Anacronismo: Mal para História e Mal para Política



por Edson França*

O verdadeiro debate que o Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil - Conneb tem que enfrentar está submerso.


Além da força proponente estar perdida, não saber que rumo indicar para construção do Projeto Político da População Negra para o Brasil, atribuo a essa submersão uma premeditada supervalorização da divergência e a não obediência do processo democrático de discussão coletiva que rejeitou - no voto após exaustiva discussão - a realização de uma Assembléia Extraordinária para reformulação do Regimento Interno aprovado na Assembléia Nacional de Belo Horizonte, nos dias 21 e 22 de abril de 2007, com a participação de 23 estados. A maioria das organizações que compõe a Comissão Executiva Nacional e a Coordenação Política Nacional compreendeu a legitimidade do Regimento Interno e da Assembléia de Minas Gerais. Compreenderam também não há necessidade de mobilizar novamente todo o país para numa outra assembléia fazer o que já fora feito. Optaram pelo ajuste dos pontos omissos e/ou com problema de formulação no último ponto de pauta da Assembléia Nacional de São Paulo – fato não concretizado em razão do boicote organizado contra o Conneb na última assembléia ocorrida em São Paulo.

Outro elemento que tem mantido a submersão do debate político no Conneb é a incapacidade de importantes lideranças compreenderem que nem sempre serão vitoriosos em suas propostas ao longo da realização do congresso. Isso não é demérito pra ninguém, faz parte dos processos coletivos de construção política. O congresso receberá contribuições sempre, será produto de muitas cabeças. As propostas sendo certas ou erradas, quando deliberadas coletivamente têm que ser respeitadas. Não há espaços para arrogantemente afirmar que o nível intelectual do movimento negro está aquém dos desafios do Conneb e através da desqualificação da coletividade insistir, ou melhor, tentar impor ponto de vista discutido, votado e rejeitado. O ego sempre será inimigo das construções coletivas, todos devem estar atentos, pois nem sempre emerge deliberadamente.

Após vários documentos elaborado com explícito propósito de impor uma agenda “internista, desgastante e em detrimento do desenvolvimento do debate político do Conneb”, desde 27 de junho de 2008 está postado no site do Conneb (www.conneb.org.br) um texto intitulado “O que há a ser definido: um Projeto Político ou um Plano de Ação”, de Yedo Ferreira. Essa iniciativa pode abrir espaços para cumprirmos com o nosso dever como negras, negros, organizações e forças políticas do movimento negro que compreendem a importância do Conneb e dizer o que queremos construir, mais ainda, o que podemos construir através desse congresso. Em política quando se subestima ou ignora a necessidade de analisar os projetos dentro de um quadro de força objetivo, constrói alternativas inaplicáveis, elabora projetos utópicos e lançam mãos de ações disfuncionais. Trocando em miúdos, se mal diagnosticado, será mal formulado e mal aplicado. Falo isso porque a base analítica do texto referido acima contém ranço que deve ser superado, sob pena de caminharmos de mãos dadas ao atraso.

Analisar fatos ou conjunturas presentes utilizando conceitos, valores e idéias de outro tempo histórico é um grave erro, recorrente nas analises históricas. A humanidade perdeu muito com leituras anacrônicas, o pensamento iluminista quando considerou incivilizado, ahistórico e sem luzes toda construção civilizatória passada, cometeu um grave erro com o futuro, pois deliberadamente ignorou toda contribuição da idade média na Europa, ignorou toda história e saberes de matriz africano e eurocentrizou o pensamento universal. Saber reprimido significa conhecimento reduzido, de modo que as civilizações atuais foram prejudicadas pelos desperdícios causados pelo anacronismo, tornou-se intelectualmente mais pobre.

O texto “O que há a ser definido: um Projeto Político ou um Plano de Ação”, nos remete a um equívoco ainda mais complexo, pois estamos diante de bases analíticas inadequadas no espaço e no tempo, mais grave que o temível anacronismo. Um olhar pouco atento verá que se trata de uma leitura aplicável para um país africano - qualquer - na fase de luta contra o colonialismo. Não diz respeito ao Brasil, as nossas experiências históricas, idiossincrasias políticas e identidades. Sabemos que as gerações de ativistas negros pós-Abdias do Nascimento, especialmente nas décadas de 70 e 80, foram bastante influenciadas pelo panafricanismo, pelas construções intelectuais africanas e pelo processo político do continente mãe, sabemos também, que as medidas adotadas para superação dos impasses africanos não podem ser transplantadas integralmente ao Brasil, estamos em tempo, lugar e conjuntura diferentes. O anacronismo é um mal para História e mal para Política.

No âmbito do Movimento Negro, lutamos pela superação do racismo, da discriminação racial, do preconceito e contra a desigualdade social, política, econômica, educacional entres negros e brancos. Nossa perspectiva é anti-racista, por isso considero que a cor da pele é importante, mas não determinante do lugar político e ideológico - embora invariavelmente defina o lugar sócio-econômico -, os negros e negras brasileiras não são um todo homogêneo, diversifica em tudo, inclusive no projeto político. Parafraseando o mestre Solano Trindade “não basta ser negro para ser meu irmão”, completo a frase com: “... ou branco para ser meu inimigo”. Sabemos que historicamente há inimigos e amigos da luta anti-racista entre os brancos e entre os negros.

Considero adequada a terminologia população negra, por considerar correta a definição de população de Aurélio Buarque de Holanda: “um conjunto de habitantes de um território, de um país, de uma região, de uma cidade ou conjunto de pessoas pertencentes a uma determinada categoria num total de habitantes”. No campo da sociologia política, os conceitos, fundamentalmente, estão a serviço dos projetos e ideologias, por isso são sempre políticos. O uso de população negra é afirmação política de um conceito. Compreendo que os negros são os principais construtores da nacionalidade brasileira, através de dezenas e dezenas de gerações africanas e negras que estão aqui desde 1500 – sempre em maior contingente populacional -, 508 anos é tempo suficiente para construir historicamente uma identidade singular. Não existe uma nação negra no Brasil, existe negro na nação brasileira. Como nos ensinou Abdias do Nascimento “...não é possível pensar o Brasil sem o negro...”, somos o Brasil, o povo brasileiro, a maioria nacional. É um equívoco político e histórico a vanguarda de uma parcela desse povo construir identidades que apenas uma residual elite assimila. Segundo o IPEA 49% dos brasileiros são negros, por isso não cabe pensar em “ações a serem desenvolvidas para a libertação do povo negro”.

A luta pela libertação nacional, ou do povo negro, foi adequada para derrotar o apartheid na África do Sul e o colonialismo Europeu na maioria dos Estados africanos, ainda assim o cerne do conflito era quase sempre econômico – posse das terras, saques dos recursos naturais, anexação de mercados consumidores, apropriação de mão de obra semi-escravas, uso de cobaias humanas para pesquisas farmacêuticas, etc. Hoje essa forma de luta se coloca aos palestinos, iraquianos, afegãos, ou seja, aos povos sob intervenção bélica dos impérios capitalistas. Não estamos invadidos por estrangeiros nos dominando, somos um povo que sofre com profundas desigualdades entre negros e brancos, estamos entre os países mais desiguais do mundo. A população negra é a maioria dos brasileiros que se situam na classe social dominada, a maioria do proletariado, dos desempregados, dos pobres, dos marginalizados, daí o imperativo das mediações e alianças, pois a causa do movimento negro é a causa do Brasil, dos que lutam por justiça, negros e brancos devem se envolver.

Desde os primórdios do movimento negro - pós Lei Áurea - Arlindo Veiga dos Santos, primeiro presidente e formulador da Frente Negra Brasileira, dizia: “Não queremos uma segregação da vida nacional, senão uma afirmação nacional do Negro, uma integração real e leal”. Lutavam para integrar o negro no mercado do trabalho, no sistema educacional, nos espaços de decisão política – por essa razão transformaram a Frente Negra Brasileira em um partido político (erro reconhecido na época). Passados 71 anos da extinção da FNB, a população negra continua buscando as mesmas coisas, ainda é a minoria no gozo das riquezas e benesses socialmente produzidas. Temos que reafirmar os propósitos que motivaram a existência da FNB, com um pequeno ajuste sintetizado no seguinte lema: integrar o negro na sociedade brasileira e transforma-la.

Sobre o texto “O que há a ser definido: um Projeto Político ou um Plano de Ação”, tenho, também, que dizer que é antipático com o contraditório, na medida em que insiste em associar meu pensamento aos da “elite de esquerda eurocêntrica”, negando meus 18 anos de militância contínua no movimento negro. Aposta na desqualificação do outro e não aponta alternativa objetiva. Peca pelo enfadonho teoricismo, tenta colocar conceitos em uma “caixinha fechada”. Reduz o debate político, provando o diletantismo e uma capacidade incomum do autor tergiversar. Trata-se de um texto que não leva a lugar algum, ou melhor, confunde parte da militância, especialmente aquela que está no início do processo de formação.

Reitero a adequabilidade das opiniões encontradas nos textos que postei no site do Conneb: “Princípios norteadores para elaboração do Projeto Político da População Negra para o Brasil e Projeto Político da População Negra” ao projeto político da população negra ao Brasil. Se o projeto político dos negros e negras é eliminar o racismo, o machismo e extinguir as desigualdades sociais e econômicas que pesam negativamente sobre seus ombros, temos que elaborar idéias e ações que respondam como atingir esses fins. Considerando os impasses a ser superados, a correlação das forças políticas e sociais em jogo, as possibilidades de alianças, prioridades e metas a atingir, os mecanismos de sustentação das conquistas, etc.

Os textos criticados por Yedo Ferreira vislumbram uma sociedade socialista e sem racismo. Trabalhar para superação do capitalismo e do racismo é o Projeto Político da População Negra que os textos propõem. Para isso temos que elaborar a tática (ações postas em prática para atingir determinado objetivo) para viabilizar ou avançar no rumo do projeto. Por isso as ações têm que ser factível, ter capacidade de interação com a sociedade brasileira, assimilar importantes princípios (democracia, universalidade, equidade, anti-racismo e o princípio político operativo da hegemonia) e priorizar a intervenção em campos e estruturas sociais geradoras de desigualdades (trabalho, educação e participação política). O Conneb tem que elaborar mecanismos para: superar as desigualdades no mercado de trabalho considerando as diferenças salariais, acesso e qualidade do emprego; democratizar a presença do negro e do pobre em todas esferas educacionais, bem como impor a deseurocentrização do currículo escolar; garantir a presença dos combatentes do racismo nos executivos e legislativos nas três esferas de governo, daí a necessidade de aprofundarmos a discussão acerca do voto étnico – considerando o ensinamento do poeta negro patrono do nosso congresso: Solano Trindade.




*Edson França, É Coordenador Geral da Unegro, membro do Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e da coordenação da Conen-Coordenação Nacional de Entidades Negra

Falta sensibilidade... de todos!



'O Tribunal de Justiça está iniciando a construção de um novo prédio que deverá custar mais de R$ 300 milhões... Será que ele é mais urgente que os centros?'
Com a bagagem de quem foi o juiz de Menores da capital por vários anos e a autoridade de desembargador, Tarcisio Martins da Costa retoma seu discurso de crítica ao Estado, segundo ele insensível em relação à questão dos menores infratores. O magistrado tem razão. Mas, será que a cobrança deve ser dirigida só ao Estado, que é algo abstrato? Ou devemos dar nome aos bois?

O próprio Tarcisio, no começo dos anos 90, condenou o então governador Hélio Garcia a construir cinco centros de internação. O Tribunal de Justiça revogou a decisão e o Ministério Público inexplicavelmente não recorreu. Assim, ao mesmo tempo em que critica – com razão – o Palácio da Liberdade, o juiz deveria cobrar também dos que fazem a Justiça em Minas o verdadeiro empenho na solução da questão.

A propósito, o Tribunal de Justiça está iniciando a construção de um novo prédio que deverá custar mais de R$ 300 milhões... Será que ele é mais urgente que os centros? Alguém dirá: Mas, Eduardo, uma coisa não tem nada a ver com a outra, é verba do Tribunal... E eu responderei: No fundo, no fundo, tudo é dinheiro que sai do meu bolso, do seu, caro leitor...

Só um outro exemplo: o Tribunal acaba de comprar 125 novos carros novos para os desembargadores... Não daria para construir um centro novo? Na verdade, considerando que o desembargador tem o maior e melhor salário do Estado, não seria o caso de abrirem mão de veículo oficial 24 horas à disposição? Só com a economia dos veículos, dos motoristas e da gasolina, quantos centros não construiríamos todo ano? E quantos juízes não poderiam contratar para ajudar no trabalho das varas de menores?

O discurso do juiz é bom. Deveria ser feito dentro do tribunal...

Made in Minas

Márcio Cotrim
E-mail para esta coluna: ailton.magioli@uai.com.br

É grande a expectativa em torno da Rodada de Negócios da Música, que a Brasil Música & Artes (BMA) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil) vão realizar, pela primeira vez, em Belo Horizonte, em 19 de agosto. Profissionais de mídia e compradores internacionais estarão na cidade para encontro com produtores de música e artistas, tendo como objetivo a promoção e a geração de negócios. O local do evento será a sede do Sebrae-MG (Av. Barão Homem de Melo, 329, Nova Suíça). Já confirmaram presença os seguintes compradores: Brent Grulke (SXSW, Estados Unidos), John Bissell (trilhas sonoras, EUA), Olivier Lacourt (vice-presidente do French Export Bureau, França), Mel Puljic (Mondo Music, produtor de shows de Milton Nascimento e Jorge Benjor nos EUA), Neil Mowat (Troca Brahma, Reino Unido) e Gene de Souza (Rhythm Foundation, EUA). Os jornalistas Tracy Mann (EUA), Jody Gillett e Alex Robinson (Reino Unido) e Jim Carroll (Irlanda) também estarão em Belo Horizonte. Mais informações na Associação dos Músicos de Minas Gerais (Ammig): (31) 3222-5271.


Os 18 anos do ECA

Uma lei de Primeiro Mundo em execução num país emergente
Geraldo Gegê Angelino - Conselheiro tutelar em Belo Horizonte, bacharel em direito
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) atinge sua maioridade domingo, diante de muitos desafios. Mas envolto também em muita esperança.

Voltemos a 1927, com a promulgação do Código de Menores, que, revogado, originou o ideário da "Cescola menorista". Era visivelmente impróprio aos conceitos e direitos de vida plena, sob a luz da razão e aplicado ao pé da letra a mendigos e pessoas abandonadas pela sorte e pelos poderes públicos, infratores, os que perambulavam pelas ruas, os já iniciados em algumas drogas, alcoólatras e, o pior, a crianças e adolescentes, rotulados, até então, de "menores". Em 20/11/59, a Organização das Nações Unidas (ONU) entra na discussão e aprova a Resolução 1.386, com a Declaração dos Direitos da Criança, e, em 20/11/85, promulga a Resolução 40/33 (Regras de Beijing), em que se contemplam as regras mínimas para administração da Justiça da infância e da juventude. Em 1º/3/88, em Riad (Arábia Saudita), saem do prelo as Diretrizes das Nações Unidas para prevenção da delinqüência juvenil. Era a ascensão da tutela da ONU aos direitos dos pequenos, agora não mais objetos e, sim, sujeitos das ações.

No Brasil, governo Collor, 1990: em 13 de julho, é criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei Federal 8.069. Ele inicia-se pelos direitos fundamentais, cuida das prevenções, dispõe sobre políticas de atendimento, medidas de proteção, atos infracionais, medidas socioeducativas, amplia sua ação sobre atitudes pertinentes aos pais ou responsáveis; cria o instrumento mais substancial ao seu corpo, o Conselho Tutelar; dá regras ao acesso à Justiça, seus serviços auxiliares e rede de apoio; trata dos crimes e infrações administrativas e possibilita aos contribuintes em geral que destinem doações, via benefício fiscal, a um fundo específico a favor desses pequenos. Nestes 18 anos, priorizaram-se questões inquestionáveis: direito à vida e à liberdade; respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, lazer, cultura e esporte; profissionalização e proteção no trabalho, direitos firmados na Constituição de 1988.

Mas o ECA carece de ajustes e aperfeiçoamentos, pois é lei de Primeiro Mundo em vigor num país emergente, cheio de problemas sociais com políticas públicas acanhadíssimas e até perversas. Novas discussões devem ocorrer, democratizando opiniões de juízes, promotores de Justiça, administradores públicos sociais e conselheiros tutelares, atores da lei, tão pouco reconhecidos e que, em centenas de grandes centros urbanos, são a dolorosa espinha na garganta do administrador municipal. O ECA precisa, aos 18 anos, de um novo sopro, com análises e decisões mais atuais e com projeções mais realistas. Afinal, às nossas crianças e adolescentes, todo o carinho e proteção, porém, com cumplicidade em cumprimento de deveres e obrigações.

Bafômetro constitucional

Marciano Seabra de Godoi - Advogado, professor da PUC Minas
Depois da publicação da Lei 11.705, tem sido afirmado que ela seria inconstitucional ao permitir que a autoridade de trânsito obrigue, sob pena de sanções administrativas, o motorista envolvido em acidente de trânsito, ou suspeito de dirigir sob a influência de álcool, a se submeter a testes de alcoolemia. É juridicamente equivocada a afirmação de que o motorista envolvido em acidente de trânsito ou suspeito de dirigir embriagado tem o direito constitucional de se recusar a se submeter ao teste do bafômetro. Com a obrigação de soprá-lo, não se exige que o cidadão produza prova contra si mesmo. O que se tem é a obrigatoriedade de os condutores - porque praticam uma atividade que por sua natureza coloca em risco a vida de muitas outras pessoas - simplesmente permitirem que se lhes aplique uma medida de registro corporal que tem nítido caráter preventivo, além de eficácia comprovada em todo o mundo. Por outro lado, é contraditório dizer que o condutor pode se recusar a soprar o bafômetro, mas não pode se recusar a se submeter a um exame clínico: ora, o exame clínico tanto quanto o teste do bafômetro é um registro corporal e, tal como no bafômetro, pode ou não demonstrar que o examinado infringiu uma norma legal.

Na Espanha, país que reduziu drasticamente os acidentes e crimes de trânsito, o tribunal constitucional decidiu em 1985 que o dever de se submeter ao controle de alcoolemia não pode ser considerado contrário ao direito de não se confessar culpado. Em 1997, o tribunal voltou a se pronunciar sobre o tema, desta vez deixando muito claro que tampouco pode ser vista na obrigação de soprar o bafômetro uma violação do direito de não fazer prova contra si mesmo. Também o Tribunal Europeu de Direitos Humanos já se manifestou no sentido de que a exigência de submeter-se ao teste do bafômetro não viola nenhum direito fundamental do cidadão.

O principal objetivo do uso massivo do bafômetro não é incriminar pessoas (a maioria dos testes tendem a dar negativo), mas sim prevenir acidentes. Dado esse caráter preventivo do teste do bafômetro, submeter-se a ele é algo que naturalmente se pode e deve exigir de todo aquele que obtém a autorização do Estado para praticar a atividade - por definição perigosa - de conduzir. Se se instituísse o dever de todo piloto de avião se submeter ao teste do bafômetro antes do vôo, com a previsão de que a simples recusa implicaria imediata cassação do brevê, ninguém na sociedade brasileira reclamaria de vulnerações ao direito de não produzir provas contra si mesmo. Mas será que é tão difícil perceber que o risco envolvido no ato de conduzir é tão alto quanto o envolvido no ato de pilotar?

Uma norma essencial da nova legislação é aquela que define como crime conduzir veículo automotor na via pública com concentração de álcool por litro de sangue superior a seis decigramas. Mesmo que o condutor não esteja dirigindo %u201Ccomo um bêbado%u201D, a presença desse teor alcoólico em seu sangue indica (e nenhum médico há de negar) um grave risco de acidentes, com mortes, mutilações e todas as desgraças que podem ocorrer ao condutor e a todas as pessoas que circulam nas vias públicas. É o uso massivo do bafômetro que tornará eficaz a repressão a esse crime, já que a lei indica um teor alcoólico preciso (seis decigramas), que um exame clínico - feito geralmente em condições precárias e somente algumas horas depois de o condutor ser parado pelo policial - não pode indicar.

Por isso se deve combater com muito vigor a afirmação - aparentemente inofensiva - de que devemos enfrentar o problema do álcool no trânsito, mas não com a obrigação de que os motoristas suspeitos soprem o bafômetro (Opinião, 7/7). Não há vulneração de nenhum dispositivo constitucional e as estatísticas mundiais demonstram que o uso massivo do bafômetro é medida essencial em qualquer política eficaz de combate ao álcool no trânsito. No Brasil, a lei já está dando certo pois nos últimos fins de semana caiu em 20% o número de internações nos hospitais, em todo o Brasil, decorrentes de acidentes de trânsito. As ações judiciais contra a lei vêm por aí, e espera-se que o Poder Judiciário compreenda bem essa questão jurídico-constitucional e não mate no nascedouro a nova e promissora política de tolerância zero, estabelecida democraticamente pelos legisladores brasileiros.

A propaganda e a história

Repete-se a mesma tática de desqualificar os vitoriosos quanto ao resgate espetacular dos reféns
Jarbas Passarinho - Ex-governador, ex-ministro, ex-senador
A mentira na política é mais conhecida pela frase atribuída a Goebbels de que, “repetida mil vezes, vira verdade”. Na história nefanda do nazismo, decisivos foram os fatos concretos que tiveram origem nas versões adulteradas. O incêndio do Parlamento alemão, obra dos nazistas, mas divulgado como dos comunistas, serviu para ajudar a caminhada de Adolf Hitler para o poder. As SA, “camisas marrons”, constituíram um bando de desordeiros e assassinos, a tropa de choque e de proteção do Partido Nacional Socialista, chefiada por Ernst Röhm. Usadas para intimidação violenta, massacravam os comunistas nas manifestações públicas, mas quando Hitler assumiu o poder, essa tropa perdera sua razão de ser. Boatos comprometedores inventaram que preparavam uma sedição contra Hitler, já chanceler, mas ainda sem o poder absoluto na Alemanha e nem mesmo nas SA, em que milhares de militantes obedeciam cegamente a Röhm. Livrou-se delas, acusando-as de sediciosas, e numa ação sangrenta surpreendeu Röhm, de madrugada, numa chacina que ficou conhecida como “o golpe Röhm”.

Fuzilamento de mais de 1 mil oficiais do Exército polonês, crime hediondo, apelidado de Operação Katyin, quando o Exército soviético empreendia a ofensiva fulminante na 2ª Guerra Mundial, a propaganda soviética fez o mundo acreditar que os poloneses tinham sido assassinados pelas tropas alemãs em retirada. Muitos anos se passaram depois do fim da guerra fria, para a verdade revelar que os mortos foram vítimas do Exército soviético. As intrigas, bem difundidas, foram meios solertes de conquista do poder, pela direita, e a propaganda enganosa feita pelo Agit-Pro (Agitação e Propaganda) dos partidos comunistas ajudou a fraudar a história.

Fatos comprovados como esses me fizeram meditar sobre a versão de uma rádio suíça de que o resgate da ex-senadora Ingrid Betancourt e mais 14 reféns, confinados pela guerrilha comunista nas matas por ela ainda dominadas na Colômbia, custou US$ 25 milhões. O impacto da libertação, tendo como alvo principal a senhora Ingrid, foi mundial. Exagerados analistas o interpretaram como “o fim” das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Era preciso mudar esse quadro de derrota da guerrilha, que já dura mais de 40 anos e chegou a sitiar Bogotá. A única maneira foi tentar desmoralizar a operação militar colombiana, o que foi feito quando as tropas legalistas bombardearam um destacamento das Farc, operando no Equador, a pouco mais de um quilômetro da fronteira colombiana. O golpe de mão coletou preciosas informações contidas nos computadores do chefe da célula guerrilheira, morto no bombardeio. De pronto, a operação militar vitoriosa foi objeto de indignada reação do presidente equatoriano. Seu argumento patriótico, de soberania nacional violada pelos comandados de Uribe, foi explorado ao máximo e mobilizou até a Organização dos Estados Americanos (OEA). Prontamente, o inefável presidente da Venezuela, Hugo Chávez, também se deu por ofendido, ainda que o bombardeio se houvesse dado distante um milhar de quilômetros do território venezuelano. Deslocou tropas para a fronteira com a Colômbia. O presidente do Equador, entretanto, não julgou merecer protesto a presença no território de seu país, contíguo à fronteira com a Colômbia, e a demorada manutenção nele de um campo de operações internacionais das Farc, provido de equipamento de telecomunicações e de uma segurança que permitia, aos seus ocupantes, instalarem-se confortavelmente, chegando a dormir usando pijamas, como se estivessem num hotel. É preciso ser muito ingênuo, ou aliado das Farc, para não estranhar essa ocupação da vanguarda da guerrilha, mas a tese de neutralidade equatoriana empanou o brilho da operação colombiana.

Repete-se a tática de desqualificar os vitoriosos quanto ao resgate espetacular dos reféns. A notícia de uma rádio suíça (que já se adianta ter tradição de confiabilidade) espalha-se com extrema velocidade pela mídia internacional, criando a suspeição de que a operação nada teve de inteligência militar, mas de encenação negociada com as Farc, mascaramento de um resgate de US$ 25 milhões, um preço pouco abaixo do oferecido pelos Estados Unidos a quem der o paradeiro de Osama bin Laden. A senhora Ingrid Betancourt, citando detalhes da ocorrência, nega a versão. O mesmo diz o comandante do Exército colombiano, empenhando sua palavra de honra, mas a versão já fez seu papel. Se a operação foi de inteligência, baseada em militares infiltrados, naturalmente para invalidar a versão, seria preciso dar os nomes dos infiltrados, o que poria em risco a vida deles. Um vídeo devidamente incapaz de comprometê-los já foi publicado pelo Exército, mostrando na seqüência “um grupo de mais de 20 guerrilheiros” que a tudo viam indiferentes. Se encenação, eles seriam figurantes, mas seu chefe, o principal encarregado da vigilância dos reféns, além de manietado e jogado no chão do helicóptero, está preso em Bogotá. Aí já não se tratava de encenação, mas de peça bufa teatral. Antes, divulgavam que o presidente Álvaro Uribe nada fazia por libertar a senhora Ingrid Betancourt, preferindo que não resistisse às vicissitudes, prisioneira das Farc, porque, se libertada, competiria com ele em eleições.

Que mais inventarão agora? Ele tinha mais de 80% nas pesquisas de popularidade. Com ela viva e libertada, ultrapassou 90%. Só é pena que ela tenha dito apoiar um terceiro mandato para Uribe, o que é digno de Chávez, não da Colômbia, que tem respeitado o rodízio no poder, característica essencial da democracia.

02/07/2008
Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte
abre inscrições para recebimento de projetos

A Lei Municipal de Incentivo à Cultura lança seu edital 2008 e abre as inscrições para os projetos artístico-culturais que visam obter os benefícios da Lei. Os interessados podem se inscrever tanto para o Fundo de Projetos Culturais, que trabalha com recursos provenientes da PBH, quanto para o Incentivo Fiscal, que permite a possibilidade de captação junto à iniciativa privada. O prazo final para as inscrições dos projetos é dia 30 de julho, de segunda a sexta-feira, das 10 às 17 horas, na Assessoria da Lei, que funciona na sede da Fundação Municipal de Cultura, Rua Sapucaí, 571-1º andar - Floresta.

Assim como em 2007, o edital da LMIC estabelece tetos com valores distintos, com o intuito de conferir maior clareza e objetividade no enquadramento das propostas, além de abrir a possibilidade de contemplar um número maior de projetos. Os limites estão precisamente definidos para cada área em que se enquadram os projetos, tanto no Incentivo Fiscal, quanto no Fundo de Projetos Culturais. Além disso, o edital traz uma detalhada planilha orçamentária, com as despesas divididas em pré-produção, produção, divulgação e administração.

O edital, publicado no DOM do dia 28 /06, o Decreto e o Formulário para a apresentação de projetos serão fornecidos pela Assessoria da Lei, por meio de permuta de disquete, e já estão disponíveis no endereço eletrônico: www.pbh.gov.br/cultura. Os projetos serão examinados pela Comissão Municipal de Incentivo à Cultura (CMIC), conforme os termos da Lei 6.498/93, do Decreto nº11 .103 de 05 de agosto de 2002.

Cada empreendedor poderá inscrever no máximo 02 projetos, devendo optar pela modalidade de Incentivo Fiscal ou Fundo de Projetos Culturais. Não é permitida a apresentação de um mesmo projeto simultaneamente nas duas modalidades. Dos recursos disponibilizados para o ano de 2009, 60% serão destinados ao Fundo e 40% ao Incentivo Fiscal, totalizando 5 milhões.

Só serão analisados pela Comissão Municipal de Incentivo à Cultura (CMIC) projetos que tiverem sido apresentados, conforme o edital, sendo observado o enquadramento do projeto, a documentação e o preenchimento do formulário. A falta da documentação ou quaisquer irregularidades que não atendam às exigências do edital ocasionarão na inabilitação dos projetos.

De acordo com a Lei, A Comissão Municipal de Incentivo à Cultura tem noventa dias para analisar os projetos e emitir seu parecer final. Caso haja necessidade, a Comissão tem a prerrogativa de estender esse prazo por até trinta dias. Assim, o resultado dos projetos beneficiados está previsto para sair até o final de novembro de 2008.

Mais informações: 3277-4640 (Assessoria da Lei)

Ética como moral social

Cada vez mais nos encontramos acotovelados uns aos outros
Haroldo Vinagre Brasil, Engenheiro, professor universitário
O filósofo Jurgen Habermas, ao discutir os impasses da unificação européia, declarou que sua solução deve levar em conta o dado fundamental de que todos, sejam países ou pessoas, nunca dependeram tão estreitamente de todos. Era impositivo considerar que as nações mais desenvolvidas teriam de ajudar e esperar pelas mais atrasadas, para que a composição dos vagões não se rompesse. Além disso, acrescentamos nós, não se podem desprezar as diferenças culturais e a história de cada um deles, sob pena de jogarem fora as riquezas de cada identidade nacional. Todas essas considerações são válidas para os países individualmente, em particular aqueles que, como a Índia, a China e o Brasil, se constituem em verdadeiros continentes. Para que possamos evitar crises institucionais sérias, temos que implantar na sociedade uma ética de relações que leve em conta o fato concreto de que os recursos materiais e simbólicos são escassos, pertencem a todos e, por isso mesmo, devem ser distribuídos equitativamente entre os cidadãos – em particular os relacionados à educação, à saúde, à habitação e ao trabalho –, sem os quais não é possível o exercício completo da cidadania.

A partir da segunda metade do século 20, cresceu na humanidade uma consciência ecológica que pode ser resumida na seguinte frase de caráter quase religioso: Ou nos “salvaremos todos ou ninguém se salva”, o que inclui tanto as atuais como as futuras gerações. Desde quando Gagarin vislumbrou, no seu vôo espacial, que a Terra era uma linda nave azul, ficou claro para a humanidade nossa riqueza ímpar como planeta da vida e nossas limitações como fonte de sustentação dessa mesma vida. Essa ética ou moral social nas relações se realizará no século 21 por meio de ações individuais e coletivas, privadas e de governo, que, de forma consciente, conduzam a restrições na liberdade do “posso e tenho poder de fazer, mas não o farei porque afetará negativamente minha coletividade, meu país, o mundo”.

Quero votar em um candidato amigo ou meu parente, que, no entanto, sei que tem antecedentes criminais. Se o faço, certamente, estarei prejudicando minha comunidade. Saio de uma festa depois de beber além do normal. Se volto para casa dirigindo, corro o risco de matar muitos inocentes. Outro exemplo, esse de caráter coletivo, se refere ao assalto ao Estado, via corrupção, geralmente por aqueles mais bem situados financeiramente na pirâmide social, sejam eles da iniciativa privada ou do governo. Falando genericamente, o consumismo irracional de bens, que, às vezes, atinge níveis patológicos na sociedade moderna, traz sérias implicações para a preservação do meio ambiente e para um padrão de vida equilibrado e feliz. Há, pois, que reconhecer que nos encontramos cada vez mais acotovelados uns aos outros e, no futuro, habitaremos um verdadeiro “saco de gatos”, que só nos caberá a todos se formos capazes de implantar uma moral social responsável e inclusiva.

Lei Seca à brasileira

Feita de forma temerária e, talvez, apressada, medida infringe direitos fundamentais individuais do cidadão
Juliana Mancini Henriques, Advogada
A Lei 11.705/08 (publicada em 20/6/08, quando entrou em vigor), alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) – Lei 9.503/97 –, para introduzir novas sanções a quem dirige sob influência de álcool. A infração gravíssima disposta no artigo 165 faz com que o condutor do veículo perca sete pontos na carteira, arque com multa administrativa de aproximadamente R$ 1 mil, além da retenção do veículo e recolhimento da carteira nacional de habilitação (CNH). Para que seja configurada a infração, basta que o condutor tenha ingerido qualquer quantidade de álcool, como está expressamente disposto no artigo 276 do CTB, também alterado pela Lei 11.705/98. Já o artigo 306 do CTB, também alterado pela nova lei, dispõe que constitui crime passível de pena de prisão de seis meses a três anos o motorista que dirigir veículo com concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas.

O primeiro aspecto a ser analisado é o fato de a lei transformar cidadãos de bem em criminosos. Isto porque, qualquer indivíduo que tenha saído para um jantar de negócios, ou almoço com família ou happy hour com os amigos e tenha consumido mais de dois chopes, será necessariamente caracterizado como criminoso, podendo inclusive ser preso, mesmo sem ter provocado qualquer acidente de trânsito. Ora, se o espírito da lei era punir aqueles que causam acidentes por estarem embriagados, deve-se aplicar os requisitos somente aos causadores do acidente e não ao cidadão que sai para se divertir e consome álcool em quantidades tais que não causam alteração significativa em seu comportamento ou seus reflexos.

O segundo aspecto, e mais relevante, é a infringência à presunção de inocência consagrada no artigo 5º da Constituição Federal em seu inciso 47 e a garantia de devido processo legal, ampla defesa e contraditório disposto no inciso 45. O que se verifica, depois de uma leitura da lei, é que a arbitrariedade vem imperando nos novos dispositivos. Um exemplo: se o indivíduo é autuado em uma blitz e se recusa a realizar o teste do bafômetro – uma vez que ele não é obrigado a fazer prova contra si mesmo, de acordo com o Tratado da Costa Rica –, o policial poderá, a seu livre arbítrio, declarar que o indivíduo estava embriagado. Porém, sem a realização de qualquer exame, como poderá o policial afirmar se existia ou não nível de álcool no sangue acima de seis decigramas? Testemunhas, apesar de serem meio de prova admitido em direito, não tem o condão de comprovar a existência de álcool no sangue de alguém, no percentual permitido por lei. Há ainda os que afirmam que a simples negativa em realizar o exame caracterizaria crime de desrespeito à autoridade, o que não se pode admitir sob pena de infringência à Constituição, como já dito. Convenhamos que o agente da autoridade de trânsito não é tecnicamente capacitado para auferir o estado alcoólico de uma pessoa, salvo se a embriaguez for evidente. O policial não tem fé pública, embora a nova lei queira lhe atribuir esse predicado. Há que se garantir a ampla defesa e contraditório, desde o momento da autuação, para que, depois da declaração da autoridade policial de que o motorista ingeriu álcool em percentual superior ao determinado por lei, o cidadão possa se defender devidamente. A medida é fundamental para a transparência das autuações, característica do Estado democrático de direito, e para que seja evitada a corrupção tão, infelizmente, comum no Brasil.

O que se verifica, portanto, é uma tentativa do Estado em aplicar normas coercitivas na tentativa de evitar os acidentes de trânsito. Porém, feita de forma temerária e talvez apressada, uma vez que que infringe direitos fundamentais individuais do cidadão, que não podem ser desprezados em função de um suposto interesse coletivo.

Democracia de aluguel

Dídimo Paiva, Jornalista
A sucessão em Belo Horizonte é um retrato do nosso péssimo partidário. E confirma o que Bernardo Pereira de Vasconcelos, Alberto Torres, Oliveira Viana, Alceu Amoroso Lima e Caio Prado Jr. já escreveram: nossos partidos não passam de grupos de negociantes, sem preocupação com os interesses coletivos. Democracia só pode ser real com partidos autênticos. O que vimos no caso de BH é a ação de meia dúzia de “cardeais” (do PSDB, PT, PMDB, PDT etc.) escolhendo de cima para baixo.

Os partidos políticos nasceram em 1832, na Grã-Bretanha, tomando o lugar dos bandos, tories (conservadores) e whigs (liberais). O melhor estudo da nossa falsa democracia é de José Honório Rodrigues, com o seu clássico Conciliação e reforma no Brasil (1965). O que se considerou uma “revolução” a eleição do ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva não passou de uma ilusão. Antes mesmo de tomar posse, arquivou as teses “revolucionárias” dos partidos de esquerda e adotou a cartilha neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Os dois partidos (PT e PSDB) buscaram inspiração e apoio financeiro na social-democracia européia, como conta o historiador Luís Mir em seu livro Partido de Deus (2006). O Partido Comunista do Brasil (PCB) veio antes, em 1922. Um ano depois (1923), morria o grande líder liberal do Brasil, Rui Barbosa.

A revolução de 1930 marcou a simpatia do presidente Getúlio Vargas e do general Eurico Gaspar Dutra (ministro da Guerra do Estado Novo) pelo nazismo. A Aliança Nacional Libertadora (ANL), apoiada pelos Jovens turcos e tenentes, tinha programa nitidamente de esquerda: pregava o cancelamento da dívida externa; direito do povo manifestar-se livremente; distribuição de terras (latifúndios) aos diaristas roceiros; defesa da pequena e média propriedade. Tenentista típico (repartiu com o general Miguel Costa o comando da chamada Coluna Prestes nos anos 1920), Luiz Carlos Prestes pregava a tomada do poder de qualquer maneira. A sucessão de 1938 tinha como candidatos Armando de Sales Oliveira (SP), José Américo de Almeida (PB) e Plínio Salgado. José Américo alertou o general Dutra sobre o perigo da polarização entre conservadores e comunistas. Sugeriu um terceiro nome, mas Dutra vetou e disse: “O Exército ouviu o apelo do povo em 1889 e agora vai fazer o mesmo”. José Américo respondeu: “Mas o povo ficou bestificado. Agora nem isso se dá, porque o golpe já está pronto”. Estava implantado o Estado Novo (10/11/1937), que só acabou em 1945. Veio então a Constituição de 1946, preparada pelos partidos criados a partir de fevereiro de 1945, com as oligarquias agrupadas no PSD, os liberais com a UDN, o PTB de Getúlio, o Partido Republicano de Arthur Bernardes e o Partido Agrário Nacional e o PCB. O populismo imperou, e já em 1951 Getúlio estava de volta ao Catete. Em 24/8/1954 Getúlio se suicidou. O vice João Café Filho (PP de Ademar de Barros) assume o poder, mas teve uma desavença com o general Henrique Lott e foi derrubado. Eleito, Juscelino Kubitschek tomou posse em 1º/1/1956. JK perdeu para Jânio Quadros em 1960. Jânio governou apenas sete meses e renunciou ao cargo, em agosto. Houve veto à posse do vice João Goulart, acusado de preparar um golpe para instalar uma república sindicalista. Jango foi derrubado por um golpe militar em 31 de março de 1964.

Os anos de chumbo (1964-1985) terminaram depois de torturas, cassação de mandatos, assassinatos, ataques terroristas e banimentos, para dar lugar à Nova República de Tancredo Neves (falecido em 21 de abril de 1985), que deixou o governo com um oligarca no poder (José Sarney). O grande problema: sem partidos legítimos, a democracia brasileira é simples ficção. Depois de tanta discussão, já se sabe que, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), as listas sujas vão disputar as eleições de outubro. A corrupção enlameia todos os níveis de governo. Alguma novidade? Depois de outubro, teremos o que Sales Torres Homem dizia no Império: “Um tempo sem fisionomia, cada vez mais degradado pelos poderosos”. Ou seja, o que nos espera é o que dom Manuel Mascarenhas dizia, em pleno Senado Imperial: “Morreram os costumes, o direito, a honra, a piedade, a fé e aquilo que nunca volta quando se perde, o pudor”. Parece que é isto o que se pode ler na entrevista de Gilberto Carvalho a uma revista nacional na semana passada.

De olho nas espertezas

Eleitor terá de ficar atento aos candidatos de ficha suja, além de cobrar o fim da infidelidade
Estão armando contra o eleitor. Vai caber ao cidadão ficar de olho nas espertezas que certos políticos andam aprontando para escapar da voragem moralizadora da política, que vinha instilando esperança nos espíritos democratas nos últimos meses. Não tem faltado cinismo e cara-de-pau no Congresso Nacional, em torno de projetos que asseguram privilégios, eliminam riscos de punições por comportamento inadequado e afastam pressões em favor de boas práticas republicanas. Enquanto isso, na cidade de cada um, vai começar a corrida pelos cargos de prefeito e vereadores. Agora que os partidos já concluíram a formação de suas chapas, será conveniente à sociedade o conhecimento da ficha dos candidatos. Base da hierarquia do poder político, o que está em disputa este ano é o começo da carreira de muita gente promissora. Mas tem sido a porta de entrada de oportunistas que alimentam planos inconfessáveis com o dinheiro público.

Não se tem notícia de que os partidos aplicaram na formação de suas chapas filtros mais seletivos, como se sugeriu ao fim do debate provocado entre os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Restou uma dúvida quanto ao sucesso dos magistrados que, interessados em promover a moralidade da política brasileira, venham a adotar critérios menos lenientes. Por enquanto, é grande a possibilidade de não vingar a derrubada de candidaturas de pessoas que, antes mesmo de chegar ao cargo público ou por ter deixado digitais em malversação de verbas, já têm prontuários obviamente desabonadores. Para alguns juízes eleitorais, bastaria uma condenação de primeira instância ou a reprovação por um dos tribunais de Contas. Afinal, por muito menos barra-se um candidato a concurso público para motorista ou faxineiro.

Mas a moralidade política também está prestes a sofrer retrocesso no campo institucional. Os discursos inflamados e as críticas, aparentemente corajosas e sinceras, que serão ouvidas na campanha que se aproxima podem ser lágrimas de crocododilo. Depois da eleição, as conveniências serão outras. O mais comum é eleger-se por partido que exija menor coeficiente eleitoral e trocá-lo por outro que estiver mais próximo dos cargos e dos cofres oficiais. Trata-se de deslealdade com o eleitorado e atentado ao sistema de partidos, prática que recrudesceu nos últimos anos, até que o TSE, em memorável decisão, concluiu que o mandato é do partido e não do eleito. Mas essa é mais uma esperança que está sendo driblada pela esperteza de certos políticos. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou na semana passada projeto de lei complementar que dá jeitinho bem brasileiro: seria permitida a troca, sem penalidade, no período de 30 dias anteriores a um ano do fim do mandato. A única restrição é que a nova candidatura não pode ser a cargo diferente do atual. Um casuísmo nefando que não encontra justificativa senão no oportunismo e na total falta de compromisso com a seriedade e com a democracia.

Querem fazer nossa cabeça

"Os homens pesquisam a possibilidade da manipulação e possessão dos espíritos. De modo" que poderiam vencer a resistência racional
Regina Teixeira da Costa
reginacosta@uaivip.com.br
A jornalista francesa Marie Benilde escreveu artigo, publicado no jornal Le monde diplomatique Brasil, sobre como aumentar a eficácia da propaganda. Ela afirma que podemos servir de cobaias ou mesmo de alvo principal das pesquisas da neurociência a serviço do mercado. Os cientistas pesquisam o neuromarketing.

Pretende-se comprovar cientificamente que estímulos em determinada região cerebral podem tornar qualquer produto altamente desejável e selecionado entre tantos outros. E tudo isso se pretende aplicar ao mercado de consumidores. Assim podemos ser um campo de pesquisa aberto, um laboratório a céu aberto. Uma manobra que requer alto investimento, porém, do ponto de vista ético é questionável .

Desde as primeiras descobertas sobre a psicologia da mente e os estímulos-respostas pesquisados em laboratórios de psicologia experimental, e da descoberta de um inconsciente, os homens pesquisam a possibilidade da manipulação e possessão dos espíritos. De tal modo que poderiam vencer toda resistência racional, atingindo diretamente, por meio de estímulos subliminares, algum ponto do inconsciente ou do funcionamento cerebral que fornecesse a resposta esperada.

O capitalismo financia a ciência a tal ponto que hoje os cientistas produzem sob encomenda das grandes indústrias e de seus interesses. O neuromarketing pretende dominar a conexão entre imagem de uma marca e a estimulação do cérebro com técnicas científicas utilizadas pela medicina para detecção de tumores ou acidentes cerebrais com imagens de ressonâncias magnéticas e monitoramento de pacientes. Cientistas observaram que o córtex pré-frontal médio seria requisitado mediante certa imagem de marca; a Coca-Cola por exemplo é uma das empresas a utilizar desses métodos, apelando para a memória com importante papel nos processos cognitivos.

A reação seria a identificação à marca como se ela pudesse fazer parte do seu “verdadeiro eu” já que o neuromarketing é conduzido de modo a linkar o produto à auto-imagem da pessoa e a seu conhecimento íntimo. Tal estimulação poderia levá-la a gostar do que os outros gostam! Todos querem atender aos ideais da cultura, que hoje giram em torno de fazer sucesso, ser bonito, rico e famoso. Assim, a propaganda é considerada boa quando alcança o público e é assimilada, condicionando sua internalização.

A campanha perfeita seria a que conseguisse estimular tal parte cerebral alcançando a transposição narcísica do amor a si mesmo em amor a si mesmo enquanto objeto (da publicidade, claro). Essas discretas pesquisam não contam com grande divulgação, pois temem a desaprovação da opinião pública, que passa a ser tratada como joguete das empresas de difusão.

Trata-se de fato da tentativa de fazer uso de técnicas de condicionamento e estimulação subliminar, isto é, direta ao inconsciente por estímulos que a consciência não captaria, por exemplo, um sinal imperceptível que seria apreendido pela percepção. Certas marcas entram na memória e se tornam aderidas demonstrando assim a possibilidade de transcender os limites da comunicação. O inconsciente do consumidor ainda não foi reivindicado abertamente, mas por trás de cada pessoa é o consumidor o alvo dessa indústria de sugestionamento.

Será que devemos levar tão a sério assim essas pesquisas? A quem interessa esse ramo da pesquisa? Será possível retirar do homem a responsabilidade por suas escolhas sem seu consentimento? Desejaria o homem não fazer escolhas e alienar-se ao desejo do outro? Em parte sim. Muitos de nós tendemos a evitar conflitos e desagradar o outro abrindo mão do próprio desejo para atender ao que se diz ser “o correto”, seguindo sem crítica as exigências da cultura e da sociedade sem nenhum tipo de reflexão.

Se tais indústrias pudessem atingir a todos com seus mecanismos sutis de alcançar a adesão inconsciente dos consumidores, seríamos totalmente consumidos. Não se pode negar que o sugestionamento funcione e há aqueles que são mais vulneráveis, mas nem tais técnicas são absolutamente eficientes, nem todos nós somos tão vulneráveis. E os que são responsáveis por suas escolhas dificilmente cairão seja nesta ou qualquer imposição de ideais da cultura e contra o seu livre arbítrio.

Essência da democracia

José Renato de Castro César, Administrador rural, mestre em turismo, integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
A verdade de uma democracia se mostra nos seus elementos essenciais: 1) obediência da maioria; 2) condições sociais e necessidades do povo; 3) atitudes do espírito de cada cidadão – as ações humanas de cada um (competências e habilidades); 4) o governo (decisões e ações do governante); 5) os grupos de influência; 6) as leis e os comandos (votos); 7) o Estado e a soberania; 8) o interesse público; 9) a educação e 10) a liberdade. Portanto, o bem-estar geral depende desses elementos. No Brasil, entretanto, os governos, as atitudes dos governantes, os grupos de influência e os votos são pujantes. G. C. Field (Teoria política, Zahar, 1959) reafirmou que “a economia fornece a verdadeira chave para a compreensão de todos os negócios públicos” (sic, pág. 254). Assim, a democracia de um país depende dos interesses econômicos internos e externos. Por isso, a máxima de FHC, “exportar ou morrer”, está carregada de ideologias em relação à democracia; dando mostras de como um governo constrói e usa tal conceito. É, pois, preciso perguntar: quais são os interesses econômicos por trás da atual política? Um explícito neomercantilismo, ou um liberalismo exasperado? É sabido que todo governo tem elementos de monarquia, de oligarquia e de democracia e que são os governantes e os grupos de influência que defendem ou garantem os seus motivos econômicos, implícitos em normas e leis, as quais impõem, por meio das cadeias de produção, a estruturação da economia. Daí a conseqüência da guerra pelos votos via eleições.

Neste aspecto, ficam claros os interesses alienígenas. Como é possível que europeus, norte-americanos e asiáticos etc. possam influenciar e ditar regras, especialmente para a cadeia de produção do agronegócio brasileiro, sem considerar certos elementos da democracia, principalmente as necessidades e as condições sociais do povo brasileiro? Por que só agora a Organização das Nações Unidas (ONU) e seus organismos acordaram para os problemas alimentares dos pobres? Sabemos disso desde Josué de Castro (A geopolítica da fome). Fica claro, portanto, que os interesses antinacionais são defendidos por grupos de influência internos. Uma oligarquia que se apoderou das decisões de governo e que aprendeu as técnicas de transmiti-las ao povo – “uma classe de políticos profissionais, líderes partidários e oradores” (sic) que só defende suas necessidades pessoais, seus exclusivos motivos econômicos e seu desejo de riqueza, poder e prestígio, dando sinais ostensivos de seu êxito. Uma classe que desconsidera os motivos morais e as necessidades do povo. Tal cultura está explícita não só na política, mas nos esportes, no lazer, na educação e na vida diária do povo brasileiro. Uma cultura que permite a imposição do neocolonialismo pós-moderno, via teoria política degenerada, que sabe fazer uso da política prática de dirigentes despóticos e tiranos, que aprenderam muito bem a utilizar o direito como instrumento de governo. Essa estrutura marxiana (em senso estrito) criou um cipoal de leis (sic), por meio das quais os governantes e os grupos de influência amarram as atividades públicas e privadas em torno de seus interesses, pelo voto. Direito e poder; direito e racionalização; poder e norma; e o voto como gramática da obediência.

Como dar autonomia às comunidades diante da locução formalizada dessa sociedade de classes tão urbanizada e minimalista? Liberdade, ordem, justiça, bem-estar, noção de direito e Estado são conceitos que permitem a utilização do direito como instrumento de governo. Porém, foram banalizados no dia-a-dia do eleitor nacional. A reflexão sociológica exige uma depuração dos fatos econômicos e uma avaliação moral das decisões dos governantes. Mas até que ponto o povo brasileiro quer participar desse processo? E por que algumas democracias são consideradas fortes e outras fracas? Por que, no Brasil, a produção e a distribuição dos bens materiais estão organizadas para manter os privilégios dos velhos e monolíticos interesses alienígenas? Qual revolução senão a de Jesus Cristo? Qual evolução senão a do humanismo latino? E por que o voto e as eleições em si não conseguirão mudar tais deficiências intrínsecas da democracia brasileira? Fosse o voto facultativo, a corrupção diminuiria. Experimente-se.

É preciso relembrar padre Henrique Cláudio de Lima Vaz, S. J. (2000), em sua análise da experiência mística na tradição ocidental, para compreender que é a deterioração semântica da mística (especulativa, mistérica e profética) que submete o cidadão comum à vontade degenerada dos falsos líderes. Estes políticos, falsos profetas e homens públicos que nada mais são que déspotas ou tiranos, mentem para o povo sobre si, suas ações, decisões e realizações. O povo, obediente, acredita em tudo e em nada e continua amedrontado diante de uma cultura opressora, televisiva. Assim, percebe-se que o elemento democrático mais importante é o governo e não a autonomia do voto, que é uma autonomia. O governante (prefeito, governador, presidente) é o elemento que decide o rumo da política e que escolhe as ações sociais que seus colaboradores implantarão, de acordo (ou não) com as necessidades locais e regionais, defendendo (ou não), com soberania, os interesses do povo diante dos outros.

Estado Policial

Os abusos não se restringem à privação da liberdade
Leonardo Isaac Yarochewsky, Advogado criminalista, professor de direito penal da PUC Minas
Há muito tempo, a sociedade vem clamando por punições mais rigorosas, por um combate igualmente eficaz contra o crime e a impunidade. Neste diapasão várias leis foram sancionadas e inúmeras ações foram empreendidas por diversas forças-tarefas – Ministério Público Federal e Estadual, polícias Federal, Civil e Militar e, até, o Exercito –, tudo em nome da guerra contra o crime organizado ou não. Ninguém duvida em sã consciência da necessidade de combater o crime e punir os culpados. Contudo, é inadmissível que, sob o manto da punição de criminosos, direitos e garantias fundamentais dos indivíduos sejam afrontados. Os fins não podem e não devem justificar os meios, sobretudo, no Estado de direito.

Infelizmente, a prisão provisória (sem condenação), que deveria ser uma exceção, está se transformando em regra. Pessoas são presas (temporariamente ou preventivamente) sem que haja uma acusação formal. Prende-se para depois apurar. Em muitos casos, as prisões são feitas ainda na madrugada, pessoas são tiradas da cama e conduzidas sob os holofotes da mídia, que estranhamente chega simultaneamente com a polícia, muitas vezes, sem saber por que estão sendo presas. Qualquer semelhança com o regime militar não é mera coincidência. Dantes, a famigerada prisão para averiguação, agora, a não menos infamante prisão temporária. Mas tudo em nome do combate ao crime e revestido de uma falsa legalidade. Os abusos não se restringem à privação da liberdade, outros métodos, ou melhor, outro método de investigação, tem se constituído na base de quase todas as acusações. Interceptações telefônicas: grampos nem sempre legais e confiáveis. Neste particular, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, no voto que confirmou a liminar que deu liberdade para Pedro Passos Júnior, investigado na Operação Navalha, afirmou que a Polícia Federal usa “terrorismo estatal como método”. A afirmação foi feita no relatório do voto citado. O ministro também foi alvo, equivocadamente, da divulgação de seu nome em grampo feito pela PF.

Segundo o presidente do STF (EM, 2/6), “é preciso encerrar esse quadro de intimidação. É fundamental que o presidente da República, o ministro da Justiça e o diretor da PF ponham cobro nesse tipo de situação. É abusivo o que vem se realizando. Não é possível instaurar, no Brasil, o modelo de Estado policial”. Diante deste “Estado policial”, é preciso que a sociedade não se omita e que os poderes da República, bem como as garantias constitucionais do Estado que se pretende democrático e de direito, prevaleçam antes que um aventureiro lance mão.

Violência urbana

Deixemos a hipocrisia de lado e façamos cada qual nossa parte no sentido de um mundo menos injusto
Marco Aurélio Campos Gouvéia - Administrador, gestor público, integrante do 1º Tribunal de Júri de Belo Horizonte

Atualmente, verificamos uma transformação impressionante com relação à violência. Táticas de guerrilhas urbanas se encontram em pleno vigor, caracterizando uma guerra sem fim. Repensar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é fator preponderante nessa época de extremo mal-estar social. A maioridade penal tem de ser repensada. Assim deve ser no sentido de se outorgar aos menores o famoso primeiro emprego, proporcionando uma efetiva compensação, além de paliativos programas sociais. Nada como uma presença maior e melhor dos serviços de inteligência integrada, bem como o revigoramento nas áreas fronteiriças, para extinguir e/ou inibir o contrabando de armas, drogas etc., não obstante verifique-se uma concreta compensação humanitária e social inserida nos programas assistenciais ora em vigor, que geram distribuição de renda.

Não podemos deixar passar despercebido o modus operandi atinente ao psicológico humano (seqüestro-relâmpago); enfim, somos reféns do crime. A tecnologia tem nos ajudado muito com as câmeras de circuito interno, alarmes, celulares de última geração, os denominados “pane” – ligados diretamente à polícia – etc. O Poder Judiciário está se modernizando por meio de interrogatórios, alvarás de solturas, conferências, bancos de dados e demais similares, tendo em vista acompanhar a criminalidade. Serviços de vigilância armada, vidros blindados, armamentos sofisticados, sprays de pimenta, bastão policial, escutas telefônicas e outros não substituem uma verdadeira varredura em nível de inteligência. As reformas tributária (taxação justa), política e partidária, o controle da inflação e uma maior e melhor distribuição de renda certamente se encontram ligados às atitudes ilícitas ditas de colarinho branco,

O Exército brasileiro tem sido ridicularizado ante a nação e o crime organizado; as ações das polícias militar e civil e das guardas municipais e Nacional de nada têm adiantado. Será que teremos de chamar o capitão Nascimento? Será que em pleno século 21 a força bruta se sobreporá à intelectual? A complexidade da questão de segurança pública urbana requer a concatenação de princípios, honestidade, justiça social e, sobretudo, maturidade das pessoas e das instituições democráticas, que muito apregoamos existirem. O porte de armas, que praticamente foi extinto para as pessoas de bem, gerou impacto, de forma negativa, na presença do Estado ante a sociedade (aspectos sociológicos e políticos vivenciados), que identifica grupos paramilitares, traficantes, políticos corruptos, uma sociedade literalmente “desarmada” de sua auto-estima, uma das conseqüências do período revolucionário etc. Os presídios se tornaram verdadeiros laboratórios do crime, quartéis-generais de onde se expedem ordens para matar, mutilar, extorquir, manipular, influenciar e até pôr fogo em ônibus – como vem ocorrendo nos últimos dias em Belo Horizonte e região metropolitana.

Estima-se atualmente, em média, que o custo de um detento seja de R$ 2,1 mil ao mês, enquanto o de se educar uma criança é de R$ 1,60 ao dia, aproximadamente. Gasta-se mais com presídios do que com escolas, caracterizando uma discrepância absurda – porém, reversível – na sociedade. A informação deve ser debatida com uma amplitude maior nos âmbitos da mídia, de organizações não-governamentais (ONGs) e demais instituições do poder público, além, obviamente, da sociedade como um todo. Até quando teremos a velha desculpa de que tudo isso é de cunho histórico e parte de um ciclo vicioso? Sejamos coerentes e passemos a debater os direitos humanos, que só funcionam para o lado do banditismo. As análises do problema feitas por alguns antropólogos, religiosos, magistrados e cientistas políticos demonstram a distância em que se encontram da sociedade. É realidade que o sistema prisional está falido em diversos aspectos de sua origem, ou seja, ressocializar cidadãos, seres humanos; entretanto, dizer que presídios são entradas para o inferno, que é a continuidade de senzalas para os de classe menos privilegiadas já é demais. Como ficam os direitos humanos dos policiais mortos e da sociedade civil como um todo? Deixemos a hipocrisia de lado e façamos cada qual nossa parte no sentido de um mundo menos injusto.

Identidades, Racismo e Discrimação

120 anos depois da abolição o povo negro continua massacrado e esquecido


Identidades, Racismo e Discrimação
Paulo Henrique Costa Mattos

Zumbi
No Brasil a questão racial ainda é vista pela ampla maioria dos brasileiros como algo inexistente. O brasileiro tem preconceito de ter preconceito, mas grande parte dos negros brasileiros não se assume enquanto tal.

Ainda é grande o desconhecimento dos heróis negros do Brasil, como a história de Zumbi dos Palmares, líder maior da resistência quilombola no Brasil. Zumbi tombou em combate em 20 de novembro de 1695, após praticamente 100 anos de resistência do Quilombo dos Palmares e por isso esse dia é celebrado como Dia da Consciência Negra. Mas ainda não há de fato uma ampla consciência negra no Brasil.

A luta de Zumbi foi parte destacada da luta do povo negro na diáspora. A chegada dos primeiros navios negreiros no Brasil marcou também a chegada da forte resistência contra a escravidão. Até hoje, a história do povo negro no Brasil tem sido de luta contra a discriminação racial em suas várias faces. Esta luta só não é maior que a contribuição deste povo no crescimento, construção e desenvolvimento do Brasil. O sangue e suor negro fizeram o Brasil consolidar-se como uma das maiores economias do mundo.

Apesar dos avanços obtidos nos séculos de luta pela liberdade e pela criminalização da prática de racismo, o povo negro segue sendo discriminado e principal vítima das desigualdades sociais, que têm no Brasil um forte componente racial. Ainda é extremamente forte o preconceito contra os negros em nosso país, os próprios negros majoritariamente não assumem sua negritude, geralmente preferindo se auto-intitular de “moreno”, “cor de terra”, “cor de jambo” e até “azulinhos”, menos N-E-G-R-O. É como se assumir a negritude fosse assumir uma doença contagiosa e terrível. E tome chapinha para alisar os cabelos, que, aliás, são chamados de “pixanhim”, “cabelo ruim” e outras pérolas do racismo enrustido.

As mazelas do capitalismo são sempre mais dramáticas para o povo negro. O desemprego é maior e mais irreversível entre os negros. Quando empregados, os negros recebem salários menores dos que os não-negros. Entre as mulheres, que já são discriminadas no mercado de trabalho em relação aos homens, os menores salários são das negras. Entre os estudantes universitários, os negros são uma pequeníssima minoria. Entre os favelados do país, a maioria é negra. Entre as vítimas da violência policial, a esmagadora maioria são jovens pobres e negros. Neste quadro, não é difícil perceber que os jovens pobres das periferias são as vítimas preferenciais do aliciamento para o crime, dos traficantes, das quadrilhas especializadas em furto de automóveis, arrombamento de residências, assalto a mão armada e clientes bem cedo dos coveiros.

Infelizmente a população carcerária que mais cresce no Brasil é a dos pobres, negros e excluídos socialmente. Os bandidos de colarinho brancos, que estão no Congresso e no espaço político nacional, jamais visitam a cadeia, nem em solidariedade aos amigos. Assim, segue o ciclo de opressão, exclusão, repressão e criminalização dos negros. Dados publicados pela Anistia Internacional e pela Justiça Global, organizações que lutam pela defesa dos Direitos Humanos, mostram que entre 1995 e 2003 a população carcerária no Brasil cresceu 95%, enquanto a média mundial no mesmo período ficou entre 20% e 30%. Mais de 90% da população presa são negros, pobres, analfabetos e excluídos da mais elementar dignidade humana.

Recentemente a maior rede de TV do país mostrou um ciclo de reportagens sobre o sistema penitenciário brasileiro, mostrando um estarrecedor quadro de desrespeito aos direitos humanos, violência, bestialização dos detentos e transformação das penitenciárias brasileiras em verdadeiros depósitos de gente. Mas isso tudo ocorre pela indiferença da sociedade que pensa majoritariamente que o papel das prisões é fazer os indivíduos sofrerem e não serem resocializados. Pior que isso só a concepção de que bandido bom é bandido morto!

Assim como outros grupos étnicos discriminados, os negros organizados, politizados e conscientes de sua negritude também depositaram esperanças num governo de esquerda, encabeçado por Lula e formado pelo PT e seus partidos aliados. Apostaram na construção de um projeto alternativo de governo e de poder que pudesse iniciar um processo de reversão deste ciclo vicioso. Infelizmente, o povo negro também foi traído. Lula e o PT, assim como fizeram com o movimento sindical, estudantil, feminista, ambientalista, dentre outros, também cooptaram lideranças do movimento negro, dando-lhes alguns cargos no governo federal, assim como em alguns governos estaduais e prefeituras, ou gabinetes parlamentares. Colocaram alguns negros para fazer figuração, conseguindo assim dividir a resistência popular também neste terreno.

Apesar de o Brasil ser majoritariamente negro, o racismo é uma das práticas e comportamentos mais “nojentos” e dissimulados. O povo negro está em todo tipo de função de trabalho degradante, vivendo nas piores casas, comendo o pão que a miséria amassou, sem condição de freqüentar a universidade paga, sem plano de saúde, sem respeito e sobrevivendo com os programas sociais pífios e assemelhados. Para as populações afro-descendentes só sobraram às medidas assistencialistas superficiais, e cujos recursos somados são inferiores aos gastos destes governos com suas propagandas institucionais. Gastam mais recursos para dizer o que supostamente não são racistas, que estão fazendo alguma coisa do que com o que efetivamente deveria ser feito.

O período, 1995 a 2003, coincidiu com os anos dos primeiros passos da aplicação do neoliberalismo no Brasil, em que o Estado foi se apequenando no atendimento às demandas populares, afastando-se de suas poucas características de bem-estar social, e se agigantando no financiamento da burguesia financeira e na repressão ao povo sem alternativa. De 2003 para cá os superávits fiscais vem se ampliando e a manutenção da agiotagem oficial é garantida com zelo por Lula e sua equipe econômica. Ou seja, o drama dos pobres se aprofunda estruturalmente, a violência também, e nesse drama todos os negros são as maiores vítimas. A mulher negra, a criança negra, o idoso negro, o doente negro, o homem negro são discriminados, esquecidos e tripudiados.

A luta dos negros no Brasil é, portanto, a luta por uma sociedade mais humana e racional, mais justa e democrática. Não há solução possível para o povo negro nos limites da predominância da lógica das elites, que coloca interesses econômicos de grupos privados acima da vida, da civilização e da natureza. A luta do povo negro deve ser pela redução da jornada de trabalho, para ampliar a utilização de mão de obra no mundo do trabalho; deve reivindicar um agressivo projeto de construção e regularização de moradias populares, de urbanização de favelas; deve reivindicar uma rigorosa reforma agrária; deve reivindicar o desmonte da atual estrutura das polícias, culturalmente racistas, desmilitarizando-as e substituindo-as por estruturas democráticas, que sejam responsáveis perante toda a sociedade; deve exigir educação de qualidade, cultura, esporte e lazer para a juventude brasileira.

Os recursos públicos para encaminhar estas medidas estão hoje, como há décadas, sendo carreados para a agiotagem do sistema financeiro, e é lá que devem ser buscados. Por isso dizemos que todo dia é o dia consciência negra. Todo dia é preciso lembrar que a abolição da escravidão foi uma farsa da elite branca do Brasil que já dura 120 anos. Pelas ruas do Brasil, nos grotões e nas favelas urbanas, nos presídios e periferias o povo negro continua sendo massacrado, espoliado e triturado por essa imensa máquina de moer carne humana chamada capitalismo. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós.


Paulo Henrique Costa Mattos
é professor de sociologia do Centro Universitário UNIRG e presidente do PSOL-TO.

Plano Nacional de Cultura: realidade ou ficção?



Ministério lança documento ousado, que estabelece, pela primeira vez, política cultural para o país. Dúvida: a iniciativa será capaz de driblar a falta de recursos e a cegueira histórica do Estado em relação à produção simbólica? Coluna convida os leitores a debate e mobilização sobre o tema.


por Eleilson Leite*
para o Le Monde Diplomatique



Vivemos a iminência da aprovação do Plano Nacional de Cultura (PNC). O documento é objeto de projeto de lei que está em tramitação na Câmara dos Deputados desde de 2007, e que tem como relator o deputado Frank Aguiar (PTB/SP). Previsto na Constituição desde 2005, quando foi aprovada a Emenda 48, o PNC vem sendo elaborado de forma participativa. Instâncias criadas pelo ministério da Cultura (como conselhos, grupos de pesquisa e câmaras setoriais) têm produzido uma série de colaborações. Faz parte do esforço participativo a incorporação de resoluções e recomendações propostas na I Conferência Nacional de Cultura, realizada em 2005, bem como fóruns e redes da sociedade civil.

O ministério da Cultura (MinC) acaba de lançar uma sistematização do que vem sendo discutido desde 2003. Denominado Diretrizes Gerais, tal documento contempla o debate parlamentar e ordenará as discussões em torno do PNC daqui por diante. Publicado em parceria com a Câmara dos Deputados, o texto foi lançado na última terça-feira (03/06), num evento que também deu posse a um conselho, que assessorará a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura. A perspectiva é que o PNC seja aprovado ainda em 2008 e comece a ser impementado a partir de 2009, orientando os planos segmentados e regionais. Para o ano que vem está prevista a realização da II Conferência Nacional de Cultura, onde todo o processo se consumará. Se tudo caminhar como o Minc está planejando, será um marco histórico para a política de cultura no Brasil. Aliás, teremos pela primeira vez na história “deste país”, uma política de cultura.

Baixei o texto das Diretrizes Gerais do site do ministério da Cultura. Pretendo lê-lo com atenção e comentá-lo de forma mais detalhada em outra oportunidade, aqui mesmo neste espaço. Mas quero, desde já, sugerir aos que têm interesse no tema das políticas culturais: dediquem seu tempo à leitura do documento. Talvez possamos estabelecer, nesta coluna, um debate sobre o assunto. É um catatau de 90 páginas em formato A4. A escrita parece agradável, sem aquele ranço de texto institucional chapa branca. Além disso, é fundamentado com recentes pesquisas do IBGE e IPEA sobre a cultura no Brasil. Vale a pena.

Diante de tão alvissareira notícia, pus-me a refletir sobre a relação Estado-Cultura e as políticas públicas para o setor. Até que ponto, as diretrizes do MinC podem ter efetividade? Não há um duto por onde essas orientações possam fluir. Segundo pesquisa do IBGE, apenas 4,2% dos municípios brasileiros possuem uma secretaria exclusiva para a Cultura. Embora essa mesma pesquisa tenha revelado que 57,9% dos municípios têm política cultural, na grande maioria das cidades brasileiras (72%) a cultura é um departamento dentro de órgãos que acumulam as funções do esporte, educação, entre outras áreas.

Se pensarmos em diretrizes curriculares para a educação, fica fácil imaginar sua implantação. Existe um sistema educacional com suas instâncias — a principal delas, a unidade escolar, é a ponta de uma rede de transmissão que começa no gabinete do ministro da Educação. Na Saúde é a mesma coisa: tem o SUS. Na área do trabalho, há o Sistema Público de Emprego, e por aí vai. E na Cultura? O MinC está apostando na idéia de Sistema Público de Cultura, integrando municípios e estados. Será que isso pode funcionar? A dotação de verba para Saúde e Educação está prevista em lei federal, cuja violação já derrubou muito governante por aí. E as verbas são volumosas, porque manter escola e hospital exige muito investimento. Cada unidade de saúde ou educacional está rigorosamente conectada ao sistema – dinheiro, normas, diretrizes. Será que na área cultural é possível a adoção de semelhante arranjo institucional?

O Ministro Gilberto Gil crê nessa possibilidade. O PNC tem um horizonte de implantação de 10 anos, e tanto o ministro como o Plano guardam coerência com uma visão moderna do Estado na área de Cultura. Essa relação baseia-se na idéia do direito do cidadão. A filósofa Marilena Chauí nos ensina que cabe ao Estado, “assegurar o direito de acesso às obras culturais produzidas, particularmente o direito de fruí-las, o direito de criar as obras, isto-é, produzi-las, e o direito de participar das decisões sobre políticas culturais” [1]. É importante disseminar essa concepção. O PNC cumpre bem esse papel. Minha preocupação é a efetividade. Se não ganhar o município, nada disso vai funcionar. E é o município quem faz o investimento público. O documento das Diretrizes gerais aponta que apenas 12,6% das verbas da cultura são de origem federal; 32,4% são estaduais e 55% vêm das cidades.

E é nas cidades que existem as periferias, onde as diferenças sociais explicitam-se. É lá que a disputa acontece, onde a luta de classes se manifesta. Como lembra Marilena: “a política cultural definida pela idéia de cidadania cultural (…) se realiza como direito de todos os cidadãos, direito a partir do qual a divisão social das classes, ou luta de classes, possa manifestar-se e ser trabalhada porque, no exercício do direito à cultura, os cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, entram em conflito, comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e movem todo o processo cultural” [2].

O documento das diretrizes para o PNC foi lançado em Brasília nos salões da Câmara e vem circulando nos palácios de Brasília, objeto de discussões ainda bem elitizadas. É preciso que efetivamente ele desça. É preciso que a discussão seja feita “nas bases”, como diríamos antigamente. A idéia é boa, ousada, corajosa. Mas é preciso muito mais combustível político para o PNC deslanchar e se tornar uma referência efetiva para a cultura no Brasil. Esse é o limite para que o Plano se mantenha real e não uma bela ficção.

> Para baixar o documento de Diretrizes Gerais do Plano Nacional de Cultura, clique aqui

*Eleilson Leite é colunista do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique.

[1] Chauí, Marilena. Cidadania cultural: O direito à cultura. Editora da Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2006

[2] Idem


Redação

Parceria Conam-MinC leva cinema de graça para comunidades


O cineasta Glauber Rocha (1939-1981) acreditava que fazer um filme não era tarefa das mais complicadas. Segundo ele, bastava ter “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”. O grande problema — dos tempos de Glauber até hoje — é outro: como exibir esses filmes Brasil afora? Como fazer que o povo tenha contato com sua própria cultura cinematográfica?


Há muitos desafios. Em primeiro lugar, menos de 10% dos municípios brasileiros têm cinema. As salas de exibição, para piorar, ficam concentradas nas regiões centrais dessas cidades ou nos shoppings centers. O preço do ingresso pode chegar a R$ 22, e a programação é dominada por filmes americanos. Pode-se dizer que a maioria dos brasileiros está “proibida” de ir ao cinema para ver os filmes de seu país.

Foi pensando em cada uma dessas barreiras que surgiu a Mostra Popular e Comunitária de Cinema. O projeto, iniciado em 2004, é uma vitoriosa parceria entre o Ministério da Cultura (MinC) e a Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores). De acordo com o site do MinC, a mostra “tem como objetivo principal o fortalecimento e valorização da cultura popular”, através da “realização de sessão de filmes brasileiros em associação de moradores, sociedade de amigos de bairros e espaços comunitários”.

Quatro estados — São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Pará — já foram beneficiados. “É importante ressaltar que todas as sessões são gratuitas”, afirma o ex-presidente da Conam, Wander Geraldo. “Dessa forma, o projeto garante a milhares de pessoas o acesso à bela coleção de filmes nacionais produzido ultimamente.”

A Mostra é integralmente financiada pelo Ministério da Cultura, isentando os espectadores de qualquer custo. Todos os equipamentos — como a tela de cinema portátil, as caixas de som e os filmes — ficam sob a responsabilidade de um representante da Conam, que vai até o espaço comunitário e organiza a sessão.

Como agendar

É muito fácil agendar sessões da Mostra. Você só precisa entrar em contato com a Conam e marcar uma reunião de apresentação do projeto. Antes desse encontro, converse com os membros de sua comunidade e escolha os filmes que serão exibidos, o local e possíveis datas. Só em São Paulo, são cerca de 30 filmes à sua disposição.

Ao se reunir com o agente da Mostra, proponha uma agenda de sessões, ou mesmo uma única data. O agente lhe explicará como funciona o projeto — da divulgação até a exibição dos filmes, passando pela montagem dos equipamentos. Além de associações de moradores e sociedades amigos de bairro, você pode levar o projeto a qualquer espaço comunitário. É o caso de praças públicas, instituições de ensino, creches, clubes, igrejas, sindicatos, entidades e ONGs.

Contatos
São Paulo: 11 3276-3233 (com Leandro e Geraldo)
Bahia: 71 9948-9169 (com Antonio Carlos)

Fonte: Conam

Esforço pela paz entre torcedores

Bianca Melo
Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Representantes do sistema de defesa social participam do seminário
O governo mineiro quer apoio da população e de instituições envolvidas com esportes para divulgar o Estatuto do Torcedor, criado há cinco anos. Segundo o coordenador da Comissão de Monitoramento da Violência em Eventos Esportivos e Culturais, José Francisco da Silva, o texto não é integralmente cumprido por desconhecimento, e sua divulgação pode auxiliar a alcançar a meta de violência zero nos estádios mineiros, sobretudo no Mineirão. O assunto é um dos discutidos no seminário Direito e Sociedade: Prevenção à Violência em Eventos Esportivos e Culturais, aberto ontem em Belo Horizonte.

Há determinações no estatuto que são pouco conhecidas, como a possibilidade de que um torcedor que provoque reações violentas de outras pessoas seja retirado do estádio e privado de estar presente a jogos por até um ano. No ano passado, foram sete punições por esse motivo e, em 2008, oito em apenas um clássico. Segundo Silva, que também é superintendente da Secretaria de Estado de Defesa Social, os números de ocorrências em eventos culturais e esportivos vêm caindo em Minas, mas ainda não são os ideais.

Antes da proibição de venda de bebida alcoólica no Mineirão, por exemplo, era uma ocorrência registrada a cada grupo de 1.150 torcedores. Depois, o número caiu para uma em cada 1.590 pessoas, mesmo com aumento de quase 2% no público dos clássicos. As ocorrências principais são porte de maconha ou cocaína e roubos. No último jogo Brasil x Argentina, foi feita uma experiência com um mesmo comando para policiais, bombeiros, agentes e todas as pessoas que trabalhavam no local. Como resultado, foram apenas três ocorrências, número considerado baixo por José Francisco da Silva.

Para o diretor de Gestão do Estado de Minas, Geraldo Teixeira da Costa Neto, um dos debatedores do evento, a imprensa pode auxiliar com informações dirigidas para a prevenção. “A mídia pode fazer muito, encontrar um bom tom para tratar desse tema importante”, disse, citando a campanha Conquiste a Paz, do grupo.

O seminário Direito e Sociedade será encerrado hoje, com painéis de especialistas, produtores de eventos e representantes da polícia e do Judiciário.