Força-tarefa em BH caça pichador

Ministério Público, polícias Civil e Militar e Guarda Municipal criam grupo para trocar informações sobre os atos de vandalismo contra o patrimônio público na capital
Flávia Ayer - Estado de Minas
FOTOS: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS
Recém-casados, Luciana Vieira e Michel Lotti escolheram o cenário urbano para a foto do álbum, levando em conta que os escritos fazem parte do cenário da cidade

De dia, ela cursava o ensino médio numa escola pública e trabalhava como estagiária na prefeitura. À noite, J., de 17 anos, transitava por Belo Horizonte, com outros jovens, deixando sua assinatura, riscada em traços enigmáticos, nos muros, fachadas e demais construções da cidade – como a do Elevado Castelo Branco, no Bairro Carlos Prates, na Região Noroeste de BH. Hoje, a garota diz ter abandonado o mundo das pichações, no qual esteve mergulhada por três anos. No entanto, ainda tem a habilidade de decifrar os códigos do vandalismo feitos de tinta e spray.

Diante do Pirulito da Praça Sete, no Centro da capital, J. lê inscrições “Pik” e “Cia”, que, apesar das tentativas de limpeza, continuam no monumento, atacado três vezes em menos de um mês. “São apelidos de pessoas das gangues. Os pichadores geralmente usam chapéu de aba reta e fazem isso para ganhar fama, conseguir mulheres e amigos. Mas, se alguém picha a marca do outro, pode dar até morte”, conta. Embora J. saiba muito bem quem depreda BH, a maioria dessas pessoas ainda são desconhecidas do poder público. Com objetivo de cercar os vândalos do spray, Ministério Público Estadual (MPE), Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal acabam de criar um comitê de combate e enfrentamento à pichação na cidade. A primeira reunião do grupo ocorreu em maio.

Tal como ocorre com crimes de homicídio, a ideia é compartilhar informações sobre as gangues de Belo Horizonte, facilitando a apuração dos fatos. “Cada polícia produz uma informação isoladamente. Com isso, na hora de fazer uma investigação, fica difícil saber a extensão dos crimes que a pessoa causou. Com essa iniciativa, vamos facilitar o fluxo de dados”, afirma a promotora Vanessa Fusco Nogueira Simões, coordenadora da Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos, que, no fim do ano passado, começou a investigar gangues de pichadores da Zona Sul de BH que se exibiam em fotos no Orkut.

Pilastras de iluminação da Praça da Estação são alvo dos delinquentes, enquanto na Raul Soares, guarda inibe ação de vândalos


A promotora afirma que, apesar de ser uma infração considerada leve, a pichação é uma porta de entrada para o crime, principalmente no caso dos adolescentes. Além da recuperação da pintura dos prédios pichados, as penas para os pichadores tendem a ser multas e a obrigação de prestar serviços à comunidade. Outra justificativa para a força-tarefa contra os pichadores é o crescimento deste tipo de crime. “Identificamos que a pichação tem crescido muito, basta andar pela rua para ver”, ressalta a promotora. Não existem dados consolidados sobre esse tipo de vandalismo na capital mineira, no entanto, a Guarda Municipal registrou, até 29 de maio, 195 intervenções em prédios e vias públicas. Isso significa 1,3 pichações a cada 24 horas.

Estratégias

Além de compartilhar informações, a parceria entre os órgãos visa criar estratégias para combater, de forma permanente, a ação dos vândalos e evitar depredações como na Praça da Estação, na Região Central de BH. Apesar de o local ser vigiado 24 horas por três guardas municipais, pichadores conseguiram sujar as pilastras de pedra. “Geralmente, ocorre à noite, quando nossa visibilidade fica prejudicada. Os pichadores aproveitam o grande fluxo de pessoas saindo da estação para agir”, diz o guarda municipal Jadson Souza.

Em frente a uma das inscrições, a empregada doméstica Marinalva Batista Santos protesta: “Isso aqui é de todo mundo. Não queremos um lugar sujo para nós. Acho muito errado limpar de manhã e à noite estar sujo de novo”. Mesmo com as marcas do vandalismo, os recém-casados Luciana Vieira, de 26, e Michel Lotti, de 29, escolheram a Praça da Estação para ser cenário do álbum de casamento. “Queríamos fugir do convencional e apostamos nesse contraste dos noivos com a arquitetura urbana. Infelizmente, as pichações fazem parte do contexto da cidade”, afirma Lotti.

Se o casal tivesse optado por ser fotografado na Praça Raul Soares, na Região Centro-Sul da capital, não haveria necessidade de desviar a câmera das sujeiras feitas em tintas e spray. O local, também vigiado 24 horas pela Guarda Municipal, desde a reforma do ano passado, está livre das pichações e cheia de pessoas que querem contemplar a beleza do local. O açougueiro Gutemberg Fernandes dos Santos, de 34, passou a ir todos os dias à Raul Soares, no intervalo do almoço, depois da reforma. “Antes aqui era cheio de pichação. Muita gente nem vinha porque se sentia insegura. Pichador não respeita ninguém. Se a praça não tem guarda, ela fica destruída rapidamente”, afirma.

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