O cinema chega ao Capão


Por Cíntia Gomes

Na manhã do domingo passado (17/4), o Cine Araújo no Shopping Campo Limpo estava lotado para a pré-estreia realizada na periferia da zona sul de São Paulo. O filme era "Bróder", que relata a história de três amigos de infância que nasceram e cresceram na comunidade do Capão Redondo. Para assistir ao filme estavam presentes o elenco, produção e a imprensa, mas o que deixou a sala do cinema completa foi a presença dos convidados especiais, os moradores da comunidade.

Cena do filme "Bróder"


O bairro do Capão Redondo é uma área com alto índice de favelas, em que moradores de baixa renda não têm como oferecer acesso a lazer e cultura aos filhos. Ir ao cinema é complicado, pois pagar de R$ 12 a R$ 16 por pessoa representa tirar o dinheiro do alimento ou das contas para pagar _ o cinema acaba saindo muito caro ou inacessível.

O diretor de "Bróder", Jeferson De, estava com muita expectativa com essa pré-estreia. “Foi uma manhã especial. Muitos dos convidados eram moradores do Capão e estavam pela primeira vez indo ao cinema. Nós não sabíamos qual seria a reação da comunidade ao ver seu bairro, sua história no filme. Mas eles ficaram emocionados com a realidade que conseguimos passar no filme. Foi uma experiência coletiva e humana única, foi mágico”, contou.

Segundo Marcelo Alemão, 40, líder comunitário do Capão, a gravação do filme mostra o crescimento da comunidade, traz o sentimento de não ser esquecido. “A experiência para nós de estar no cinema no domingo, não foi apenas de assistir a um filme, e sim de ver passando ali na tela nossa vida, que não foca apenas na região violenta, mas fala a realidade de quem vive aqui”, disse.

Bastidores das filmagens no Capão



Após o término da sessão, o ator Caio Blat comentou que recebeu um depoimento que o marcou muito. “Uma mulher se aproximou toda sorridente e me pediu para tirar uma foto. Ele disse que a fiz chorar com minha entrega no filme, que havia perdido o filho há dois meses e que ela viu sua história ali. E, com o sorriso, tirou a foto. Aquele sorriso e aquele depoimento... vou levar comigo.”

A casa onde foi gravado o filme era da moradora Silvana Marques, 28. “Na minha casa foi criado um cenário, mas muita coisa ficou do jeito que era. O filme é importante porque as pessoas se acostumaram com o preconceito, de que são excluídas. Levar nossa história ao cinema foi grandioso para nós.”

Pre-estreia no Shopping Campo Limpo


Já dona Rosalina Pasinato de Oliveira, 77, é benzedeira e moradora do bairro há mais de 30 anos, e contou que quando chegou no bairro tinha muito mato, não tinha nem água e nem luz, tinham apenas uns 20 barracos, mas com o tempo foi aumentando. “Tanta coisa mudou, hoje está muito bom morar aqui.” Mais conhecida como dona Rosa, ela fez parte do elenco do filme como outra benzedeira, a dona Brisa. “Fiquei muito feliz de participar do filme, nunca fui ao cinema, meus filhos e netos sei que já foram, mas eu fui pela primeira vez na pré-estreia e adorei."

Para quem vive na periferia, o filme não traz nenhuma novidade, mas mostra muitos detalhes e assuntos que muitas vezes são deixados de lado.

O filme retrata muito bem nossa realidade. Na periferia há famílias, afeto, amizades, crianças que sonham em ter sucesso, em ter uma profissão. "Aborda diversos assuntos como gravidez na adolescência, drogas, preconceito, que também fazem parte do nosso cotidiano", afirma Paulo Magrão, 46, vice-presidente da ONG Capão Cidadão e que ajudou na produção do filme na comunidade.

Caio Blat e a garotada do Capão


“No crime, a pessoa tem dois caminhos: ou morre ou é preso. Então é um filme de reflexão. Acredito que é preciso investir em educação e assim diminuir ainda mais o índice de criminalidade. Falta estrutura para aprimorar, melhorar as oficinas, descobrir mais talentos do bairro e assim oferecer bons cursos para as crianças e jovens da periferia. Nosso maior retorno não é financeiro, e sim o sorriso e o agradecimento das crianças”, completa Magrão.

"Bróder" estreiou em circuito comercial nos cinemas de São Paulo ontem, dia 21/4.

O diretor Jefferson De (ao centro) e o elenco do filme


Cíntia Gomes, 27, é correspondente comunitária da Riviera Paulista.
@cintiamgomes
cintiagomes.mural@gmail.com

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