Exu não pode?



STELA GUEDES CAPUTO

Recentemente, um jornal carioca destacou o caso da professora proibida de usar o livro "Lendas de Exu" em uma escola municipal. A professora é umbandista e a diretora da escola é evangélica. É cada vez mais comum que professores e alunos de candomblé ou umbanda sejam discriminados nas escolas. A pergunta é: por que Jesus pode estar em um livro para o ensino religioso católico, destinado à rede pública, e Exu não pode? Exu não entra na escola porque este país é racista, e o racismo está presente na escola. Acredito também que atravessamos uma fase de avanço conservador na educação pública. A manutenção da oferta do ensino religioso na Constituição de 88, a aprovação deste como confessional no Rio, os livros didáticos católicos, a Concordata Brasil-Vaticano, são vitórias silenciosas que ampliam e legitimam as circunstâncias necessárias para discriminações como essa.

A mãe-de-santo Beata de Yemanjá diz: "Pensam que o Brasil é uma coisa só e nos discriminam. Isso é racismo." Para o pesquisador Antônio Sérgio Guimarães, o racismo brasileiro é heterofóbico, a negação absoluta das diferenças implicando um ideal, explícito ou não, de homogeneidade (ou uma coisa só, como diz Beata).

Quando uma escola proíbe um livro de lendas africanas ela discrimina culturas afrodescendentes. Exu é negro. Um poderoso e imenso orixá negro. É o orixá mais próximo dos seres humanos porque representa a vontade, o desejo, a sexualidade, a dúvida. Por que esses sentimentos não são bem-vindos na escola? Porque a Igreja católica tratou de associá-lo ao seu diabo e muitas escolas incorporam essa lógica conservadora, moralista e racista. O Exu proibido afirma que este país tem negros com diferentes culturas que, se entendidas como modos de vida, podem incluir diferentes modos de ver, crer, não crer, sentir, entender e explicar a vida. Positivo foi que muitos professores e professoras criticaram o ocorrido, o que mostra que também a escola não é "uma coisa só". É nas suas tensões cotidianas que devemos lutar contra o racismo.

As culturas com suas religiões fazem parte do ensino de História da África. Como é que vai ser? Pais e professores arrancarão as páginas desses livros? Ou eles já serão confeccionados mutilados pelo racismo? Respondo com a saudação ao orixá excluído da escola: Laro oyê Exu! Para que ele traga mais confusão e com ela, o movimento, a comunicação, a transformação onde reina.

Stela Guedes Caputo é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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