, aliás, um dos mais rentáveis comércios, que fez do Brasil o país que mais lucrou com o tráfico negreiro por isso o último das Américas a abolir a escravidão, fazendo deste país hoje, a nação mais negra fora da África.
O Brasil possui hoje mais de 50 % de seu contingente auto-declarado negro (preto e pardo) segundo o IBGE (2008). Ter Consciência Negra é saber da existência de heroínas como Dandara, de heróis como Zumbi, da existência e importância do Quilombo de Palmares no processo de resistência da cultura negra, do significado da Capoeira do Tambor e da Macumba, da importância espiritual das religiões de Matriz Africana, da Lei 10639/03 e da Lei Caó, do Art. 5° da constituinte brasileira, da indiscutível necessidade das Políticas de Ações Afirmativas para minimizar a discrepância entre negros e não negros, da existência da Política Nacional de Saúde da População Negra, do genocídio visível da juventude negra. Consciência Negra é perceber que mesmo sendo o contingente populacional majoritário neste país, mesmo após 121 anos da abolição da escravidão, a negra e a negro ainda estão nos piores lugares sociais, são desqualificados pela cor de sua pele, preenchem significativamente as vagas nos presídios, nas páginas policiais, nos índices de desempregados, e possui seu processo de inclusão social controlados pelos não negros descendentes de escravocratas que receberam a herança de seus antepassados, indenizados por alforriar os negros que construíram esse país. Ter Consciência Negra é ler a história pela ótica do negro descendente de rainhas e reis da África, e se enfurecer com as barbaridades ocorridas sobre eles e atenuadas pela história; ou ainda se indignar com os equívocos conscientes que a ótica eurocêntrica continua reproduzindo nos livros didáticos da educação brasileira. Ter Consciência Negra e se adotar do Amor quando o ódio é o único e principal sentimento genuíno existente em nosso âmago. É ter a capacidade de lutar por uma sociedade justa e igualitária, quando temos todas as ferramentas e justificativas para tomar o poder e reproduzir os mesmos crimes conscientemente cometidos.
Enfim, neste momento onde discutimos liberdade, indignação, inclusão, fúria, racismo, dor, reparação, desejos, ódio entre tantos outros sentimentos, o Amor nos conscientiza da necessidade de horizontalizar as relações e estender as mãos no intuído de somar forças na construção de um país melhor, mais justo e igualitário.
*Juliano Gonçalves Pereira é Negro; Militante do Movimento Social Negro; Educador formado pela Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES; Pesquisador, Cotista; Acadêmico do Curso de História do Instituto Superior Ibituruna/ISEIB; Membro do Centro Cultural Capoeirando, Membro do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Montes Claros/MG; Bailarino do Grupo de dança Compassos; Compositor; Escritor; Membro da Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra, Membro da População Lai Lai Apejo e Membro da Coordenação Nacional do Fórum de Juventude Negra.
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