De dia, ela cursava o ensino médio numa escola pública e trabalhava como estagiária na prefeitura. À noite, J., de 17 anos, transitava por Belo Horizonte, com outros jovens, deixando sua assinatura, riscada em traços enigmáticos, nos muros, fachadas e demais construções da cidade – como a do Elevado Castelo Branco, no Bairro Carlos Prates, na Região Noroeste de BH. Hoje, a garota diz ter abandonado o mundo das pichações, no qual esteve mergulhada por três anos. No entanto, ainda tem a habilidade de decifrar os códigos do vandalismo feitos de tinta e spray.
Diante do Pirulito da Praça Sete, no Centro da capital, J. lê inscrições “Pik” e “Cia”, que, apesar das tentativas de limpeza, continuam no monumento, atacado três vezes em menos de um mês. “São apelidos de pessoas das gangues. Os pichadores geralmente usam chapéu de aba reta e fazem isso para ganhar fama, conseguir mulheres e amigos. Mas, se alguém picha a marca do outro, pode dar até morte”, conta. Embora J. saiba muito bem quem depreda BH, a maioria dessas pessoas ainda são desconhecidas do poder público. Com objetivo de cercar os vândalos do spray, Ministério Público Estadual (MPE), Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal acabam de criar um comitê de combate e enfrentamento à pichação na cidade. A primeira reunião do grupo ocorreu em maio.
Tal como ocorre com crimes de homicídio, a ideia é compartilhar informações sobre as gangues de Belo Horizonte, facilitando a apuração dos fatos. “Cada polícia produz uma informação isoladamente. Com isso, na hora de fazer uma investigação, fica difícil saber a extensão dos crimes que a pessoa causou. Com essa iniciativa, vamos facilitar o fluxo de dados”, afirma a promotora Vanessa Fusco Nogueira Simões, coordenadora da Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos, que, no fim do ano passado, começou a investigar gangues de pichadores da Zona Sul de BH que se exibiam em fotos no Orkut.
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Pilastras de iluminação da Praça da Estação são alvo dos delinquentes, enquanto na Raul Soares, guarda inibe ação de vândalos |
A promotora afirma que, apesar de ser uma infração considerada leve, a pichação é uma porta de entrada para o crime, principalmente no caso dos adolescentes. Além da recuperação da pintura dos prédios pichados, as penas para os pichadores tendem a ser multas e a obrigação de prestar serviços à comunidade. Outra justificativa para a força-tarefa contra os pichadores é o crescimento deste tipo de crime. “Identificamos que a pichação tem crescido muito, basta andar pela rua para ver”, ressalta a promotora. Não existem dados consolidados sobre esse tipo de vandalismo na capital mineira, no entanto, a Guarda Municipal registrou, até 29 de maio, 195 intervenções em prédios e vias públicas. Isso significa 1,3 pichações a cada 24 horas.
EstratégiasAlém de compartilhar informações, a parceria entre os órgãos visa criar estratégias para combater, de forma permanente, a ação dos vândalos e evitar depredações como na Praça da Estação, na Região Central de BH. Apesar de o local ser vigiado 24 horas por três guardas municipais, pichadores conseguiram sujar as pilastras de pedra. “Geralmente, ocorre à noite, quando nossa visibilidade fica prejudicada. Os pichadores aproveitam o grande fluxo de pessoas saindo da estação para agir”, diz o guarda municipal Jadson Souza.
Em frente a uma das inscrições, a empregada doméstica Marinalva Batista Santos protesta: “Isso aqui é de todo mundo. Não queremos um lugar sujo para nós. Acho muito errado limpar de manhã e à noite estar sujo de novo”. Mesmo com as marcas do vandalismo, os recém-casados Luciana Vieira, de 26, e Michel Lotti, de 29, escolheram a Praça da Estação para ser cenário do álbum de casamento. “Queríamos fugir do convencional e apostamos nesse contraste dos noivos com a arquitetura urbana. Infelizmente, as pichações fazem parte do contexto da cidade”, afirma Lotti.
Se o casal tivesse optado por ser fotografado na Praça Raul Soares, na Região Centro-Sul da capital, não haveria necessidade de desviar a câmera das sujeiras feitas em tintas e spray. O local, também vigiado 24 horas pela Guarda Municipal, desde a reforma do ano passado, está livre das pichações e cheia de pessoas que querem contemplar a beleza do local. O açougueiro Gutemberg Fernandes dos Santos, de 34, passou a ir todos os dias à Raul Soares, no intervalo do almoço, depois da reforma. “Antes aqui era cheio de pichação. Muita gente nem vinha porque se sentia insegura. Pichador não respeita ninguém. Se a praça não tem guarda, ela fica destruída rapidamente”, afirma.
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