Marcelo Sant'Anna/EM/DAPress | | A dona de casa Isabel Maria da Silva chora no quarto de sua filha Amanda, assassinada em abril deste ano, em Lagoa Dourada, e vive à custa de tranquilizantes | Embora morassem a 150 quilômetros de distância, as estudantes Amanda Glívia Vale, de 19 anos, e Júnia Aparecida da Silva, de 20, tinham hábitos e sonhos em comum. Criada no município de Lagoa Dourada, a 150 quilômetros de Belo Horizonte, Amanda trabalhava numa confeitaria de rocambole e tinha a esperança de concluir em breve o curso de administração de empresas. “Deus, tomai minhas mãos e conduzi-me para onde quiseres”, escreveu a estudante, católica praticante, em seu diário no início do ano. O manuscrito se encontra até hoje em seu quarto, decorado com imagens de santos e fotos de cães dálmatas e outros bichos e personagens de desenho animado.
Cursando o terceiro período do curso de biologia na Fundação Helena Antipoff, Júnia, que morava no município de Ibirité, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, também era apegada à religião e aos animais. A estudante, que tinha uma paixão especial por sapos, trabalhava num pet shop para custear os estudos e nas horas vagas fazia trabalhos voluntários na paróquia do bairro.
Os sonhos das duas jovens foram interrompidos de forma brusca em abril deste ano. Amanda saiu de casa por volta das 11h do dia 10 em direção ao Centro de Lagoa Dourada, onde acontecia uma festa. Nunca mais voltou. O corpo foi encontrado dois dias depois com as mãos mutiladas e sinais de violência sexual num terreno baldio a duas quadras da casa dela, no Bairro das Vertentes. Preso pela polícia, o auxiliar de pedreiro Fernando dos Anjos, de 26, vizinho de Amanda, confessou o crime. “O crime arrasou toda a família. Ninguém tem mais vontade de viver”, desabafa aos prantos Isabel Maria da Silva Vale, de 42, mãe de Amanda, que vive à custa de tranquilizantes depois do assassinato da filha.
A polícia também está próxima de elucidar o crime de Júnia, encontrada morta no dia 14 do mesmo mês com um tiro na cabeça a cinco quadras de sua casa, em Ibirité, um dia depois de ter saído de manhã para ir à faculdade. As investigações apontam, como suspeito, um ex-namorado da estudante (cujo nome está sendo mantido em sigilo). A polícia já sabe, por exemplo, que ele não se conformava com o rompimento do relacionamento e chegou a marcar um encontro com a estudante no dia do crime.
Levantamento do EM realizado em 120 das 800 delegacias de polícia do estado mostra que o assassinato das duas não foi um fato isolado. De janeiro a maio deste, pelo menos 120 mulheres foram assassinadas. De acordo com levantamento da Divisão de Crimes contra a vida, somente na Região Metropolitana de Belo Horizonte 60 mulheres foram mortas com requintes de crueldade. A maioria dos assassinatos ocorreu em abril deste ano, que passou a ser chamado no meio policial como “abril negro”.
“A maioria arrasadora desses assassinatos infelizmente foi de crimes passionais, tendo como autores ex-parceiros ou pretendentes das vítimas”, afirma o delegado Edson Moreira da Silva, chefe do Departamento de Investigações de Pessoas Desaparecidas. Além de trazer em foco novamente os chamados crimes passionais, que levaram os movimentos feministas do país a saírem às ruas na década de 1970 com o slogan “Quem Ama não Mata”, o abril negro chamou a atenção para o grande número de crimes e atos de violência contra a mulher, apesar da aprovação pelo Congresso Nacional, em 2006, da chamada Lei Maria da Penha, que criou penas mais severas para os crimes domésticos. De acordo com levantamento da Delegacia Especializada de Crimes contra a Mulher, cerca de 200 mulheres são estupradas ou vítimas de violência, por semana, na Grande BH. No ano passado, foram instaurados 11,5 mil inquéritos para apurar esses crimes, o que resultou na abertura de 1.000 inquéritos a mais em relação ao ano anterior. |
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