PF apura recrutamento de universitários em BH para buscar drogas sintéticas na Europa



Paula Sarapu


Estudantes de classe média de Belo Horizonte estão sendo recrutados para buscar drogas sintéticas da Europa e 13 envolvidos com o tráfico internacional já foram presos. Um dos identificados pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal fez seis viagens seguidas. A venda é facilitada pelos contatos dos estudantes na internet.

Segundo a polícia, eles têm vida confortável em endereços nobres da capital, acesso à cultura e ao conhecimento em cursos do ensino superior, mas desafiam o risco de ser presos por tráfico internacional. O jovem que se envolve com este tipo de negócio, de acordo com a PF, costuma ser usuário de ecstasy e LSD e abusa das redes sociais na internet para ampliar seus contatos. Diante da prisão de 13 jovens que se envolveram com tráfico nos últimos seis meses, a Delegacia de Repressão a Entorpecentes traçou um perfil dessa garotada. Para o delegado Bruno Zampier, responsável pelas investigações, o conceito de mula, apelido de quem faz transporte de drogas, está superado e virou quase uma profissão.

O delegado informa que, no Brasil, muitos se movimentam com cargas de cocaína, como é o caso da estudante mineira de 21 anos presa semana passada em Recife. Na quarta-feira, um jovem de Florianópolis foi detido ao desembarcar no aeroporto de Confins com 33 mil comprimidos de ecstasy, um recorde na apreensão. Ele vinha de Bruxelas, na Bélgica, produtor de drogas sintéticas, como a Holanda. De acordo com Zampier, o jovem que se oferece para transportar drogas vê no tráfico oportunidade de obter vantagem financeira e de conseguir manter o próprio consumo, já que parte do pagamento é feita com comprimidos de ecastasy ou pontos de LSD.

“O perfil é de jovens entre 20 e 30 anos, filhos da classe média ou de famílias tradicionais, cooptados com a promessa de receber entre R$ 15 mil e R$ 20 mil por remessa de droga, o que na prática não ocorre. Como são usuários, eles têm acesso ao meio e muitos contatos, principalmente pela internet, nos sites de relacionamento e bate-papo. É a oportunidade de conseguir lucro fácil e drogas. Fazem por pura curtição, diferentemente do traficante do morro, que quer ascensão social e poder. Mula não é mais o coitadinho que se aventura para conseguir um dinheiro a mais. Os jovens que se envolvem fazem disso uma profissão. Chegam a fazer várias viagens como transportadores de drogas. Já identificamos um que fez seis viagens”, diz o delegado.

Haxixe

O delegado Bruno Zampier cita exemplos de jovens investigados que moravam nos bairros de Lourdes e Cidade Nova e no Conjunto Alphaville, em Itabirito. Um estudante de administração de 24 anos, do Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul, foi preso em janeiro, no aeroporto de Confins, com 14,8 mil pontos de LSD. Ele é acusado de ser o distribuidor da droga, que vinha de Bruxelas. Outra prisão feita pela DRE foi a de um rapaz que morava com os pais num apartamento de luxo na Rua Tomé de Souza, na Savassi, e distribuía haxixe. Toda negociação era feita na porta de casa.

“São pessoas novas, inteligentes, com bom nível de cultura e até empreendedoras, embora criem negócios ilícitos. São verdadeiros Johnnys (referência ao ex-traficante João Guilherme Estrella, de classe médica alta do Rio, preso pela PF na década de 1990 e cuja história virou filme)”, lembra.

Segundo o delegado, não existe mais a figura de um grande distribuidor, pois o jovem usuário, que tem uma grande rede de contatos na internet, descobre o fornecedor e passa a fazer a distribuição em seu próprio negócio. “Muitos viajam de férias e trazem para vender em festas, aos amigos e na faculdade. Outros ganham as passagens e ficam duas semanas na Europa com tudo pago pelo fornecedor, à espera do contato e da bagagem, que já vem pronta com a droga escondida. Eles têm conhecimento e mais meios de ludibriar o trabalho da polícia”, conta o delegado federal.

Redes sociais monitoradas

Para tentar identificar os mulas, policiais da Delegacia de Repressão a Entorpecentes ensinaram técnicas de investigação aos funcionários da Receita Federal, o que resultou na enorme apreensão de ecstasy esta semana em Confins. Um grupo de agentes da delegacia trabalha exclusivamente no terminal, fazendo a triagem de passageiros. Cães farejadores são usados para fiscalizar bagagens. Há ainda policiais que se infiltram em festas e boates e monitoram redes sociais e sites de relacionamento em busca de informações sobre esses grupos.

“Observamos indícios e abordamos as pessoas. Na maioria das vezes, viajam sozinhas, compram passagens com dinheiro, pouco antes do embarque, saem por um aeroporto e voltam por outro e ficam nervosas diante dos agentes. Na rota do tráfico, que passa por todos os locais com voos internacionais, 100% do que chega é droga sintética; do que sai é cocaína.”

Zampier defende uma punição mais dura para o transportador da droga, a proibição das festas rave e ainda faz um alerta: “A sintética é a droga do momento. Vigora entre os jovens a falsa impressão de que o uso do produto não traz consequências para a saúde, o que é inverdade. Não causa dependência química, mas psíquica. A linha entre o traficante e o usuário é muito tênue”.

Estudiosa do assunto, a professora de pós-graduação do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Regina Medeiros diz que o interesse dos jovens no tráfico está relacionado a uma característica especial da sociedade contemporânea: o desejo de consumo. Segundo ela, jovens de classe média, com mais instrução, são recrutados porque têm facilidades com outros idiomas e conhecem o funcionamento dos aeroportos. A especialista concorda que o acesso fácil à informação favorece as relações criadas na rede para este tipo de negócio.

“A classe alta quer ter mais dinheiro no banco, quer viajar mais e ter um carro melhor. E o público jovem, interessado na droga, acompanha o desejo de quanto mais se consome, mais ele acha que precisa. Isso é determinante para a escolha do caminho que seguem, mais arriscado e de ganho fácil. No campo das drogas, a internet garante ao sujeito confiabilidade para negociar com quem quiser. Ali, ele vende, compra, distribui. Não é um desvio de comportamento, é o estilo de vida da sociedade. O desvio está na ilegalidade da atividade. Acho que falta vontade política para discutir a questão e propor medidas”, avalia a professora.

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