Onde estão os Panteras?

Os ex-deuses mostraram sua vulnerabilidade e
foram destruídos. Os líderes que sobreviveram acabaram
absorvidos pelos partidos políticos tradicionais dos EUA.

Por Neusa Maria Pereira • Versus 20 • abril de 1978

Desde que o Partido Revolucionário dos Panteras Negras foi destruído pelos agentes do F.B.I. os negros americanos ficaram sem uma opção política na qual realmente confiassem. Se o F.B.I. entrou com força total para acabar com o Poder Negro, este também teve sua parcela de culpa para que isso acontecesse. Isso se deu no momento em que esses ativistas tornaram-se ultra-esquerdistas, afastando-se da massa negra, perdendo seu apoio e virando presa fácil da polícia americana.

Mesmo assim, no pouco tempo em que estiveram em ação, os Panteras conseguiram alguns resultados positivos. Ensinaram seus irmãos a ter orgulho de sua raça, a se reconhecerem belos e, principalmente, despertaram na massa a combatividade. Afastaram dela o medo de enfrentar o regime segregacionista que lhe fechava todas as portas de emprego, escola, ônibus, hospitais e moradias.

Foram tempos duros. Inúmeros jovens brutalmente assassinados, alguns dos mais importantes líderes do Movimento no exílio, para depois, ao voltar, irem para as sórdidas cadeias americanas, desumanas principalmente para negros, e fundamentalmente para negros com idéias revolucionárias. Após dez anos, o F.B.I. provou que seu trabalho foi bem executado. Não existe um movimento negro, hoje, capaz de incomodar o bem-estar da classe dominante. Os ex-deuses de carne negra mostraram ser vulneráveis e foram destruídos. Os que conseguiram escapar graças a seu carisma foram absorvidos pelo governo em seus partidos políticos.

Angela Davis, que atualmente tem um escritório na Califórnia onde desenvolve um trabalho na área judiciária visando obter julgamentos mais honestos para os negros, entrou para o Partido Democrata, cama de racistas sulinos. Também Hucy Newton, um dos fundadores dos Panteras Negras, que, antes, dizia que a violência nos Estados Unidos era tão comum como torta de maçã, entrou para o Partido Democrata de Jimmy Carter.

Bobby Seale, um dos teóricos dos Panteras, entrou para o Partido Democrata também, e candidatou-se a prefeito de Oakland, local onde até hoje os Panteras são respeitados, pois foi lá que surgiram. Eldridge Cleaver agora encontrou Deus e virou pastor, anda pregando a Bíblia. Há dez anos, ele falava que somente o socialismo seria a salvação para os povos oprimidos do terceiro mundo e dos Estados Unidos. A violência não conseguiu destruir Stockley Carmichael. Apesar de perseguido – atualmente está proibido de sair do país – fundou a seção americana do Partido Revolucionário de Todos os Povos Africanos, que levanta bandeiras reivindicatórias específicas. Stockley vive dando conferências nas universidades americanas, denunciando todos os crimes do regime capitalista americano. Até quando?

Os muçulmanos, dos quais os Panteras Negras sofreram grande influência por intermédio de Malcolm X (que antes de morrer havia rompido com eles pelo fato de não quererem participar das lutas gerais da sociedade), estão calmos. Fecharam suas bocas para assuntos políticos. Deixaram de pensar num Estado Negro separado, pelo menos por enquanto. Estão apenas rezando e aprimorando seu ódio contra o branco.

Não há mais grandes mobilizações de negros nos Estados Unidos. A ação do F.B.I. contra os Panteras faz todo mundo pensar duas vezes antes de agir. A falta de uma política conseqüente fez a comunidade negra cair no conto de Jimmy Carter. Dos 25 milhões de negros existentes nos EUA, mais de 40% votaram em Carter para presidente, atraídos por promessas de empregos, escolas, moradias, melhores condições de vida. Mais uma vez foram enganados.

Assim que entrou na Casa Branca, o defensor dos direitos humanos esqueceu tudo. Hoje, 25% da população está desempregada. Está cada vez mais difícil encontrar casa para morar. Aí o sistema capitalista-racista atira cada vez mais pessoas para os porões famintos e fedidos do Harlem, Washington, Detroit, cidades onde é grande o número de negros. A pequena burguesia foge para o subúrbio deixando a sujeira, a miséria e o crime para os moradores dos grandes centros urbanos: negros, chicanos, porto-riquenhos e sul-americanos.

Existe ainda o problema das escolas, que são poucas, com professores deficientes e mal pagos pelo governo. São inferiores às escolas brancas. Para que o povo não reclame muito, o sistema utiliza seus “testas de ferro”, os prefeitos negros que não lutam por melhores condições de vida para sua comunidade. O mais novo boneco do sistema americano é Andrew Young, discípulo de Martin Luther King, pacifista e apenas preocupado em interromper o avanço das lutas do povo negro.

A crise internacional do capitalismo, mesmo no país matriz, faz a corda arrebentar do lado mais fraco. É preciso sobreviver, e só há uma maneira para milhares de negros americanos: roubar, que também é uma forma de contestar o sistema capitalista. Mas, na maioria das vezes, isso custa caro. Custa a prisão. Segundo dados da Anistia Internacional, as cadeias dos Estados Unidos estão lotadas de pessoas condenadas por suas crenças, origem racial e social. A maioria desses presos são negros. Muitos deles continuam na prisão, acusados de praticarem delitos comuns, mesmo depois de provarem sua inocência. Apesar de tudo, o “paladino dos direitos humanos” exige que outros países cumpram o que ele não faz no seu próprio país, disse Angela Davis, recentemente em Paris.

Dissidência no tráfico de drogas gera campanha e guerra contra o crack


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Por Archimedes Marques, de Aracaju

Crack na latinha
Traficantes em campanha e em início de batalha mortal não por disputas de territórios, mas para conter o avanço do crack, que mata os dependentes de drogas.

O povo assiste atônito às consequências nefastas advindas do crack, a chamada “droga do século”, que chegou para arruinar a vida de muitos, piorar ainda mais a vida de toda a sociedade brasileira e agora até em contrariedade aos interesses de vários traficantes de drogas que em mudança de opinião, em discordância ao seu comércio, já fazem campanha e iniciam guerra contra o seu uso.

Crack e desgraça são indissociáveis e quase palavras sinônimas. Relatos dos seus usuários e familiares, fatos policias diários e opiniões de especialistas sobre os efeitos e as consequências funestas da droga podem ser resumidos em três palavras tão básicas quanto contundentes: sofrimento, degradação e morte.

A composição química do crack é simplesmente horripilante e estarrecedora. A partir da pasta base das folhas da coca acrescentam-se outros produtos altamente nocivos a qualquer ser vivo, tais como o ácido sulfúrico, querosene, gasolina ou solvente e a cal virgem, que ao serem processados e misturados, transforma-se numa pasta endurecida homogênea de cor branco caramelizada, onde se concentra mais ou menos 50% de cocaína, ou seja, meio a meio cocaína com os outros produtos citados.

O seu usuário pode sofrer convulsão e, como consequência desse fato, parada respiratória, coma ou parada cardíaca. Além disso, para o debilitado e esquelético sobrevivente, seu declínio físico é devastador: infarto, dano cerebral, doença hepática e pulmonar, hipertensão, acidente vascular cerebral (AVC), câncer de garganta, além da perda dos seus dentes, pois o ácido sulfúrico, que faz parte da composição química do crack, assim trata de furar, corroer e destruir a sua dentição.
O crack é tão perigoso quanto degradante e mortal que até o próprio traficante dele não faz uso e agora já começa a repensar o seu comércio.

Recentemente, o jornalista e cientista político Segadas Viana, escreveu sobre a questão de um ponto do tráfico do Rio de Janeiro estar fazendo campanha contra o crack. São trechos básicos da matéria jornalística denominada Tráfico veta copinho pra acabar com crackudo vacilão: “Salve um crackudo... Rasgue o copo. As palavras, escritas em um cartaz ao lado da foto de três jovens fumando crack e da imagem de um copo de plástico, fazem parte de uma campanha para tentar dificultar o uso da droga. Como os usuários preferencialmente utilizam copinhos de guaraná natural, a idéia é convencer os fãs da bebida a rasgá-los antes de jogá-los fora.

Mais inusitado que a campanha é o local em que ela tem sido feita: o cartaz foi encontrado durante uma incursão policial no Morro do Pavão, em Copacabana, na zona sul do Rio. Ele estava colado em uma das bocas-de-fumo controladas por traficantes ligados à facção criminosa Comando Vermelho (CV), na principal entrada da favela.

Abaixo do “slogan da campanha”, um texto expõe motivos para conquistar adeptos: “Pow mano, ta ligado que o bagulho ta ficando sinistro em todas as favelas do Rio de Janeiro, né? Aonde vc passa tem um menozinho correndo igual doido com as calças caídas, descalços. Que vergonha. Ou então vê uma mina toda ruim, toda torta, toda magrela. (...)”

Mas o cartaz não é a única bandeira na tentativa de desestimular o uso do crack. Um funk batizado como “Crackudo vacilão” tem sido tocado nos bailes realizados nos morros e favelas. A letra da música diz: “Pedra pura, deixa a gente no maior tédio / Vendendo a roupa do corpo / E a janela do prédio / Mas depois triste num canto sozinho / lembra que se derramou / a madrugada num copinho / aí vem o desespero / tô com maior cabelão / eu vendi a geladeira, a tv e o fogão / aí vem o desespero / tô com maior cabelão / eu vendi a porra toda, eu sou um crackudo vacilão” (…)

Em outra matéria jornalística, desta feita no Rio Grande do Sul, publicada no jornal Zero Hora, em 19/11/2009, o jornalista Humberto Trezzi assim discorreu em parágrafo basilar do seu artigo denominado Traficantes vetam crack em Santa Cruz: “A quadrilha que domina a venda de drogas no bairro mais populoso de Santa Cruz do Sul decretou: não vai vender mais crack. Além disso, anunciou “represálias severas” a quem comercializar a droga na sua área de atuação... venderão os estoques. Depois, vai vigorar a pena do submundo contra quem violar a regra – que pode incluir morte.”

Segundo o jornalista, o recado foi repassado em uma reunião em que fizeram parte aproximadamente cem pessoas na associação de moradores do bairro Bom Jesus e confirmado por repórteres do jornal Gazeta do Sul.

Tais campanhas realistas do tráfico contra o crack demonstram a preocupação dos traficantes quanto à perda substancial dos seus compradores ou consumidores, que logo morrem em decorrência da ação devastadora da droga, ou seja, estão perdendo mercado porque estão matando seus próprios clientes. Com isso há a diminuição de lucro e, em consequência do fato, também resta enfraquecido o comércio das outras drogas, daí a motivação desta suposta boa ação que estão a praticar para a sociedade.

É fato realmente inusitado: traficantes em campanha e em início de batalha mortal não pela disputa de território, mas na tentativa desesperada de conter o avanço dos malefícios do crack, que muitos teimam em reproduzir. É de bom alvitre alinhavar que campanhas legais e vitoriosas como Crack nem pensar, Droga mata, Anti drogas, A droga da morte, A pedra da morte, Montenegro contra o crack, dentre outras que arrastam adeptos importantes e adorados pelo povo como artistas, atletas, cantores ou demais celebridades, formadores de opinião pública, somados ao combate incansável efetuado pela força pública através da Polícia, tem sido de suma importância na prevenção, repressão ou na recuperação de drogados, fazendo com que aumente ainda mais a frustração dos traficantes.

Assim, nesta nova modalidade de guerra do tráfico de drogas, que pode ser batizada de guerra do crack, uma vez que supostamente o Comando Vermelho já tomou partido, pode haver o aumento da dissidência e, como resultado, uma grande quantidade de mortes.

21/10/2010

Fonte: ViaPolítica/O autor

Joaquim, o missionário do financiamento comunitário .




Por Sílvia Lisboa



Na primeira semana vivendo entre catadores, em um lixão de Fortaleza, João Joaquim de Melo Neto Segundo soube que dali em diante todas as suas escolhas estariam ligadas àquela iniciação radical. O seminarista de 18 anos havia há pouco deixado a casa dos pais em Belém do Pará e aceitara com um misto de resignação e civismo a missão a ele incumbida por Dom Aloísio Lorscheider, o cardeal da época, de viver em uma favela. Em 36 semanas dormindo em um barraco, sempre inebriado com o forte cheiro de comida putrefata, Joaquim viu o homem perder a distinção da espécie. Ali, onde ser humano, animal e lixo eram um só, decidiu que dedicaria sua vida para debelar a pobreza.

Anos mais tarde, já formado em Teologia, essa escolha feita quando ainda adolescente o levou a renunciar à vida eclesiástica poucos meses antes de ser ordenado padre. Para a maioria dos celibatários, a ajuda aos desvalidos era parte do ofício de um religioso. Mas, para Joaquim, era a própria religião. Como sacerdote, pensou, teria de melhor dividir as horas dedicadas às missas e confissões no Conjunto Palmeiras – local onde morava desde que deixara o lixão, um bairro em que 25.000 pessoas viviam sem água encanada, luz elétrica e rede de esgoto. Optou por dedicar todo o seu tempo de leigo para mudar a realidade do conjunto, que acabou se transformando na sua própria casa. A tarefa no Palmeiras, também confiada por Dom Aloísio, era ajudar os moradores a alcançar as mínimas condições de sobrevivência.

"Eles precisavam se organizar para lutar, para conseguir o que eles não tinham, e eles não tinham nada. Mas, sem ajuda, pessoas nessas condições não conseguem se unir. Então, comecei o trabalho organizando o movimento chamado ‘Habitando o Inabitável’’’, conta ele, que deixou a confortável casa dos pais para ingressar no seminário.

A experiência no Conjunto Palmeiras, que culminou na criação do primeiro banco comunitário do Brasil, era o motivo da sua presença no Fórum Social Mundial (FSM) 2010, em Porto Alegre, naquela manhã abafada de quarta-feira. Joaquim usava jeans e uma camisa social bordô, presa na cintura por um cinto preto largo que franzia as calças e expunha uma magreza mantida aparentemente sem sacrifícios. Era o único entre os palestrantes do provocativo painel “Economia e Gratuidade” que tinha um testemunho prático a dar. O recifense de 47 anos começou a falar da criação do Banco Palmas no púlpito, como os colegas de bancada. Mas logo desceu do palco improvisado em um dos galpões do cais do porto da capital gaúcha. Sentia-se melhor estando na mesma altura de plateia, hábito adquirido nos tempos em que evangelizava nas favelas. Sua fala, porém, não guardava qualquer semelhança com os sermões monocórdios dos padres. Tampouco o conteúdo.

"Para criar uma comunidade cooperativa é preciso enfrentar a força de uma sociedade baseada no ódio e na competição, reforçada pelo Big Brother. Todo dia eu ligo a televisão e escuto a frase: ‘Quem você vai eliminar hoje?’ São 24 pessoas dentro de uma casa tentando eliminar o outro", disse e sorriu, satisfeito de ver risos e cabeças balançando em aprovação na plateia.

No Conjunto Palmeira, sede do Banco Palmas, Joaquim instituiu uma lógica oposta à do Big Brother. Era final dos anos 80, quando fundou a primeira associação de bairro da comunidade. Conseguiu conscientizar as pessoas de que era preciso união e espírito colaborativo para melhorar as condições de vida. Ao longo de uma década, graças a passeatas e movimentos de pressão organizados por ele, o conjunto habitacional ganhou luz, saneamento básico, um posto de saúde, creche, uma praça e asfalto. Na metade da década de 90, transformara-se em um bairro urbanizado. Mas algo permanecia preocupantemente imutável. Seus moradores continuavam pobres. O progresso criou um paradoxo: a própria comunidade que se orgulhava da inscrição no centro da praça “Deus criou o mundo, e nós construímos o Conjunto Palmeiras”não tinha condições de pagar o IPTU. Enquanto muitos partiam em debandada, Joaquim saía pelas ruas do bairro questionando: “Perguntava para todo mundo por que éramos pobres. Em geral, todos diziam a mesma coisa: porque não temos dinheiro. Mas essa resposta era tão óbvia que não podia ser verdade”.

E não era, ele logo descobriu. Um levantamento do consumo no bairro, capitaneado por ele, mostrou que os moradores gastavam, por mês, R$ 1,2 milhão em compras de alimentos, roupas e produtos de limpeza. Um montante nada desprezível considerando a renda rarefeita que ali circulava. O problema era onde ia parar todo esse dinheiro. A resposta era a chave para entender a penúria do Palmeira: cada centavo gasto acabava na mão de grandes supermercados ou em shoppings, onde em geral as pessoas fazem suas compras. Ou seja, a comunidade era pobre porque perdia todo o dinheiro suado do final do mês, concluiu.

Em janeiro de 1998, Joaquim juntou R$ 2 mil e criou o Banco Palmas. Criar um banco era a única forma de fomentar o empreendedorismo e estancar a sangria de divisas, pensou o líder comunitário, debruçado sobre livros de economia solidária de Paul Singer, o secretário de Lula. O Palmas nasceu baseado na máxima de que não há desenvolvimento sustentável que não seja endógeno. “Era preciso quebrar a lógica da competição em que um ganha e o outro perde. Era preciso reorganizar o território para que ele se tornasse colaborativo” explicou, em tom professoral e cadenciado, durante a entrevista às margens do Rio Guaíba.

A nova filosofia exigiu a criação de um mapa de produção do Palmeira que mostrava as chances de um negócio prosperar sem prejudicar ninguém ao redor. Cruzando os dois mapas, o da produção e o do consumo, Joaquim conseguia avaliar “se a tapioca da Dona Maria tinha chances de sucesso”. Em caso positivo, Dona Maria estava autorizada a pegar um empréstimo do banco sem precisar apresentar garantias. A operação se tornava pública quase que instantaneamente. Seu nome ia parar no site do banco. "Nada melhor do que o vizinho para dizer se a Dona Maria que quer montar uma banca de tapioca sabe fazer tapioca mesmo", exemplificou.

O banco do teólogo, que se auto-intitula um sócio-economista popular, deu tão certo que hoje o Palmeiras abriga 240 pequenos negócios. Joaquim calcula que cerca de 30% dos R$ 1,2 milhão antes gastos fora das fronteiras do bairro circulam agora dentro do conjunto. Mesmo aqueles que não querem investir em um negócio próprio são estimulados a comprar das empresas do bairro. E com vantagens. Quem compra na Palma Fashion, a grife da camisa bordô que Joaquim vestia na palestra do FSM, ganha 5% de desconto com o Palma Card, o cartão de crédito local. Dentro do bairro, os reais perdem espaço para os “palmas”, a moeda caseira criada para garantir o PIB da comunidade. “Os palmas são aceitos em todo o comércio do bairro e não saem dali. É a forma de o dinheiro não fugir do bairro”, descreve Joaquim, destacando com a mão esquerda a etiqueta com inscrição “Palma Fashion” da camisa.

A fórmula bem-sucedida do Banco Palmas está hoje replicada em 51 bancos comunitários brasileiros, presentes em nove estados. Joaquim quer criar 1 mil até final de 2012 e agora luta pela aprovação de uma lei em tramitação no Congresso, que estabelece o marco legal dos bancos comunitários. Hoje, esse tipo de instituição opera à margem do sistema bancário oficial e não pode realizar operações básicas, como manter uma poupança. Apesar da demora em aprovar a lei, a experiência dos bancos comunitários brasileiros inspiraram a criação de iniciativas semelhantes na Venezuela, no Equador e em países africanos. A cada seis meses, Joaquim viaja a Caracas para dar consultoria aos venezuelanos envolvidos com a gestão de 3,6 mil bancos populares, que representam 64 vezes mais que o número do país que serve de inspiração.

Depois da palestra do FSM, Joaquim não teria tempo para dar entrevistas. Havia se comprometido em chegar ainda na noite de quarta-feira a Fortaleza para ajudar a estudante americana que está fazendo um mestrado sobre o Banco Palmas. A aluna da Universidade de Columbia saiu da gélida Nova York para a calorenta Fortaleza disposta a avaliar o impacto social e econômico do banco comunitário. A conclusão do estudo pode ser decisiva para aumentar o interesse de investidores nos bancos, que, apesar da sua lógica outsider, dependem de um capital para deslanchar. Nesse momento, a explicação do recifense se torna semelhante a um discurso que poderia levá-lo ao Fórum de Davos. “Nós precisamos que as empresas do Palmeiras invistam em tecnologia e inovação. Hoje o que temos é muito artesanal. É preciso criar escala e investir em métodos ambientalmente responsáveis que aumentem o valor agregado dos nossos produtos”, disse, respondendo à pergunta sobre o que faltava no desenvolvimento do bairro.

Apesar do sucesso do Banco Palmas – que já lhe rendeu a indicação para o prêmio de Transformadores, na categoria Desprendimento, da revista Trip, e a indicação ao Prêmio Empreendedor Social 2009, do jornal Folha de S.Paulo –, Joaquim não deu a pobreza por vencida. A renúncia ao celibato foi a primeira de uma série de sacrifícios em prol da causa. A outra é a opção de não ter filhos. O esforço para subverter a lógica da competição “é tão grande”, explica, que seria “mais responsável não procriar”. Do casamento, porém, não abriu mão. Mas tudo indica que não foi preciso investir muito esforço na conquista.

As duas mulheres da sua vida são moradoras do Palmeira e tão envolvidas com a comunidade como ele. A primeira presidia a associação de moradores do bairro antes de se engajar no movimento feminista que a fez trocar Fortaleza pela Europa. A segunda e atual é Sandra Magalhães, 38 anos, coordenadora de Relações Institucionais do Banco Palmas, criada no Palmeira, a quem Joaquim chama carinhosamente de “minha baiana transgênica”, referindo-se ao penteado rastafári com fitas coloridas que a mulher exibe no cabelo. A rotina de viagens de Sandra é tão intensa como a do marido. Esse é um dos motivos que ela aceitou, sem grandes dramas, abrir mão da maternidade. Quando questionado sobre as dificuldades de manter a palavra, o marido responde: "Nosso filho é a humanidade".

E a ajuda a ela, sua religião.

Grafite de rua vira peça de colecionador

As placas de metal pintadas pelo grafiteiro Onesto, que protegiam um terreno baldio em um muro na rua da Consolação, agora decoram um galpão do empresário David Chammas, 60 anos.

Eduardo Knapp\Folha Imagem
David Chammas coleciona peças de rua grafitadas
David Chammas coleciona peças de rua grafitadas

Dono de uma coleção de cerca de 150 obras de arte, com telas de pintores como Anita Malfatti e Aldemir Martins, Chammas tem garimpado pelas ruas da cidade peças grafitadas para incluir em seu acervo pessoal. Já tem 15 tapumes resgatados do lixo ou comprados por "alguns trocados" em obras do centro. O empresário não está só nessa empreitada. A badalação em torno do grafite paulistano e a promessa de valorização desses artistas no mercado da arte provocou uma espécie de corrida aos muros da cidade.

Os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo --Osgêmeos, a mais bem sucedida dupla da arte urbana nacional-- são os principais alvos e têm reclamado, a pessoas do meio, do aparecimento de buracos em paredes grafitadas por eles.

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) e o Brasil

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) e o Brasil


Escrito por Daniel Chutorianscy

O Acidente Vascular Cerebral no Brasil não é causa grave para Saúde Pública, e sim Segurança Nacional.

No Brasil, morrem por ano 250.000 pessoas de Acidente Vascular Cerebral (AVC) - ou "derrame". Quem sabia isso? E ainda mais, milhões de brasileiros ficam seqüelados, tornando-se "invisíveis" para a sociedade. Ninguém sabe, ninguém viu....

É a maior causa de mortes no país, superando infartos, câncer, acidentes de trânsito. Esses dados são fornecidos pelo canal oficial de informações do governo, a TV Globo (novembro 2009, "Bom Dia Brasil"). Talvez seja muito mais. Quem sabe?

A cifra de 250.000 é um número assustador, corresponde ao tamanho das guerras e tragédias como furações ou "tsunamis". E ninguém sabe nada disso... Perguntamos: como é que pode, nenhuma informação ou prevenção?

Para os governos atuais ou do passado, trata-se do fenômeno da "invisibilidade", não vê, não existe, não toma nenhuma medida e deixa rolar.

Certamente existe uma vinculação imediata do AVC com as indústrias de fumo, álcool, drogas (lícitas ou ilícitas), alimentação (o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, o transgênico tomou conta do mercado do consumidor brasileiro), baixíssimos salários, hipertensão, diabetes e o "tigre nosso de cada dia" que é o estresse de enfrentar essa realidade alienadamente, uma espécie de "AVCerização" social. Um sistema de saúde (saúde?) moribundo, com a mídia propagando aos quatro ventos o consumo de bens pouco duráveis, repetindo a "invisibilidade" com o mesmo bordão: "não vê, não existe... e deixa rolar". A doença não traz lucros institucionais.

O acidente vascular cerebral é uma interrupção do circuito cerebral. Pode ser de dois tipos: isquêmico (85% dos casos) e hemorrágico (15% dos casos). Saiba você que até quatro horas após um incidente de AVC isquêmico, pode-se usar medicamento específico (o trombolitico alteplase), cuja performance é de 50% de melhoras, não deixando seqüelas.

Tal medicamento existe no Brasil, aprovado seu uso em protocolos do Ministério da Saúde. Você sabia? Não. É somente usado em alguns poucos hospitais particulares, a preço muito alto.

Milhares de vidas podem ser salvas, milhares de pessoas podem dispensar a "invisibilidade ou AVCerização social", mas a que preço?

Investir na doença ou na saúde? A opção pela saúde implica em remover a "AVCerização social" e começar a nos mexer. "Ninguém quer adoecer ou morrer", "ter saúde é o principal".

Forcemos, já que é nosso direito, as campanhas nacionais de informação e prevenção, inclusive o diagnóstico rápido, os hospitais do SUS e conveniados, bem como os particulares, a ter o medicamento adequado; organizemos grupos nas unidades de saúde de pacientes avecerizados e seus familiares, repetindo o modelo dos grupos de hipertensos, diabéticos etc.; revisemos os critérios de aposentadoria para pacientes com AVC; forcemos o governo e o Ministério da Saúde a "verem" o que não querem "ver".

Temos certeza absoluta de que, quando conseguirmos detonar essa campanha, o país inteiro cobrará as medidas, em vez do "avecê social", teremos um verdadeiro "pulando a cerca" de saúde, cidadania, solidariedade e justiça. "Pular a cerca" é dar visibilidade, não é a sacanagem habitual, aquela do fenômeno da invisibilidade "não vê, não existe...".

Daniel Chutorianscy é médico, teve um AVC cerca de um ano atrás, não se manteve "invisível", voltou a trabalhar com algumas seqüelas, não fez uso, lamentavelmente, do alteplase, fundou o Grupo AVC-PULANDO A CERCA em agosto de 2009, que, neste pequeno período de tempo, continuou brigando pela Saúde, e "pulando a cerca" pela visibilidade, pela justiça e contra a "avecerização" social. Que o AVC, ou derrame, não mais seja um "derrame" de alienações e engodos. Exigimos Saúde, Educação, Justiça como instâncias primeiras.

Daniel Chutorianscy é médico. CRM: 52-27646-7

Curso Desenvolvimento e Gestão Cultural

O Programa Pensar e Agir com a Cultura e a Fundação Clóvis Salgado promovem, no período entre 9 de março e 26 de junho, a 8ª edição do curso gratuito de capacitação de gestores e agentes culturais “Desenvolvimento e Gestão Cultural 2010”. Os interessados tem até o dia 2 de março para se inscrever por meio do site http://www.pensareagircomacultura.com.br

Os alunos que forem selecionados terão aulas práticas e teóricas que irão capacitá-los para a construção de projetos, programas e políticas culturais comprometidos com o desenvolvimento local e microrregional. O curso será ministrado na Sala de Educação Continuada do Palácio das Artes, às terças e quintas das 19h às 22h30 e Sábados (13/3; 24/4 e 19/06) das 9h às 17h30.

Desenvolvimento e Gestão Cultural 2010: Histórico

Há sete anos o programa Pensar e agir com a Cultura articula ações de formação e informação nas áreas da gestão e da diversidade cultural. Nesse período, foram capacitados para o trabalho efetivo, criativo e transformador com a cultura em sua diversidade, centenas de gestores e agentes culturais, artistas, arte-educadores, pesquisadores e pessoas que atuam em circuitos formais e informais de cultura, educação e comunicação.

Entre as formas de intervenção do Programa Pensar e Agir com a Cultura, está o Curso Desenvolvimento e Gestão Cultural. Sua primeira edição aconteceu em 2003 e, desde então, esteve presente em mais de 35 cidades-pólo de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. É um curso livre, estruturado em sete módulos conceituais, duas imersões criativas e três laboratórios práticos.

Informações:
Tel:(31) 3463-3141
e-mail: info@pensareagircomacultura.com.br

Feira de Vinil


Carolina Braga / Guarani FM

Carolina Braga


A única fábrica de Vinil em operação na America Latina está com produção super ativa. É a Polysom. Foi desativada em 2007, voltou a operar no início deste ano e está pronta para atender a demanda de todos os selos e gravadoras do Brasil.

Ou seja ... vai ter fila porque agora é super cult fazer e ter vinil. Os primeiros que saem do forno no momento retomada são Onde brilhem os olhos seus, de Fernanda Takai, Chiaroscuro de Pitty, Fome de tudo de Nação Zumbi e Cinema, dos gaúchos do Cachorro Grande.

A previsão é de que os LPs já estejam disponíveis para venda em março.

E falando em Vinil a Discoteca Pública promove no próximo dia 6 de março a Décima Terceira Feira do Vinl e CDs independentes ... nessa dá para achar o que é raro.

13º Feira do Vinil e CDs Independentes

Data – 06 de Março de 2010 – Sábado

Horário – 10H às 18H

Entrada Franca

Local – Rua Machado, 207 – Floresta

Próximo ao Colégio Batista – Ônibus – 8107

Contato (31) 3036-2919

Tropa Sagaz: quem disse que rap é coisa (só) de menino?…



divulgacao

O Gente é pra brilhar deste domingo conversou com Silvia Santana, a Sil Kaiala, integrante do grupo feminino de rap Tropa Sagaz. O grupo, formado por quatro mulheres, moradoras de Brotas, Narandiba e Tancredo Neves, considerados bairros desfavorecidos de Salvador, está na ativa desde o ano passado e vem garantindo o seu espaço no Movimento Hip Hop baiano. São mulheres que optaram por reivindicar e compartilhar com a sociedade, as suas ideias através do rap, usando as rimas, o compasso e dinâmica, próprios do som, importado dos negros americanos. Confira a entrevista com Sil Kaiala, além das fotos do Tropa Sagaz – “uma flor de quatro pétalas no solo da favela”.

Como e quando surgiu o Tropa Sagaz? Todas vocês já faziam parte do Movimento Hip Hop?

O Grupo surgiu em 29 de março de 2009. Decidimos formar o grupo através de uma conversa que tivemos. Na verdade foi uma ideia que surgiu em uma reunião da Família STN (um clã composto por vários grupos de rap de Salvador). Mc Nana fazia parte do Grupo Fase Ideológica (grupo de rap do bairro de Narandiba); Mc Nete é esposa de um dos integrantes do Fase Ideológica, ela fazia participações no grupo juntamente com a Nana; Yaiá Reis canta no grupo de rap Ilusão Obscura e eu, que cantava em um grupo de rap feminino chamado Hera Negra. Bom, em um evento que ocorreu no Bairro de Sussuarana, eu e Yaiá cantamos com Mc Nete e Mc Nana. Vendo o que aconteceu, decidimos em uma reunião, nos juntarmos e formarmos o Tropa Sagaz.

tropa_sil

Eu – Sil Kaiala – faço parte do Movimento Hip Hop há 10 anos. Cantava com o grupo Hera Negra, formado só por mulheres, era membro da Possi Orí (que hoje é a rede Aiyê), e do Movimento as “Maloqueiras” (composto pelas mulheres da rede Aiyê). Mc Nana nunca fez parte do Movimento Hip Hop, ela só cantava no Fase Ideológica, só veio conhecer mais do Movimento através do Tropa Sagaz; Mc Nete também não conhecia nada do Movimento Hip Hop, só fez participação no Fase Ideológica; Yaiá Reis conheceu o Movimento Hip Hop há três anos por fazer parte do CRIA (uma ONG que trabalha com adolescentes). Lá ela conheceu pessoas que eram envolvidas com o Movimento, mas não fez parte. Começou a cantar Rap naquele mesmo ano com seus amigos da ONG, depois daí se engajou e hoje está no TROPA SAGAZ.

Por que um grupo só de mulheres?

Bom, primeiro, porque amamos cantar, cantar e cantar rap. Segundo, porque aqui em Salvador não se vê mais grupos de rap feminino, e é muito bom poder representar as mulheres. Alguns grupos de rap, convencionalmente, não falam das mulheres como tem que ser falado. Falam de uma forma reversa, comparando com objetos e relacionando sempre ao sexo e não estamos aqui para aceitar esse tipo de coisa.

Vocês dizem que são da periferia, de onde exatamente? É de onde vocês moram que vem a inspiração para as letras das músicas?

(risos) Somos sim da periferia de Salvador, eu moro em Brotas, mas não é na área nobre (risos), Mc Nete e Nana moram em Narandiba e Yaiá Reis mora em Tancredo neves. As inspirações vêm de tudo que vivemos e passamos. Tanto da periferia, pelas coisas que ouvimos e vemos e também pelas coisas que sentimos.

integrantes

Quais as principais críticas que vocês fazem ao Estado, nas letras?

Ah são tantas coisas. O descaso e a falta de respeito com nosso povo, falta de oportunidade.. Não nos queixamos pelo que temos, mas sim pelos que nos é negado! Não queremos migalhas do Estado e sim nossos direitos.

E a Tropa Sagaz, está sobrevivendo bem no mercado da música em Salvador, que é abafado pelo axé music? Onde vocês fazem show?

Sobrevivendo não, paralelamente ao que fazemos temos as nossas correrias. Não dá pra viver de rap aqui em Salvador. Quem dera que o mercado da música olhasse também para esse estilo musical. Bom, tocamos em vários lugares, é mais comum tocarmos em bairros do que em casa de show. Fizemos alguns sons no Pelourinho e também em São Paulo.

A Tropa Sagaz tem CD gravado? Onde pode ser encontrado?

Ainda não, estamos providenciando isso para 2010.

Qual a maior vantagem do grupo ser totalmente feminino? Existe algum ponto negativo nisso? Sofrem algum preconceito?

Não diríamos vantagem, mas é sempre novo e diferente ver mulheres reunidas na militância do rap. O que há de bom nisso é a curiosidade que despertamos nas pessoas… Todos parecem muito interessados em conhecer o tal grupo de mulheres que cantam rap, até as pessoas que não são do Movimento Hip Hop se interessam em conhecer nosso trabalho. Existe, sim, o preconceito que é fruto do machismo. Muitos homens, antes de nos ver em ação, fazem algumas piadinhas sem graça, mas isso tiramos de letra!

cantando

Vocês gravaram a música “Chuva de Ideias” em São Paulo, com outros grupos de rap. Então o alcance da Tropa Sagaz já ultrapassou os limites de Salvador?

Foi uma experiência maravilhosa para o Tropa, saber que o pessoal de Sampa curtiu o nosso som é muito bom. Ainda não saímos de Salvador. São Paulo foi o primeiro lugar que fomos, mas, com a fé em Jah, vamos sim ultrapassar esse limite que tanto queremos.

Quais as metas do grupo?

Gravar o nosso CD e expandir nosso trabalho.

Todas têm trabalhos paralelos ou vivem exclusivamente do grupo?

Dizer que vivemos do rap é utopia, temos trabalhos paralelos, como citamos, não dá para viver de rap aqui em Salvador. Quem dera (risos).

“Uma flor de quatro pétalas no solo da favela” é como vocês se definem. Qual a mensagem que o grupo quer passar com essa frase?

Queremos dizer que em meio a tanta sujeira, tanta desordem e descaso nas nossas periferias, nós existimos e resistimos. Queremos expor a beleza que existe no olhar de um povo sofredor, no sorriso de uma criança, na garra e coragem das mulheres de fibra que a cada dia vem conquistando seu espaço. Nós estamos aqui e queremos ser vistas, escutadas e sentidas.

Caso queira falar sobre algum assunto que não foi abordado acima, fique à vontade.

Na verdade não quero falar de nenhum assunto, mas mandar um Salve para todos e todas que fazem o Hip Hop crescer aqui na Bahia, e para a galera que apoia o TROPA SAGAZ e que curte nosso som: Com o discurso afiado e a voz firme, somos uma Tropa com atitude Sagaz!”

(*) Entrevista publicada originalmente em À queima roupa – jornalismo com segurança.

100 anos de Historia de Luta pela Igualdade


Nos 100 anos desde a instituição desta data, muitas lutas e muitas histórias como as que lhe deram origem se sucederam em todo o mundo.

Por Abgail Pereira*

Gerações de mulheres combateram a opressão capitalista e a discriminação de gênero, muitas vezes sob as mais violentas formas de repressão, obtendo conquistas de grande vulto, que mudaram radicalmente o papel desempenhado pela mulher na sociedade na busca da superação dos conceitos históricos de inferioridade e submissão ao homem, ao mesmo tempo em que abriram caminho para a compreensão das causas da opressão de gênero.

No Brasil, as mulheres têm uma trajetória não menos vitoriosa. Conquistaram o direito ao voto, estão no mercado de trabalho, lutaram pela democracia nos longos anos da ditadura militar, lutaram pelos direitos humanos, combateram a violência de gênero, o desemprego e a precarização do modelo neoliberal . Foram às ruas e às urnas exigir a igualdade na lei e na vida.

Neste trajeto, inúmeras conquistas foram alcançadas, com destaques para a ampliação da licença maternidade, a proibição da discriminação sexual no trabalho, o direito a posse da terra em nome da mulher rural, a lei Maria da Penha para fazer frente à violência doméstica, e a reforma no Código Civil, para citar as de maior impacto.

No entanto, apesar do crescimento da inserção no mercado de trabalho e a elevação do nível de escolaridade, a desigualdade salarial, a dupla jornada, o assédio moral e sexual e a violência e opressão ainda são fatores marcantes na vida das mulheres, demonstrando a necessidade de crescer na organização e mobilização para continuar a luta contra a discriminação de gênero e de classe.

A Secretaria da Mulher da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) marcará os 100 anos do Dia Internacional da Mulher com a divulgação da Campanha aprovada no 2º Congresso da Central, que contempla as principais reivindicações das trabalhadoras: Igualdade Salarial e de Oportunidades, Creches Públicas, a Licença Maternidade de 180 dias para todas as trabalhadoras, obrigatória e não facultativa bem como a aplicação imediata da Lei Maria da Penha e do Plano Nacional de Direitos Humanos, como instrumentos de combate à violência contra a mulher. Ao mesmo tempo, mobilizará as trabalhadoras para a luta em defesa da Redução da Jornada de Trabalho, da Reforma Agrária e do Fim do Fator Previdenciário.

Merece destaque o fato de que o Dia Internacional da Mulher, proposto por Clara Zetkin, em 1910, foi instituído dentro da perspectiva da luta pela construção do socialismo. Hoje, passados cem anos, essa perspectiva continua viva, no coração e nas mentes das mulheres que buscam a igualdade. Por isso, também mobilizaremos as trabalhadoras, para que nas eleições gerais deste ano se posicionem firmemente em defesa da continuidade das mudanças, na busca de um projeto de desenvolvimento nacional que tenha como perspectiva a consolidação da democracia, impedindo qualquer tentativa de retrocesso neoliberal da direita, bem como com vistas à ampliação da representatividade política das mulheres.

Queremos seguir, juntos, a luta de homens e mulheres que combatem o sistema capitalista e buscam a construção de um novo modelo econômico, político e social, um mundo sem fome, sem miséria, sem excluídos, sem opressão, porque temos a firme convicção de que a perspectiva da igualdade social é a principal luta do Movimento Emancipacionista Feminino!

Viva o 8 de março e as mulheres de todas as gerações na luta por um novo mundo, de igualdade!

*Abgail Pereira é Secretária da Mulher da CTB

TRÁFICO EM GUERRA CONTRA O CRACK


(Archimedes Marques)

Crack e desgraça são indissociáveis e quase palavras sinônimas. Relatos dos seus usuários e familiares, fatos policias diários e opiniões de especialistas sobre os efeitos e as conseqüências funestas da droga podem ser resumidos em três palavras tão básicas quanto contundentes: sofrimento, degradação e morte.

A composição química do crack é simplesmente horripilante e estarrecedora. A partir da pasta base das folhas da coca acrescentam-se outros produtos altamente nocivos a qualquer ser vivo, tais como o ácido sulfúrico, querosene, gasolina ou solvente e a cal virgem, que ao serem processados e misturados se transforma numa pasta endurecida homogênea de cor branco caramelizada onde se concentra mais ou menos 50% de cocaína, ou seja, meio à meio cocaína com os outros produtos citados.

O seu usuário pode ter convulsão e como conseqüência desse fato, pode levá-lo a uma parada respiratória, coma ou parada cardíaca. Além disso, para o debilitado e esquelético sobrevivente seu declínio físico é devastador, como infarto, dano cerebral, doença hepática e pulmonar, hipertensão, acidente vascular cerebral (AVC), câncer de garganta, além da perda dos seus dentes, pois o ácido sulfúrico que faz parte da composição química do crack assim trata de furar, corroer e destruir a sua dentição.

O crack é tão perigoso quanto degradante e mortal que até o próprio traficante dele não faz uso e agora já começa a repensar o seu comercio.

Recentemente o jornalista e cientista político SEGADAS VIANA, escreveu sobre a questão de um ponto do tráfico do Rio de Janeiro estar fazendo campanha contra o crack. São trechos básicos da matéria jornalística denominada Tráfico veta copinho pra acabar com crackudo vacilão: “Salve um crackudo... Rasgue o copo”. As palavras, escritas em um cartaz ao lado da foto de três jovens fumando crack e da imagem de um copo de plástico, fazem parte de uma campanha para tentar dificultar o uso da droga. Como os usuários preferencialmente utilizam copinhos de guaraná natural, a idéia é convencer os fãs da bebida a rasgá-los antes de jogá-los fora.

Mais inusitado que a campanha é o local em que ela tem sido feita: o cartaz foi encontrado durante uma incursão policial no Morro do Pavão, em Copacabana, na zona sul do Rio. Ele estava colado em uma das bocas-de-fumo controladas por traficantes ligados à facção criminosa Comando Vermelho (CV), na principal entrada da favela.

Mas o cartaz não é a única bandeira na tentativa de desestimular o uso do crack. Um funk batizado como “Crackudo vacilão” tem sido tocado insistentemente nos bailes realizados nos morros e favelas.

Em outra matéria jornalística, desta feita no Rio Grande do Sul, publicada no Jornal Zero Hora, dia 19/11/2009, o jornalista HUMBERTO TREZZI assim discorreu em parágrafo basilar do seu artigo denominado Traficantes vetam crack em Santa Cruz: “A quadrilha que domina a venda de drogas no bairro mais populoso de Santa Cruz do Sul decretou: não vai vender mais crack. Além disso, anunciou “represálias severas” a quem comercializar a droga na sua área de atuação... venderão os estoques. Depois, vai vigorar a pena do submundo contra quem violar a regra – que pode incluir morte.”

Tais campanhas denotam a preocupação dos traficantes quanto a perda substancial da sua clientela que logo morre em decorrência da ação devastadora da droga, ou seja, o tráfico está perdendo mercado porque um dos seus produtos está matando mais rápido os seus próprios clientes, daí a motivação desta suposta boa ação que estão a praticar para a sociedade.

É fato realmente inusitado: traficantes em campanha e em início de batalha mortal não pela disputa de território, mas pela tentativa desesperada de conter o avanço dos malefícios do crack que muitos grupos teimam em reproduzir.

Assim, nesta nova modalidade de guerra do tráfico de drogas, que pode ser batizada de guerra do crack, vez que supostamente o comando vermelho já tomou partido, pode haver o aumento da dissidência neste comércio e como conseqüência, uma grande quantidade de mortes.

Autor: Archimedes Marques (delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela UFS) - archimedes-marques@bol.com.br -

As Causas da Criminalidade


Pedro Mundim
http://www.pedromundim.net

As causas do fenômeno da criminalidade são variadas e complexas - não podem ser, sequer, apontadas com exatidão, muito menos eliminadas.

A desigualdade social pode favorecer alguns tipos de crime, mas mesmo se eliminada, ainda sobrariam mil outros motivos para se cometer crimes. Embora a associação entre miséria e banditismo, no Brasil, seja notória, eu jamais ouvi falar de um chefão de tráfico da favela que tenha começado sua vida como criança de rua. Crianças de rua se tornam, no máximo, trombadinhas. O perfil do criminoso profissional é outro: em geral é pobre, mas não miserável, e soube adaptar-se bem ao meio marginal onde se criou, explorando as oportunidades de ganho. Não se trata de um chefe de família desempregado que torna-se bandido para matar a fome da família - esse criminoso ocasional até existe, mas nunca é de alta periculosidade, é alguém que vai, no máximo, assaltar um botequim ou padaria, e quase sempre se dar mal na empreitada, já que não tem experiência. O verdadeiro criminoso profissional entra para o crime simplesmente porque compensa, uma vez que são altos tanto os ganhos quanto as chances de impunidade - ainda que ele vá preso, ele sabe que ficará pouco tempo atrás das grades.

Penso que a relação entre pobreza e crime é indireta: comunidades pobres tendem a ser desorganizadas e abandonadas pela polícia, daí que indivíduos neste meio que decidam se tornar criminosos encontrem pouca resistência, ao contrário do que acontece nos bairros da classe média, onde um garoto que furta para comprar drogas tem a desaprovação de seus pais e de seus colegas, e se um vizinho o vir furtando o rádio de um carro, não terá receio de chamar a polícia.

O fenômeno do crime não tem uma solução cartesiana, tipo eliminada a causa, desaparece a conseqüência. O crime não pode ser nunca eliminado, pode no máximo ser mantido a níveis toleráveis. A mudança do regime político do capitalismo para o socialismo apenas muda o perfil do criminoso: de fato, em um país como Cuba de nada adianta roubar um vizinho que não tem nada de valor em casa, muito menos seqüestrá-lo se ninguém de sua família tem dinheiro para pagar o resgate. O crime nos países socialista é de outro tipo: uma vez que, por definição, só se pode roubar quem possui algo, e sob o comunismo apenas o Estado é proprietário, então todos roubam o Estado: operários desviam das fábricas, funcionários das lojas desviam dos estoques, médicos desviam dos hospitais e tudo vai parar no mercado negro, onde é vendido por dólares. Quando o comunismo acaba, toda essa podriqueira vem à luz e explode como um tumor espalhando pus para todos os lados: é por isso que todo ex-país comunista torna-se paraíso das máfias (vide a ex-URSS). Vocês acreditam que todas essas quadrilhas surgiram da noite para o dia em que o capitalismo voltou? Ora, existe leite em pó instantâneo, mas não existe máfia instantânea. Essa quadrilhas com certeza existiam desde muito antes, comandadas pelos burocratas do regime. Não me admira isso. Os socialistas começam dizendo que é lícito roubar, pois se trata de "expropriação". O que se pode esperar de um regime que justifica o roubo, senão, a gestação de um país de bandidos?

Penso que a legitimidade da propriedade privada é o ponto fundamental do combate ao crime, e não apenas dos crimes contra o patrimônio.

Os Novos Campos de Concentração na Forma de Favelas


As favelas se apresentam como campos de concentração, pois seus moradores são despojados de seus direitos enquanto cidadãos e despojados de sua condição de humanso. Assim como no passado, tudo acontece com a prática, conivência e omissão daqueles que estão no poder.

Quando vemos imagens ou relatos de pessoas que passaram pelos campos de concentração, de imediato nos indignamos diante de tal barbárie humana. Assim como fatos atuais, esses fatos já foram presentes e hoje são passados, no entanto, no auge do acontecido, na época a opinião pública foi isolada de qualquer informação sobre o que aconteceu, porém não podemos esquecer que tais atos tiveram a conivência por parte de alguns países e omissão de outros, pois havia interesses econômicos e políticos em jogo.O campo de concentração serviu não só como espaço de experiências científicas, mas principalmente como uma demonstração de superioridade de uma ideologia sobre uma parcela da população que não apresentava utilidade dentro de uma determinada concepção de sociedade traçada por grupos específicos.Diante de uma atual realidade política, econômica, social e cultural podemos perceber que pessoas são jogadas a residirem em favelas, a lutarem pela sobrevivência e são jogadas a própria sorte. São pessoas de origens diversas, de culturas diversas, de olhares diversos mais que possuem algo em comum, ou seja, o ato de sonharem. Assim como nos campos de concentração, aos poucos vão perdendo seus sonhos, e são colocadas nas câmaras de gases do vício das drogas, do desemprego, da falta de perspectivas na perda de identidade enquanto pessoas. São desassistidas pelo Estado, pois as políticas públicas fundamentais são repassadas de forma a não terem resultados positivos. Imaginemos a saúde, a segurança, o transporte e as demais políticas públicas que não existem nem de fato e nem de direito.Assim como no passado, os problemas das favelas são criados a partir de uma lógica de extermínio, só que de forma mais branda e lenta, para que não cause indignação imediata, logo as coisas são passadas de forma pensada para que se tenha uma imagem de naturalidade. Os grandes beneficiários do passado são justamente as grandes potências de hoje. E os beneficiários do presente, são justamente aqueles que almejam o poder. Pois ainda está em jogo os mesmos interesses do passado, porém de forma mais estratégica.Uma de suas principais estratégias é sempre ligarem drogas a favelados, enquanto seus reais beneficiários não são nem favelados e nem pobres. No futuro as autoridades atuais serão repugnadas e tidas como coniventes e omissas diante do extermínio em massa também de forma fria, cruel e desumana, porém lenta, com uma população que se aglomera em favelas, assim como fazemos hoje com as autoridades do passado com os campos de concentração, seus executores, aliados e omissos.

Hip Hop: Educação para Subversão


By Nelson Maca - Arquivo Blackitude

Nelson Maca · Salvador, BA

vereadores, prefeitos, deputados, governadores, ministros, presidente já deram as caras... ou as cartas.... já existem mcs, b.boys, djs e grafiteiros de carteira assinada, batendo ponto, saindo à luz do dia pro trabalho... concorrendo a prêmios de artista-operário padrão... já tem alunos de escolas de belas artes falando dos tais núcleos de graffiti.. djs em banda de bossa nova... b.boys na dança clássica... departamentos e lojas inteiras de hip hop... malhação com rap... ginásticas hip hop... já tem grafiteiro divulgando telefone nos trabalhos.... já tem b.boy em propaganda de cursinho pré-vestibular... já tem mc vendendo coca-cola... os djs se alastram como praga... muita roupa.... muitas fantasias... e haja fotos, zines, fotologs, sites, blogs, listas.... e haja artigos, ensaios, monografias, dissertações e teses... e livros... diante de tanta “luminosidade” de fora, eu pergunto: afinal, qual é a do hip hop? como manter sua luz própria? qual é a nossa? a legalidade ou a marginália? a realidade ou a lealdade? a subversão ou a moralidade? o muro ou o museu? as páginas ou as paredes? a praça ou o teatro? a boca ou o disco? as ruas ou as universidades? a sombra ou a luminosidade? o centro ou a quebrada? fazer tantas questões não significa que eu tenha tantas respostas. aliás, não tenho nenhuma... sei que existe um filme chamado “bomb the system” que deixa qualquer espectador intrigado, e emocionado. retrata a parceria de dois grafiteiros: um mais novo e o um bem mais velho; um branco e um preto; um fiel às ruas, à aventura; o outro com uma nova namorada, chamando-o para a “evolução” da arte. tudo situado no submundo urbano: ruas, festas, dinheiro, drogas, sprays roubados, esquadrão anti-vândalos, crimes, perseguições, peripécias e muita estética nas margens. tudo narrado por um terceiro personagem. um atento e leal aprendiz que se envolve até os ossos nessa arte sujeita a chuvas, dias de sol e trovoadas; tempestades e calmarias. este filme trágico-filosófico problematiza a discussão acerca da razão de ser do graffiti e do grafiteiro com destreza, espontaneidade e beleza. não dá para assisti-lo e sair ileso. quando terminam os 95 minutos de projeção, o espectador já não é o mesmo do começo. inevitavelmente, cresceu! e crescimento é uma palavra que, atrelada às palavras liberdade, beleza, verdade, rebelião e transgressão, sustentam a credibilidade do hip hop que comungo. no hip hop, ninguém deve sair como entrou. ou é isso, ou não é hip hop. porque o hip hop é revolução permanente. quando deixar de ser assim, será o início do fim. com o hip hop na moda, há muita sedução, alienação, engano, vaidade, traição, angústia, disputa. a verdade dos rebeldes tem que ser ecológica: divulgar, fortalecer e discutir criticamente a cultura hip hop como forma de evolução humana e impedir que o hip hop seja entregue aos saqueadores e/ou colonizadores da cultura de rua. mas não se deve esquecer do hip hop – muita política e pouco hip hop tem sido a tendência do movimento. ou, ao contrário, muitos artistas e poucos ativistas. como sempre: precisamos encontrar o equilíbrio. fazer mais do que preciosismo ego-centrado, ou ser mais que joguete nas mãos dos que não tem compromisso com a nossa tragédia urbana, o hip hop tem que proclamar a independência da arte e do artista: independência humana, política, étnica e estética. tem que promover o crescimento integral dos ativistas e simpatizantes. tem que contaminar os desatentos e enfrentar com consciência, convicção, altivez e firmeza os desafetos. não há outro caminho, na minha concepção, senão o caminho da rebeldia contra todas as formas de prisão que sempre tentam apagar, calar ou cooptar os rebelados. o rap, o break, o graffiti, o dj que se quer sério não pode obedecer uma confraria de manjadas comadres; mas, também, que não seja um balaio de gatos, misturando ratos e cachorros numa harmonia insustentável. como ouvi na minha adolescência, e passei a dizer para mim mesmo: os radicais não tem escolha. então, penso que não há concessões ou pretextos: hip hop é hip hop! hip hop é informação! hip hop é denúncia! hip hop é agressão! hip hop é transgressão! hip hop são vozes, linhas, movimentos e cores! hip hop são técnicas! hip hop é consciência! o hip hop que me interessa tem que ser mais que uma galeria de fotos e desenhos. mais que um sonzinho bom. mais que um corpo elástico ou mecânico. mais que riscos no vinil. mais que teses universitárias ou programas de televisão. tem que ser independente, para experimentar na forma e discutir a vida com profundidade e sem restrição alguma. tem que problematizar a cena, para que se diferencie o joio e o jogo. precisa debater as iniciativas governamentais, os contornos das nascentes profissões que o envolve e sua legalidade. saber dos falsos manos. precisa compreender a ação da academia enquanto faca de dois gumes. diferenciar o ativista em liberdade do carregador de bandeiras. diferençar a expressão vital e visceral e o sub-produto comercial baixo. precisa discutir os graffitis banidos da cidade pelos agentes governamentais que cobre as grafias de iniciativas não governamentais. da polícia que vê nos artistas de rua vândalos em potencial. da inflação dos vinis nacionais e sobre-taxação dos importados. do desprezo ao rap enquanto estética possível nas política culturais. o hip hop precisa indagar como projetos oficiais pretendem atingir as periferias mais periféricas, respeitando suas especificidades – longe das câmeras de televisão e do olhar dos ilustres turistas. a cultura hip hop em que acredito deve se perguntar a cada novo número: afinal, qual é a do hip hop? a legalidade ou a marginália? a realidade ou a lealdade? a subversão ou a moralidade? o muro ou o museu? as páginas ou as paredes? a praça ou o teatro? a boca ou o disco? as ruas ou as universidades? a sombra ou a luminosidade? o centro ou a quebrada? o hip hop, ao contrário de um problemático sincero como eu, deve sair de cima do muro, e arriscar algumas respostas...
e, antes que eu esqueça, declaro meu respeito e admiração por Sérgio Vaz, grafando-o, maiusculamente, com S de Sabedoria e V de Verdade, pois o hip hop de que falo e que acredito só é possível com Homens que tenham a estatura desse poeta – aliás, H de Humildade fecha a tríade de conceitos que define esse guerreiro da linha de frente da da cooperifa.

com respeito,
nelson maca (blackitude)

São Lourenço proíbe rap e funk no Carnaval



Decisão da Prefeitura foi tomada em conjunto com representantes da Segurança

Jéssica Balbino

“Que tempo bom, que não volta nunca mais (...)”, esse pequeno refrão é parte de uma música do Thaíde e DJ Hum. Para quem não sabe, a dupla ficou famosa nos anos 80 por lançarem o Rap - ritmo e poesia - no Brasil.

Saudade do tempo em que a ditadura ia por água abaixo, junto com a censura e era possível cantar os protestos e pregar a paz, o amor, a união e a diversão, incentivadas por Afrika Bambaataa, pai da cultura hip hop.

Entretanto, não é de hoje que a cultura feita nas ruas vem sendo depreciada e barrada em eventos, como aconteceu na Virada Cultural em 2008 quando o palco do “Baile Chique” foi colocado a quilômetros de distância das demais atividades e policiais, com a agressividade costumeira, revistavam os adeptos da cultura, tratando-os como bandidos.

A novidade fica por conta da decisão tomada pela prefeitura de São Lourenço, que proibiu, através de um decreto o rap e o funk no Carnaval.

Se eu quiser estar na cidade e dançar ao som de James Brown ou do rei do pop Michael Jackson não vou poder?! Ah ...porque eles fazem funk.

Quer dizer que eu, como jornalista e muitos de nós, escritores da nova geração contemporânea e referência nacional somos pessoas que incitamos a violência o desrespeito à autoridade?

Será mesmo? Porque sou adepta do hip hop e por conseguinte do rap ! Adoro o ritmo e as letras nacionais. De Racionais MC’s ao novo Emicida, passando por raps regionais como o do grupo UClanos e do Elemento.S da capital mineira.

Voltamos ao tempo da ditadura, da censura. Proibir determinado estilo porque querem resgatar o axé e as marcinhas? Não estou dizendo que uma música é melhor do que a outra, mas o decreto (absurdo) dita regras para a festa popular. Se é popular é feita pelo povo. Isso está claro e não deve ter restrições quanto ao estilo musical ou manifestação cultural.

Sim, porque o funk, seja o antigo ou o carioca, gostem ou não, são manifestações culturais. Crime ou cultura? O som dá medo...e prazer ! E isso está presente em teses de doutores, em livros de escritores urbanos e contemporâneos e sendo ensinado nas escolas, quer queiram, quer não.

Além da execução pública do rap e do funk pelos grupos que participam do Carnaval o decreto proíbe os estilos até mesmo em carros particulares que circulem pela área onde ocorre o Carnaval. Aaaah, dá licença. Não vou a São Lourenço, mas se vivesse na cidade, escutaria o que quisesse no carro, seja onde fosse. O carro é meu, o som também. O gosto então, nem entro nesse mérito. Qualquer pessoa tem o direito de ir e vir. Mais ainda de ouvir o que quiser onde quiser. Faça-me o favor. É Carnaval. É festa popular. É manifestação. Aliás, a maior do país.

Como assim eu não posso ouvir e dançar ao som do rap e do funk?! A notícia diz mais, que a decisão foi tomada pela Prefeitura em conjunto com o juiz do Juizado Especial, Ronaldo Ribas (parabéns, magistrado), representantes da Polícia Militar e do setor de turismo da cidade.

Segundo a notícia, a proibição tenta preservar uma festa baseada em seus ritmos originais.

Não por nada, mas o funk já se tornou um ritmo original no Brasil. O rap, a mesma coisa. Por que proibir? Por que incomoda tanto? Uma cidadezinha do interior mineiro pode calar alguns gatos pingados que vão para a estância curtir o Carnaval, mas não consegue calar o grito de protesto que emana dos becos, guetos e vielas de todo país, seja por meio da oralidade do rap, das batidas do funk ou da literatura marginal, que se utiliza destas e de outras armas, dadas por esta mesma comissão de segurança carnavalesca, para guerrear contra a humilhação, a repressão e a censura.

Conseguem calar, mesmo que brevemente, algumas pessoas em seus carros e em seus blocos de Carnaval, mas não vão parar a nossa mídia, o jornalismo e tampouco a literatura. Pensaram que não sabíamos ler e estamos escrevendo livros. Tomem conhecimento disso, elite. Escrevemos sobre rap, escrevemos sobre funk, nossa cultura o hip hop. Somos marginalizados mas não nos tornamos marginais. Temos sim, direito de trabalhar e exercer nossas profissões e ainda mais, de termos o que os outros estilos musicais têm. Temos o DIREITO de cantar a nossa música. No seu carro, no meu, no de quem quiser, QUALQUER pessoa tem o direito de ouvir o que bem entender ! Seja marcinha, MPB, funk, gospel, eletrônica, enfim, cada um tem um gosto!

É rídulo achar que vão acabar com a violência proibindo o rap e o funk. Por que não cuidam da violência, não olham para o que precisa ser visto. Sugiro que acabem com o BBB também, pois é violento contra minha inteligência. É depravação pura. É pior que o funk.

Sugiro ainda que a comissão de segurança que apresentou o projeto aprovado pelo prefeito cuide do tráfico de entorpecentes, que sim, gera a violência em todo país.

Valores contrários ao Carnaval?! O que seriam estes valores? Será que eles existem só nas músicas que cantam as mazelas do povo e que a elite quer calar. Sim, porque ambos estilos são gritos daqueles que sofrem na pele e no dia-a-dia o descaso e a violência incitada por gente que acredita que este tipo de ação vai resolver os problemas do país. E as marionetes (alienados, zé povinho) acham lindo !

O crime organizado existe justamente por que tem gente com a cabeça tão fraca que acha que proibindo determinados tipos de música vão acabar com a violência. Será que quem adora marchinhas não compra lança-perfume do tráfico? Aaah..porque são elitizados não é tráfico?! Será que os que ouvem axé e outros estilos não usam drogas que financiam esse crime organizado?

Aaaahh vá ! Acredita mesmo que proibindo o rap e o funk a violência vai deixar de existir no Carnaval?! E depois dele? Vão continuar proibindo?

Daqui a pouco vão nos queimar na fogueira ...Holocausto puro ! Seria preciso bem mais do que proibir as músicas para acabar com a violência. Seria necessário que esta mesma comissão olhasse por ’tias’ de creche, que acabei de ver na TV, espancam crianças, cujos pais trabalham o dia todo para por o pão na mesa e que neste Carnaval não tem sequer o direito de curtir e se morarem em São Lourenço, nem de ouvir as músicas que gostam. Faça-me o favor !

No mais, acho que todos queremos é a Paz.

Jéssica Balbino - mineira, 24 anos, moradora da periferia de Poços de Caldas, jornalista formada, autora do livro Hip Hop - A Cultura Marginal, integrante do livro Suburbano Convicto - Pelas periferias do Brasil, colunista do site Ciranda Internacional de Informação Independente, e do Literatura Periférica defendendo as causas da cultura hip hop. (leia-se rap e funk neste contexto) Voluntária de trabalhos com hip hop na periferia, atualmente atuando como repórter no Jornal Mantiqueira, idealizadora da série de reportagens Ás Margens da Sociedade, com pessoas de muito conteúdo e excluídas do restante da população.

Mantém o blog Cultura Marginal: www.jessicabalbino.blogspot.com

Cai interesse do brasileiro por dança, exposições e livros


O brasileiro hoje lê menos livros, visita menos exposições de arte e assiste a menos espetáculos de dança que em 2007. A queda foi detectada em uma pesquisa realizada pela Fecomércio do Rio de Janeiro, cujo objetivo é o de mensurar os hábitos de lazer relacionados à cultura. Em compensação, as pessoas aumentaram sua ida ao cinema e mantiveram o mesmo índice de visita ao teatro e aos shows de música.

O levantamento teve alcance nacional e foi realizado em mil domicílios situados em 70 cidades, incluindo 9 regiões metropolitanas. As apurações, realizadas em dezembro tanto no ano passado como em 2007, buscavam entender a visão da população sobre atividades culturais de lazer e os motivos que a levam a procurar por essas atividades. Também interessou descobrir a avaliação dos consumidores sobre sua participação no ambiente cultural.

As conclusões não foram animadoras. Para a questão a respeito do hábito cultural, como ler um livro, assistir a um filme no cinema, visitar exposições, ir ao teatro e a espetáculos de dança, 60% das pessoas responderam não ter praticado nenhuma daquelas atividades (em 2007, a cifra era de 55%). Motivo: falta de hábito ou gosto.

Já entre aqueles que desfrutaram ao menos um dos hábitos, a maioria (ou seja, 23%) disse ter lido um livro. A leitura, porém, parece estar cada vez mais em desuso pois, dois anos antes, a mesma atividade era confirmada por 31% das pessoas consultadas.

A partir dessas cifras, a pesquisa buscou dissecar os motivos da queda: 60% das pessoas responderam não ter o hábito da leitura, enquanto 22% foi direta, afirmando não gostar de ler. A restrição econômica não aparece como determinante, uma vez que apenas 6% confessaram não ter como pagar pelos livros. O teatro enfrenta situação semelhante, pois 38% das pessoas disseram não ter o hábito de frequentar as salas de espetáculo, enquanto 27% afirmaram não gostar de assistir a uma peça teatral.

Fonte: O Estado de S.Paulo

Black Rio

FILÓ: uma nova postura do negro, num contexto de repressão e autoritarismo
Asfilófio de Oliveira Filho (Filó), produtor da primeira banda Black Rio, esteve, desde o início, no centro dos agitados bailes soul dos anos 70, no Rio de Janeiro. Num momento do país em que as liberdades civis foram suprimidas, milhares de jovens negros reafirmaram sua identidade e fizeram dos bailes um exercício de liberdade, desafiando a repressão e o autoritarismo.
Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br
Foto: Januário Garcia Fotos do Filó : Januario Garcia.
Páginas e mais páginas de histórias. Aos 60 anos e 40 deles dedicados à cultura negra, Asfilófio de Oliveira Filho - o produtor cultural Filó, contribuiu decisivamente para a criação dos bailes black nos anos 1970. Viu nascer a primeira roda de samba do Brasil, no Clube Renascença. E conviveu com grandes nomes da dramaturgia e da MPB: Elizete Cardoso, Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Zezé Motta, Zózimo Bulbul, Nei Lopes, Elis Regina, Belchior. Só pra citar alguns. Consciência negra, atitude, diversão e arte desviaram o caminho do jovem engenheiro. Dividia-se entre a administração da agência de automóveis da família e o agitado circuito Zona Norte-Zona Sul do Rio-e-Baixada Fluminense. Filó é figura histórica do showbusiness nacional. E tudo começou com a juventude reunida no clube negro Renascença. Embalou mais de um milhão de jovens do Rio de Janeiro no ritmo da Black Music. Ergueu a Soul Grand Prix. Disputou as paradas de sucesso e venda de LPs de Coletâneas de Soul, superando Roberto Carlos por semanas. Foi colunista do Jornal do Brasil e da Última Hora. Não escapou da repressão da ditadura, passou pelo DOPS. Virou alvo da grande mídia. Mas essa é mais uma das muitas revelações dessa entrevista ao Ìrohìn, que teve a participação de Carlos Alberto Medeiros (Coordenadoria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Rio de Janeiro) e Januário Garcia (excepcional fotógrafo e ativista) também personagens desse período que continuam na ativa.

Ìrohìn - Fale um pouco de você e de sua família.
Filó - Nasci no Rio, em 1949. Fui criado em várias comunidades, mas me fixei no Jacaré, próximo à Vila Isabel e ao Méier. Sou de família pobre: pai mecânico e mãe empregada doméstica. Meu pai conseguiu comprar e vender carros. Tornou- se dono de agência de automóveis e sócio de grandes empresários da época. Essa ascensão possibilitou a mim e à minha irmã a entrada na universidade. Fiz engenharia civil, na Fundação Souza Marques, que até hoje é de propriedade de família negra. Mas antes já tinha feito mecânica na Escola Técnica Nacional. A partir dos 17 anos, era o organizador da estrutura contábil administrativa da empresa, porque meu pai não tinha nem o primeiro grau (atual ensino fundamental).

Ìrohìn - Como começou seu envolvimento com a área cultural?
Filó - Com a comunidade. Aos 18 anos, ganhei um carro e comecei as andanças pelo Rio. Os negros tinham dificuldade de deslocamento. Zona Norte era Zona Norte, Zona Sul era Zona Sul, a Baixada era Baixada. Segregação socioespacial! O que unia eram as festas da Penha, os piqueniques na Praia de Guaratiba e Paquetá. Oportunidade para conhecer os sambistas, as tias, as comidas... Lembro que eu ia pro Irajá e quem mandava lá era o Nei Lopes. Saíamos da Zona Norte pra Zona Sul - no Beco da Fome, onde os artistas se reuniam. Lindaura era a tia do local. Servia três ou quatro pratos, só para os artistas que circulavam por ali: Toni Tornado, Tim Maia, Simonal. Era o meu point. Tinha vários amigos, como o Roberto Ribeiro, que estava começando.

Ìrohìn - Você já era sócio do Renascença?
Filó - Sim. Naquele momento, o Renascença era voltado para a família. Os diretores eram advogados, aposentados, engenheiros. Tinham posição, mas eram pessoas discriminadas em outros locais. Aconteciam festas básicas, como Miss Renascença, reuniões de almoço, baile da flor, baile de debutante. Havia pouco espaço para nós, jovens, e isso foi se tornando pesado. Chegamos ao ponto de que o grupo decidiu assumir o comando cultural do Renascença. Na época, Volnei da Almeida, Maneca, o falecido Haroldo de Oliveira e Airton Guimarães. Esse grupo fez com que o Renascença se transformasse num ponto cultural.
Medeiros - O pessoal tradicional do Renascença fazia festas tocando música erudita. A idéia era se diferenciar do negro pobre e do branco de classe média.
Filó - Exatamente. Havia a seguinte divisão: de agosto até março era o período do samba. As escolas de samba comandavam. Todos nós tínhamos as nossas alas. Grande parte do Renascença saía na ala Comigo Ninguém Pode da Mangueira. E eu estava lá. Mas tinha a galera do Salgueiro e da Portela. Acabou o carnaval, o que acontecia? Os grandes bailes! Era Ed Lincoln, Lafaiete. O esquema era cabelo gomado, visual todo trabalhado, sapatos de bico fino.

Ìrohìn - Como a dramaturgia entrou no clube? Qual o seu papel no grupo?
Filó - A palavra era transformação. Zona Sul, Zona Norte do Rio e Renascença começavam a mudar. E isso se deu através da cultura. Foi criado um grupo de teatro negro com Haroldo de Oliveira, Zózimo Bulbul, Zezé Motta, Geraldo Rosa. Montamos a peça Orfeu Negro com patrocínio da Letra S/A, que bancou um cenário sem cobertura, ao ar livre, no Renascença. Foi o maior sucesso. A música era do Paulo Moura e do Martinho da Vila. Só fera! Aquilo ali fez com que as portas se abrissem para essa galera jovem. Trabalhava como ator, mas minha praia era produção. Fiz iluminação e sonorização.

Ìrohìn - Aí você percebeu que tinha um potencial para a produção?
Filó - A partir do momento que se abriu espaço para a juventude, começamos a fazer uma atividade nas quintas-feiras. O ICBA (Instituto Cultural Brasil-Alemanha), através do nosso parceiro Itamar Fagundes, cedia equipamento e materiais. Convidamos a massa toda da comunidade local negra, principalmente das favelas do Macaco, Andaraí e Salgueiro. Havia uma onda de doença de Chagas, os barbeiros, e fazíamos palestras para a comunidade. Para atrair o pessoal, colocávamos filmes. E aquilo ali virou sucesso, todo mundo queria ouvir um som, começava a balançar. Aí começaram a nascer as atividades de domingo,os bailes . O Renascença se fortalece a partir dessa movimentação de saúde e cidadania. Nada de fazer festa pra ganhar dinheiro, nada disso. Tinha o samba do Bola Preta. Só que a casa não era nossa, não tinha identidade racial. Levamos esse desenho pro Renascença e montamos a primeira roda de samba do Brasil. Foi aí que o Renascença explodiu, ganhamos dinheiro pra caramba.

Ìrohìn - As rodas de samba aconteciam nos finais de semana?
Filó - Nas sextas-feiras acontecia uma roda de samba comandada por Elizete Cardoso. Só fera! Elizete Cardoso, Maestro Cipó. Surgiram Dona Ivone Lara, Emílio Santiago, Martinho da Vila, Roberto Ribeiro, Beth Carvalho. Tudo começando ali. E as grandes feras, Paulinho da Viola, Martinho já tinha estourado com a música Casa de Bamba. Elizete Cardoso era quem comandava. A roda de samba se tornou sucesso. Eu entrava com a produção, o visual, o som. O Renascença explodiu dessa forma. Tínhamos o Almeida na publicidade. Conseguimos fazer um projeto gráfico maravilhoso. Não havia computador, era tudo feito à mão.

Ìrohìn - Samba, teatro negro. E a agitação dos bailes Black e da Soul Music?
Filó - Era 1970, 1971. Costumam atribuir a Big Boy e Ademir Lemos, no Canecão, o surgimento do soul no Brasil. Mas isso não é verdade! O fato é que nós tínhamos intervenções no subúrbio por conta de vários outros companheiros, que se reuniam pra fazer festas nas casas. Baile não tinha, eram reuniões. O mesmo que acontecia no Rio acontecia em Salvador, com Vovô do Ilê Aiyê e Jorge Watusi. Paralelamente a isso, a Rádio AM 860 tocava black music. Quem era? Big Boy. Ele tocava eminentemente o rock! Botava lá um “James Brownzinho” no final do baile. Então ele não era o black da hora, só que tinha o material. Outra coisa. O primeiro baile não foi no Canecão. O primeiro baile foi na Zona Norte! O Big Boy só fazia no Canecão, porque a sua clientela era eminentemente branca. Só que houve a oportunidade de James Brown vir ao Brasil, ao vivo no Canecão. Foi aí que eles se projetaram.

Ìrohìn - Os bailes do Renascença eram conhecidos como “Noite do Shaft”. Por que a escolha desse nome?
Filó - Porque na época tinha um filme americano em que um ator negro interpretava, pela primeira vez, um detetive, figura central. A trilha musical era de Isaac Hayes, um dos nossos ícones. Aquela música foi fantástica. Aquilo ali mexeu. Pegávamos uma Kodak e fotografávamos. A garotada que ia ao baile anterior se via nas semanas seguintes. Eu cortava, fotografava e fazia o slide. Ali a gente tinha a foto do Januário ao lado do James Brown, do Isaac Hayes. Assim a gente associava a questão da auto-estima. E havia também as mensagens: “Eu estudo, e você?”, “Família negra”, “Seu brilho está em como você se vê”. O cara está dançando aqui e está se vendo lá. Era auto-estima pura. E tinha a hora da parada do baile, música lenta, e nessa hora você passava a mensagem, que era o nosso forte. Eu deixei de ser DJ para ser o MC. Todo mundo se vendo e olhando para o público. Nossa auto-estima era, até então, muito ruim, dentro de casa a gente se autodiscriminava. Se o cabelo estivesse passando um centímetro, já era macaco. Os moleques davam cascudo na gente. A gente tava cansado daquela onda. Aquilo era muito careta.
Medeiros - Os americanos estavam bombardeando com essas imagens de black.
Filó - Foi quando surgiram os blacks. E começamos a assumir dentro de casa. Cinco anos depois, meu pai já usava black, minha mãe deixou de alisar o cabelo. Mudou o contexto da família negra, o visual, e a auto-estima foi lá em cima! Os artistas mais sensíveis nós conseguimos atrair porque eles se reuniam no Teatro Tereza Raquel ou no Teatro Opinião às segundas-feiras. Participavam Milton Gonçalves, Zezé Motta, Haroldo Oliveira, Zózimo Bulbul. Uma porção de gente reunida e discutindo questão racial, mas sob observação da ditadura. Conseguimos atraí-los para o Renascença. A primeira festa do Shaft foi um grande sucesso. Em paralelo, tinham as reuniões - que eu posso falar melhor, porque eu participava - mas na festa todo mundo estava lá. Na criação do IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras) a gente se reunia na Universidade Cândido Mendes.

Ìrohìn - Quando foi criado o IPCN?
Medeiros - Em 1974, conheci Filó. As coisas estavam efervescendo. Aconteceu a primeira reunião na Cândido Mendes relativa ao 13 de maio, no Centro de Estudos Afro-asiáticos em Ipanema, com José Maria e Luiz Pereira à frente do processo. Depois, foi criado a Simba (Sociedade Brasil-África) e, em 75, foi fundado o IPCN.

Ìrohìn - E quando você percebeu mais concretamente a presença da repressão?
Filó - A repressão começa lá atrás, a partir do momento em que recebo meu diploma em 74. Um ano antes eu já tinha sido ameaçado. ‘Corta esse cabelo, tira essa bata africana, esse chinelo que na verdade é um tamanco, tira essa mochila, se não você não vai passar’. Era meu professor de Cálculo, e eu era o único aluno não militar. Tony Tornado na época falou: ‘Revolucione, estou contigo! Tinha que botar aquela beca e o chapéu. Eu tinha um terno todo branco, ele me deu um chapéu amarelo deste tamanho. “Negrão, é contigo”! Na hora em que eu fui chamado pra pegar o diploma, tiro a beca, pego o diploma, boto o chapéu e levanto o punho erguido.

Foto: Januário GarciaÌrohìn - Havia repressão aos bailes?
Filó - Antes da repressão bombar, a Soul Grand Prix estava crescendo e lançou o primeiro LP, que ganhou disco de ouro. Era uma coletânea de música soul e vendemos mais de 106 mil cópias em poucas semanas. Chegamos à frente do Roberto Carlos. A capa tinha uma black em cima duma moto - um negócio revolucionário na época. O primeiro disco foi lançado em 74/75; o segundo, em 76; e o último, em 77/ 78. Os bailes estavam atingindo um milhão de jovens no Rio de Janeiro - até então ninguém estava sabendo. Até que começam a se preocupar. Quando a coisa começou a pegar fogo, passamos a ser o foco da repressão. Aqueles que não tinham estrutura não podiam fazer o baile por algum motivo. E nós, o que fizemos? Viramos empresa. Pagamos impostos, não podiam dizer não porque pagávamos impostos.
Medeiros - Em 1976, sai uma reportagem que acabou dando nome ao movimento que até então não tinha nome. Uma reportagem no Jornal do Brasil, Black Rio, de quatro páginas, mostrando aquele fenômeno que já estava rolando há anos na Zona Norte.
Filó - Passamos a escrever regularmente como JBlack a ponto do Zé Reinaldo, na época como diretor da Última Hora, me conceder um documento dizendo que eu poderia, por trabalhos prestados, ser um jornalista, que na época não existia.

Ìrohìn - Como você foi parar no DOPS?
Filó - Eu tinha uma sala na Central do Brasil, onde era o escritório da Soul Grand Prix. Bateu um cara, você via que o cara não era black, mas botou uma roupa de black. Os caras queriam introduzir a droga pra incriminar a gente. Aí não deu.. A TV Globo e outras emissoras começaram a desqualificar e ridicularizar todos os negros. Elis Regina resolve conversar conosco, porque gravou “Black is beautiful” do Marcos Valle. E alguns artistas começaram a cantar a questão da negritude nesse âmbito do soul, Tim Maia, Simonal. Nesse burburinho, os caras me chamam pra uma conversa e quando eu vi me botaram um capuz preto. Só lembro que me jogaram dentro do camburão e rodaram pela cidade. Eu fui parar dentro do DOPS. Eles tiraram o capuz, jogaram uma luz que não me permitia ver ninguém, e perguntavam: “Cadê o milhão de dólares que a CIA te deu? Quem é?”. Era uma das lendas urbanas daquela época. A estratégia era a violência verbal e emocional. Já tínhamos lançado o segundo disco na Warner, onde o Janu (Januário Garcia) entra para fazer a produção das várias capas. Tínhamos também o Volnei trabalhando. Todos profissionais, ganhando legal. E tinha Gil, Candeia, Zezé Mota, Belchior. A Soul Grand Prix contratando oficialmente. Tudo na legalidade. Só que a imprensa...
Medeiros - A revista “Veja” até dizia que a nossa forma de atuar era divertida. O jornal Movimento, que era jornal da resistência, fez uma reportagem de última página dizendo que, entre outras coisas, o soul era o pior tipo de música americana. Eles não sabiam nem o que era soul. Discoteca estava começando, eles não sabiam o que era discoteca e o que era soul e confundiam tudo.
Filó - Antes disso a gente só tinha uma opção, que era o rock brasileiro: The Pops, The Brazilian Beetles, tudo imitação dos Beatles. No livro “Anos 70. Dicionário da música brasileira”, de Nelson Motta e de Ana Maria Bahiana, o Black Rio faz parte da música popular brasileira. Nelson Motta sempre falou isso. Somos o divisor de água entre a música americana e a MPB. Fizemos uma experiência com uma música americana, adaptamos com elementos brasileiros e virou um sucesso nos bailes blacks. A partir dessa música foi criada a banda Black Rio
Medeiros - Filó foi produtor da primeira banda Black Rio e depois veio a Warner e colocou essa música “Locomotivas” na novela Locomotivas da rede Globo (1977).
Filó - E aquilo explodiu de tal forma que virou business. Deixou de ser uma questão de “divertimento de negro pobre”. E, naturalmente, a elite se posicionou. Era Nei Lopes, Filhos de Gandhy, Quilombo e Soul. Aquilo ali era uma coisa fantástica. Rompemos com a visão de que nós não podíamos, nós conseguimos muito. E convivendo com a TV Globo num contexto autoritário.

Ìrohìn - Afinal de contas, qual o problema em se tomar como referência a produção cultural de negros norte-americanos e, a partir dessas referências, negros brasileiros mobilizarem outros negros, fortalecerem a identidade de outros negros? Vamos fazer uma síntese, Medeiros? Que balanço seria possível fazer?
Medeiros - Recentemente, a pesquisadora Márcia Conti lançou um livro sobre os bailes blacks, com base num estudo de 1994. Ela ouviu lideranças negras e notou que os bailes tiveram importância na identidade. É a ênfase na identidade negra que faz com que as pessoas melhorem a sua auto-estima, essa é a grande força do Soul. O Soul é uma espécie de trilha sonora da luta negra americana dos anos 1960. Lembro-me das primeiras vezes em que fui ao baile do Filó, vi gente chorar. Chegar e chorar, porque você se deparava com milhares de cabeças com cabelos afros balançando. Esse choro diz muito do impacto que tudo isso teve naquela época sobre quem pôde de alguma forma participar do processo, ir aos bailes.

Foto: Januário GarciaÌrohìn - E você, Filó, não pretende registrar em livro toda essa experiência?
Filó - Não só a minha fala. O importante seria recuperarmos a fala de todos que viveram o período, cada um tem um olhar. Pra você ter uma idéia, o nosso DJ foi um branco. Por que ele era branco? Porque ele trazia as informações da zona Sul. O nome dele era Luiz Stelzer, conhecido como Luizinho do Jockey Soul. Tocava na zona Sul, tinha uma visão e gostava da música Black. Ele era dançarino, abria os bailes das boates top e gostava de ouvir James Brown. Aquele nicho musical a gente trazia pra zona Norte para as nossas festas, porque a maioria era comprada nas importadoras. Sinfonie, Modern Sound, que eram os locais onde você comprava os discos importados. Era caríssimo. A outra opção era alguém trazer os discos dos Estados Unidos, alguém como aeromoça, piloto. Era assim que era o processo. Foi um momento de desconstrução do pensamento social brasileiro, segundo o qual não há racismo no Brasil, porque o negro sabe o seu lugar. E foi nesse momento que o negro saiu do lugar dele. Desconstruiu.

Ìrohìn - Quais os filhotes do soul?
Filó - Conscientemente falando é o Movimento Hip-Hop. Você tem algumas células que são fundamentais, como a célula da Bahia, através do Blackitude, movimentos como a Casa do Hip-Hop em São Paulo, que criou um consciência e reconhece o soul como um pai. Aqui, o Atitude Consciente deu o primeiro passo para a implantação do Hip- Hop no Rio. Paralelo a isso, temos os filhos não conscientes, mas que são também uma realidade. E uma realidade é o funk. O que faltou ao funk? A liderança que o soul tinha. A comunicação que o soul tinha e que o funk não soube absorver. Não tem essa liderança e, infelizmente, foi para um outro lado.

*Edson Cardoso entrevistou (Rio 04.06.09) e Isabel Clavelin editou.

Fotos do Filó : Januario Garcia