Adolescentes, crack e internação compulsória


A internação compulsória dá-se mediante ordem judicial e somente naquelas hipóteses em que houver a necessidade da intervenção do Judiciário, para assegurar a execução da medida terapêutica recomendada em laudo médico, sob a perspectiva exclusiva do direito à saúde do paciente, quando tal direito, por alguma razão, não estiver sendo respeitado

Valeria da Silva Rodrigues
Juíza de direito titular da Vara de Atos Infracionais de Belo Horizonte

O envolvimento cada vez mais cedo de adolescentes com as drogas ilícitas, principalmente com o crack, é um fenômeno que vem crescendo de forma preocupante, atingindo indiscriminadamente todas as classes, conforme revelam dados recentemente divulgados pela Justiça da infância e da Juventude de Belo Horizonte.
Constatamos ao longo desses anos que os adolescentes usuários e/ou dependentes de crack atendidos na Justiça Juvenil têm dificuldades de expressar demandas, visto a não aceitação da dependência e de acessar ajuda, em razão da existência de um déficit no acesso universal ao Sistema Único de Saúde (SUS) por parte dessa população. Há um evidente despreparo das equipes de saúde, especialmente na atenção básica, no acolhimento das demandas desses usuários.
Muitos revelam-se inaptos para dimensionar a própria dependência e a nocividade de seu comportamento e mesmo quando alcançam esse entendimento, não aceitam qualquer tipo de ajuda, colocando assim em risco a própria vida e a da família, representando também uma ameaça à sociedade, ao praticar crimes para suprir o vício.
É dever do Estado interferir na vida daquele cidadão e determinar sua internação para tratamento, posto que o poder público tem o dever de garantir a vida e a integridade física daquele cidadão e devolver-lhe a dignidade, sua cidadania.
Impõe-se registrar que a Lei 10.216/01 que redirecionou o modelo assistencial em saúde mental, prevê em seu artigo 6º, incisos I, II e III, três tipos de internação:
a) voluntária (aquela que se dá com o consentimento do usuário);
b) involuntária (aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro)
c) compulsória (aquela determinada pela Justiça), que só será realizada mediante laudo médico circunstanciado.
Por sua vez, o artigo 101, incisos V e VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dispõe que compete ao juiz da Infância e da Juventude determinar tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, para crianças e adolescentes que, por ação ou omissão do Estado, da família e da sociedade, ou em razão de suas condutas, tenham seus direitos violados.
Torna-se dessa forma importante destacar que a internação compulsória dá-se mediante ordem judicial e somente naquelas hipóteses em que houver a necessidade da intervenção do Judiciário, para assegurar a execução da medida terapêutica recomendada em laudo médico, sob a perspectiva exclusiva do direito à saúde do paciente, quando tal direito, por alguma razão, não estiver sendo respeitado.
Em hipótese alguma estamos a defender uma abordagem reducionista do problema, com a implementação da referida medida, que está distante da solução do problema. A internação compulsória é uma medida extrema e só deve ser usada nos casos recomendados por profissionais especializados quando evidenciada a situação de risco grave.
Por outro lado, o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSAD) não pode consistir no único recurso de atenção ao usuário de crack. Precisamos que seja disponibilizado para o público infanto-juvenil um local específico (acolhimento transitório), com leitos de atenção integral, para aqueles casos que necessitam de internação, seja para a realização de um pré-diagnóstico, seja para a realização de tratamento.

Esse espaço terapêutico deve estar interligado com os demais serviços da rede de saúde, como os CAPS e hospitais gerais. Trata-se de um local de transição e de proteção e intermediário entre as unidades/leitos hospitalares e os serviços em meio aberto oferecidos atualmente pelos CAPSAD.
Não estamos aqui defendendo a volta do período manicomial. Obviamente, o tempo de utilização desse leito deverá ser definido pela equipe médica, diante da complexidade que o caso demandar.
Deverá ser promovido pela equipe técnica, durante o período de internação, uma metodologia de adesão ao tratamento, pois esse público encontra-se numa fase de não aceitação de regras. Elas têm que ser negociadas, e não impostas. Tem que haver adesão também da família no tratamento, com participação ativa, para a obtenção de êxito na recuperação daquele paciente.
Em suma, os desafios sociais colocados à sociedade brasileira pela ampliação do consumo e do comércio do crack são complexos e exigem medidas práticas e objetivas por parte das autoridades constituídas.
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