Usuários de droga em redutos do crack já fazem parte da paisagem urbana

Muitos moradores e comerciantes simplesmente aprenderam a lidar com essa terrível realidade. É assim em São Paulo, Recife (PE), Natal (RN) e Porto Alegre (RS)

Ullisses Campbell - Correio Braziliense


São Paulo — Fim de semana em São Paulo é sempre assim. Quem tem oportunidade refugia-se no litoral. Quem não tem passeia pela cidade vazia. O destino preferido é o Centro Histórico da capital. Ruas antigas sem o transito infernal. Com as lojas fechadas, é possível caminhar pela Estação da Luz, Pinacoteca e ver de perto São Jorge sobre o cavalo talhado em bronze, suspenso a mais de 11 metros do chão, em plena Praça Princesa Izabel. Mas ali existe um mundo à parte onde adultos, jovens e crianças vivem pelo crack. Pulverizado no Centro e imediações, a cracolândia 24 horas por dia, sete dias por semana. Dia útil, feriado, dia santo. Não faz diferença. Faça chuva, faça sol, o consumo descarado da “pedra da morte” funciona na cidade mais rica do país há 20 anos.

Segunda-feira, 23 de novembro, 13h30. Calçada da Avenida Duque de Caixas, coração de São Paulo. A vendedora Tereza Peixoto do Amaral, de 34 anos, anda apressada. Ela puxa pelo braço o filho Renan, de 12, que saiu da escola ao meio-dia e tem que ser “despejado” no trem do metrô imediatamente. “Estou no horário de almoço. Tenho apenas uma hora para pegar o meu filho na escola, comer com ele, deixá-lo na estação do metrô para ele ir para casa e eu voltar ao trabalho”, justifica em fração de segundos enquanto caminha apressada.

Entre o trabalho, numa loja de confecção, e a escola do filho, Tereza passa todos os dias por uma calçada na qual há dezenas de jovens sentados em batentes de lojas que não abrem mais. Cada um deles tem um cachimbo de crack na mão e, na hora que o organismo exige um, o fogo do isqueiro acende a pedra que abastece o vício. “Quem trabalha aqui já está acostumado com isso. Não tem mais jeito. Os viciados já fazem parte da paisagem. Se eles forem embora daqui, vai ter gente sentindo falta”, comenta Tereza aos passos rápidos.

Quem ouve a vendedora falando assim fica assustado com a franqueza. Assim como ela, as milhares de pessoas que caminham pela cracolândia passam rapidamente sem dar a mínima. “Os viciados em crack não mexem com ninguém. Quando eles querem roubar vão para outros bairros. O único problema é que eles ficam desidratados de tanto fumar essa porcaria e enchem o saco da gente pedindo água. Com pena, as pessoas acabam dando”, conta a balconista Carmem Tornioli, de 42 anos. Ela trabalha numa farmácia localizada a 20 passos de um ponto em que se concentram 14 viciados.

Efeitos

No grupo que implora por água na farmácia da esquina, está Anderson da Silva, de 21. Seu rosto tem traços finos, olhos claros e cabelos repicados por uma lâmina de barbear. É impossível ver qualquer traço de beleza. O que chama a atenção no rapaz são os dentes apodrecidos e a falta acentuada de tecido adiposo no corpo. Não precisa ser médico para atestar que ele tem pouquíssima ou quase nenhuma gordura no organismo. Seus ossos estão logo sob a pele e, de tão magro, o esqueleto é arriado por falta de sustentação muscular. A pedido da reportagem, Anderson foi até a farmácia em que trabalha dona Carmem e ela deixou ele se pesar. Quando o digital da balança apontou míseros 41kg para o 1,82m de altura de Anderson, Carmem disparou. “Está vendo só. Estou falando. Eles não comem nada. O crack inibe o apetite. Uma ONG dava almoço e jantar para essas pestes. Eles davam duas garfadas e jogavam fora”, conta a balconista.

Anderson fuma crack desde os 12 anos. Já foi preso por tráfico e agora está cumprindo o resto da pena em liberdade. Com medo de voltar para o inferno da cadeia, diz que anda “pianinho”. Ele e o bando de jovens viciados garantem que deixaram de roubar para comprar crack há muito tempo. Para permanecer livre na cracolândia e consumindo a droga em paz, o jovem conta preferir mendigar e limpar vidros dos carros que param no sinal vermelho. “Em duas horas de esmola e mais uma hora no cruzamento da rua, consigo R$ 30. Dá para comprar seis pinos (pedras) e ainda sobra troco.”

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