Júnia Bertolino, Júnia Bertolino é bailarina afro, jornalista (0011097/MG), antropóloga e pós-graduanda em Estudos africanos e afro-brasileiros juniabertolino@yahoo.com.br |
Em Belo Horizonte e Minas Gerais encontramos a forte expressão dos congados, chamados de Reinados e Irmandades de Nossa Senhora do Rosário. Geralmente prestam homenagens aos santos pretos: São Benedito, Santa Efigênia, Santo Antônio, São Jorge, Nossa Senhora Santana e Nossa Senhora das Mercês. Como antropóloga venho transitando em vários grupos culturais e movimentos de matriz africana. A oralidade, ancestralidade, tradição e identidade do povo brasileiro precisam ser discutidas e preservadas sempre. Portanto, eu acredito ser muito importante qualquer iniciativa que divulgue e valorize as diversas manifestações populares, sobretudo os nossos ricos reinados presentes em Belo Horizonte e em Minas Gerais.
A Comunidade dos Arturos vem, há mais de 108 anos, com sua cultura expressiva e forte religiosidade, manifestando culto a Nossa Senhora do Rosário nas festas do Congado. Os Arturos são um grupo familiar que reside em propriedade coletiva no município de Contagem. Durante todo o ano realizam diversas festas, como 13 de Maio - Abolição da Escravatura, Festa de Nossa Senhora do Rosário (outubro), João do Mato e Folia de Reis (dezembro), além do candombe e batuque nas festas de casamento, aniversários e batizados.
A coroação de reis e rainhas tem larga tradição em todo o Brasil. Já em 1674 registrava-se a coroação de reis de Congo na Igreja de Nossa Senhora do Rosário. em Recife. Em Minas, Saul Martins cita em sua tese que André João Antônio, em 1711, já identificara o costume dos negros de criarem reis, juizes e juízas nas festas de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Encontram-se também em Minas registros de Irmandades de Nossa Senhora do Rosário datados de 1704 e 1715, nas cidades de Serro e de Ouro Preto.
Os Arturos vêm, cada vez com mais freqüência, atraindo pesquisadores e estudiosos de Minas e de todo o país. A história dos Arturos começou com Camilo Silvério e Felisbina Rita Cândida, em Vila Santa Quitéria, hoje município de Esmeraldas. Dessa união nasceu Arthur Camilo Silvério, que mais tarde constituiu família com Carmelinda Maria da Silva. Os frutos dessa união formam hoje os Arturos, com mais de 50 famílias, tendo atualmente cerca de 400 descendentes instalados em seis hectares de terra no local denominado Domingos Pereira, em Contagem, onde estão radicados desde 1880.
Os filhos de Arthur Camilo são: Geraldo Arthur Camilo (falecido), Maria Gelsa da Silva (falecida), Conceição Natalícia da Silva (Tetane), Juventina Paula de Lima (Intina/falecida), Maria do Rosário da Silva (Induca), José Acácio da Silva (falecido), Antônio Maria da Silva, Mário Braz da Luz, João Batista da Silva (falecido) e Joaquim Bonifácio da Luz (Bill), sendo eles os responsáveis pela bonita e orgulhosa comunidade negra e ainda por transmitir todos os ensinamentos e principalmente a devoção a Nossa Senhora do Rosário, manifestada através do congado, herança deixada pelos seus pais. Atualmente o patriarca é o capitão-mor Mario Braz da Luz, 72 anos, que recebe o carinho e o respeito da comunidade.
A comunidade dos Arturos é representada juridicamente pela Irmandade Nossa Senhora do Rosário de Contagem, que tem como função sobretudo cuidar da organização das festas. Fundada em 1972, compõe-se das guardas de Congo e Moçambique do Reinado. As guardas têm sua representatividade: o congo é responsável por abrir os caminhos, sendo a guarda que segue à frente nos cortejos; o moçambique é responsável por conduzir os reis e rainhas, guardar e proteger o Reinado, sendo portanto os últimos no cortejo, seus capitães também tiram o canto e são autoridades, dentre as quais são consideradas autoridades máximas o Capitão-mor (Mário Braz da Luz) e o capitão-regente (Antônio Maria Silva). José Bonifácio da Luz (bengala), capitão e presidente da Irmandade, diz que ele apenas assina, pois quem decide tudo dentro da comunidade dos Arturos são os mais velhos, assim manda a tradição e o respeito aos mesmos é um valor fundamental na cultura vivenciado pelo grupo.
As festas na comunidade dos Arturos têm início no dia 6 de janeiro, com a Folia dos Santos Reis. Na segunda semana de maio, quando da comemoração da abolição da escravatura, a Irmandade recebe um grande número de visitantes e inúmeras guardas convidadas da capital e do interior de Minas. O mesmo ocorre em 08 de outubro, que é a grande Festa de Nossa Senhora do Rosário. No dia 15 de dezembro tem lugar a festa do João do Mato. O encerramento das festividades ocorre em 25 de dezembro, quando o rei visita os presépios das casas dos Arturos e dos bairros vizinhos.
Nos altares desses grupos, entre coroas, bastões e imagens de santos católicos, se fazem presentes também os pretos velhos, Iemanjá, São Jorge, São Cosme e Damião. Destaca-se o culto de raízes africanas presente principalmente no candombe, onde se evoca a força dos antepassados. Em algumas guardas é um ritual interno e tem a responsabilidade de abrir as festas mais importantes da comunidade.
José Bonifácio (Bengala) explica que toda festa é um momento sagrado: “Além da devoção a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia e outros santos pretos, é também uma oportunidade que temos de estar com nosso reinado nas ruas, mostrando a força, a herança e a riqueza da nossa cultura para os moradores de Contagem”, enfatiza. Também Marília Campos, prefeita de Contagem, ressaltou a importância da Comunidade dos Arturos para o município, sendo exemplo de luta e resistência, aproveitando para reafirmar seu compromisso com a luta pela igualdade racial e as políticas públicas voltadas para a comunidade negra.
Os jovens da Comunidade dos Arturos criaram o grupo “Filhos de Zâmbi”, através do projeto “Criança Negra, Criança Linda” desenvolvido pela Pastoral do Negro, incentivados por Tereza de Fátima Hatem, Anaíse Fortunato e Maria Gorete Heredia, em 1991. Em 1997, por motivos diversos, o grupo interrompeu suas atividades, retornando somente em 2001 com o objetivo de divulgar os trabalhos da comunidade e a riqueza da dança afro-brasileira, valorizando a auto-estima e a herança dos ancestrais. O grupo tem se apresentado em diversos espaços culturais, escolas, seminários e participou, entre outros eventos, da Feira de Artesanato do Minas Centro, VI Encontro Mineiro de Dança, no Big Shopping, do lançamento do livro “Sons do Rosário”, no Palácio das Artes, e do Encontro Latino América Cultural, no Sesc Venda Nova.
Toda a família vivencia a festa. Nos diversos grupos identificamos a importância dos mais velhos juntamente com a força dos mais novos. São crianças de dois anos que já têm reservados seus instrumentos e uma missão de continuidade. São os jovens com seus chapéus e roupas coloridas, penteados exóticos e alegria contagiante que dão o toque jovial ao encontro, seja no ritmo pulsante (congo e moçambique/feminino ou masculino), no canto e na dança saltitante com suas gungas sonoras, tendo eles o compromisso, assumido com seus pais de guardar e dar continuidade ao reinado.
Saiba mais sobre os ARTUROS:
GOMES, Núbia Pereira de Magalhães & PEREIRA, Edmilson de Almeida. Negras Raízes Mineiras: Os Arturos. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 1988. Apresenta a história completa dos Arturos, observando modo de vida, preparação das festas, contendo receitas, músicas e a importância deste grupo familiar.
SILVA, Rubens Alves da. Negros Católicos ou Catolicismo Negro? – Um estudo sobre a Construção da Identidade Negra no Congado Mineiro. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1999.
LUCAS, Glaura. Os Sons do Rosário: um estudo etnomusicológico do congado mineiro – Arturos e Jatobá. Escola de Comunicações e Artes da USP: 1999.
MARTINS, Leda M. Afrografia da Memória: O reinado do Rosário do Jatobá. São Paulo: Perspectiva, Belo Horizonte: Mazza, 1997.
SANTOS, Erisvaldo Pereira dos. Religiosidade, identidade negra e educação: o processo de construção da subjetividade dos adolescentes dos Arturos. Dissertação de Mestrado em Educação: Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, 1997. SABARÁ, Romeu. A Comunidade Negra dos Arturos: o drama de um campesinato negro no Brasil. Faculdade de Filosofia, Ciências Sociais e Letras da Universidade de São Paulo, 1997.
SILVA, Júnia Bertolina. O Congado na Comunidade dos Arturos: Catolicismo ou Culto Africano? Monografia para obtenção de bacharel no curso Ciências Sociais:Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, 2002.
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