A propaganda e a história

Repete-se a mesma tática de desqualificar os vitoriosos quanto ao resgate espetacular dos reféns
Jarbas Passarinho - Ex-governador, ex-ministro, ex-senador
A mentira na política é mais conhecida pela frase atribuída a Goebbels de que, “repetida mil vezes, vira verdade”. Na história nefanda do nazismo, decisivos foram os fatos concretos que tiveram origem nas versões adulteradas. O incêndio do Parlamento alemão, obra dos nazistas, mas divulgado como dos comunistas, serviu para ajudar a caminhada de Adolf Hitler para o poder. As SA, “camisas marrons”, constituíram um bando de desordeiros e assassinos, a tropa de choque e de proteção do Partido Nacional Socialista, chefiada por Ernst Röhm. Usadas para intimidação violenta, massacravam os comunistas nas manifestações públicas, mas quando Hitler assumiu o poder, essa tropa perdera sua razão de ser. Boatos comprometedores inventaram que preparavam uma sedição contra Hitler, já chanceler, mas ainda sem o poder absoluto na Alemanha e nem mesmo nas SA, em que milhares de militantes obedeciam cegamente a Röhm. Livrou-se delas, acusando-as de sediciosas, e numa ação sangrenta surpreendeu Röhm, de madrugada, numa chacina que ficou conhecida como “o golpe Röhm”.

Fuzilamento de mais de 1 mil oficiais do Exército polonês, crime hediondo, apelidado de Operação Katyin, quando o Exército soviético empreendia a ofensiva fulminante na 2ª Guerra Mundial, a propaganda soviética fez o mundo acreditar que os poloneses tinham sido assassinados pelas tropas alemãs em retirada. Muitos anos se passaram depois do fim da guerra fria, para a verdade revelar que os mortos foram vítimas do Exército soviético. As intrigas, bem difundidas, foram meios solertes de conquista do poder, pela direita, e a propaganda enganosa feita pelo Agit-Pro (Agitação e Propaganda) dos partidos comunistas ajudou a fraudar a história.

Fatos comprovados como esses me fizeram meditar sobre a versão de uma rádio suíça de que o resgate da ex-senadora Ingrid Betancourt e mais 14 reféns, confinados pela guerrilha comunista nas matas por ela ainda dominadas na Colômbia, custou US$ 25 milhões. O impacto da libertação, tendo como alvo principal a senhora Ingrid, foi mundial. Exagerados analistas o interpretaram como “o fim” das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Era preciso mudar esse quadro de derrota da guerrilha, que já dura mais de 40 anos e chegou a sitiar Bogotá. A única maneira foi tentar desmoralizar a operação militar colombiana, o que foi feito quando as tropas legalistas bombardearam um destacamento das Farc, operando no Equador, a pouco mais de um quilômetro da fronteira colombiana. O golpe de mão coletou preciosas informações contidas nos computadores do chefe da célula guerrilheira, morto no bombardeio. De pronto, a operação militar vitoriosa foi objeto de indignada reação do presidente equatoriano. Seu argumento patriótico, de soberania nacional violada pelos comandados de Uribe, foi explorado ao máximo e mobilizou até a Organização dos Estados Americanos (OEA). Prontamente, o inefável presidente da Venezuela, Hugo Chávez, também se deu por ofendido, ainda que o bombardeio se houvesse dado distante um milhar de quilômetros do território venezuelano. Deslocou tropas para a fronteira com a Colômbia. O presidente do Equador, entretanto, não julgou merecer protesto a presença no território de seu país, contíguo à fronteira com a Colômbia, e a demorada manutenção nele de um campo de operações internacionais das Farc, provido de equipamento de telecomunicações e de uma segurança que permitia, aos seus ocupantes, instalarem-se confortavelmente, chegando a dormir usando pijamas, como se estivessem num hotel. É preciso ser muito ingênuo, ou aliado das Farc, para não estranhar essa ocupação da vanguarda da guerrilha, mas a tese de neutralidade equatoriana empanou o brilho da operação colombiana.

Repete-se a tática de desqualificar os vitoriosos quanto ao resgate espetacular dos reféns. A notícia de uma rádio suíça (que já se adianta ter tradição de confiabilidade) espalha-se com extrema velocidade pela mídia internacional, criando a suspeição de que a operação nada teve de inteligência militar, mas de encenação negociada com as Farc, mascaramento de um resgate de US$ 25 milhões, um preço pouco abaixo do oferecido pelos Estados Unidos a quem der o paradeiro de Osama bin Laden. A senhora Ingrid Betancourt, citando detalhes da ocorrência, nega a versão. O mesmo diz o comandante do Exército colombiano, empenhando sua palavra de honra, mas a versão já fez seu papel. Se a operação foi de inteligência, baseada em militares infiltrados, naturalmente para invalidar a versão, seria preciso dar os nomes dos infiltrados, o que poria em risco a vida deles. Um vídeo devidamente incapaz de comprometê-los já foi publicado pelo Exército, mostrando na seqüência “um grupo de mais de 20 guerrilheiros” que a tudo viam indiferentes. Se encenação, eles seriam figurantes, mas seu chefe, o principal encarregado da vigilância dos reféns, além de manietado e jogado no chão do helicóptero, está preso em Bogotá. Aí já não se tratava de encenação, mas de peça bufa teatral. Antes, divulgavam que o presidente Álvaro Uribe nada fazia por libertar a senhora Ingrid Betancourt, preferindo que não resistisse às vicissitudes, prisioneira das Farc, porque, se libertada, competiria com ele em eleições.

Que mais inventarão agora? Ele tinha mais de 80% nas pesquisas de popularidade. Com ela viva e libertada, ultrapassou 90%. Só é pena que ela tenha dito apoiar um terceiro mandato para Uribe, o que é digno de Chávez, não da Colômbia, que tem respeitado o rodízio no poder, característica essencial da democracia.

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