Foi no ano de 1888 – 2 anos depois da execução dos mártires de Chicago que lutavam por uma jornada de 8 horas diárias que incendiou a cidade – que a Princesa Isabel assinou a chamada Lei Áurea que aboliu a escravidão no Brasil. Não é o objetivo deste pequeno artigo relatar os fatos históricos e que muitas vezes foram distorcidos ou omitidos da história oficial, mas sim ajudar os militantes socialistas a refletirem sobre os acontecimentos e os atuais detratores da luta de classes neste período histórico e quais os métodos mais eficazes para, nas condições atuais, dar continuidade à luta contra a opressão e a exploração e uma de suas mais odiosas ideologias: o racismo.
A abolição da escravatura não foi um raio em céu azul. Foi fruto de muitas lutas e em todo o território brasileiro. Dos jangadeiros do Ceará que se recusavam a transportar os escravos dos navios negreiros até as praias passando pelos ferroviários que auxiliavam na fida e refúgio, da criação e resistência dos quilombos que vinham de longe, das revoltas dos escravos que muitas vezes se generalizaram em lutas épicas de todo o povo explorado e oprimido contra o regime monárquico (Cabanagem, Sabinada, Balaiada, Malês, Farrapos etc.), chegando aos tipógrafos e jovens intelectuais das cidades inspirados nos ideais da Revolução Francesa.
Diferente da versão romântica que contava a história da princesa boazinha que libertou os escravos, esta lei foi fruto de décadas de lutas do povo brasileiro. A abolição da escravatura foi fruto da situação internacional, ou seja, das necessidades do jovem capitalismo e fundamentalmente da luta de classes. Na verdade, foi o que podemos chamar da primeira luta nacional do país.
Já se passaram 123 anos e os brasileiros descendentes dos escravos ainda são os mais pobres e mais explorados da população - quanto a este fato não temos dúvidas. Mas por essa constatação seria o Brasil um país racista?
Antes de uma resposta, proponho algumas reflexões...
Logo após 13 de maio de 1888, os escravos foram expulsos das fazendas e trabalhar a terra era o único conhecimento da esmagadora maioria dos ex-escravos, com exceção dos chamados escravos de ganho (com profissão ou artífices que eram mais numerosos nas capitais, como em Salvador e Rio de Janeiro). Criou-se uma enorme massa de homens, mulheres e crianças que se transformaram em empregados domésticos e executores de serviços braçais e de pouca qualificação. Num período (final do século XIX e início do século XX) em que a crença na existência de “raças humanas” era uma realidade, o racismo era comum e até apoiado por teses pseudocientíficas. Mas o que também era comum era a integração lenta, porém contínua, dos nossos ancestrais no jovem e insipiente proletariado brasileiro. Apesar de todas as leis contra os ex-escravos, cada vez mais a miscigenação e a incorporação destas massas impedem a segregação racial, na contra mão do caminho trilhado após a guerra civil dos EUA, por exemplo. Desde a instauração da República no Brasil, nenhuma lei de segregação foi aprovada no país.
Apesar das dimensões continentais do Brasil, a presença da miscigenação cultural em nosso país é algo incontestável: em praticamente todas as manifestações folclóricas e culturais estão presentes os elementos deste desenvolvimento cultural, na língua, na música, na alimentação e mesmo no rosto da maioria do povo brasileiro. Não é por acaso que o samba e o carnaval são os maiores símbolos da cultura brasileira.
O desenvolvimento da cultura e de uma identidade nacional e a rejeição de leis segregadoras com base na cor da pele impediram a formação de guetos e divisão do proletariado brasileiro, como aconteceu em outros países, constituindo um obstáculo adicional na luta pela unidade do povo explorado e oprimido. A herança da escravatura, a incapacidade de implantar uma reforma agrária e finalmente o enorme abismo entre as classes sociais, mantêm viva a velha e carcomida crença em “raças humanas”. O racismo existe e se manifesta especialmente na burocracia estatal e nos agentes de repressão do Estado, os ógãos mais reacionários da sociedade burguesa. É por isso que deve ser combatido cotidianamente com energia e firmeza, em todos os âmbitos - das declarações racistas do deputado Bolsonaro (PP- RJ) às mortes dos motoqueiros em São Paulo.
O Brasil não é um país racista. É um país com enormes desigualdades sociais, o caldo de cultura ideal para o racismo: quanto mais igualdade menos racismo. As reacionárias políticas de ações afirmativas, em especial as cotas raciais, não são a solução e nem mesmo o remédio para alcançar igualdade social, pois elas mantêm o funil do vestibular que por sua vez mantém todas as desigualdades existentes na sociedade capitalista, a falta de escola e serviços públicos para a maioria do povo trabalhador.
O 13 de Maio é uma data importante para o povo trabalhador brasileiro porque é a confirmação da vitória do povo explorado e oprimido e não deve ser esquecido. Também não podemos permitir o conto de fadas da princesa boazinha ou as outras histórias que dizem que a abolição da escravatura foi uma farsa – ambas versões escondem a luta de classes do povo brasileiro.
A opressão e a exploração da sociedade de classes só poderá ser superada quando os grandes meios de produção estiverem sob o controle democrático de toda a sociedade, quando a economia for planificada com o objetivo da satisfação das necessidades humanas e não do lucro capitalista. Combater o racismo, todos os dias, todas as horas e em todos os momentos da luta de classes é dever de todos que lutam por igualdade e pelo socialismo. Por isso levantamos bem alto:
13 de Maio: dia de luta contra o racismo!
Trabalho igual, salário igual!
Mais verbas para a construção de serviços públicos gratuitos e de qualidade!
Lutar por igualdade! Lutar contra o racismo! Lutar pelo Socialismo!
* José Carlos Miranda é da coordenação nacional do Movimento Negro Socialista (MNS) e dirigente da Esquerda Marxista
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