Cidadania: modo de usar


Todos reclamamos dos políticos, da corrupção insidiosa e sistêmica. Reclamamos da mídia "conservadora e golpista" (como nos ensina, diuturnamente, Paulo Henrique Amorim no seu imperdível Conversa Afiada). Reclamamos da já intolerável violência urbana, da crescente precariedade e descaso para com a saúde pública e a educação. Reclamamos do real sobrevalorizado, da taxa de juros que não cai com a celeridade necessária ao desenvolvimento da nação - alô, alô, turma do Banco Central! Dessa vez a Selic tem que ser reduzida em, pelo menos, 0,75%, pois 0,50% já é dado como favas contadas até pela ortodoxia do deus mercado e seus súditos fiéis. Reclamamos e reclamamos, ainda bem que reclamamos - e com razão - de muitas coisas.

O problema é que, quase sempre, reclamamos apenas numa espécie de resmungo, num solilóquio inaudível. Reclamamos nas conversas de boteco, junto aos nossos iguais. Reclamamos junto aos ouvidos, quase sempre desinteressados, do nosso vizinho ou colega de trabalho. É preciso amplificar essa reclamação. Reclamar mais, de diversos modos e em variados meios (ou mídias). Mais que isso: se reclamar é preciso, agir, mais ainda, é essencial. Porém, fica sempre a questão: como agir? Como ir além do mero queixume? Como exercer, em sua plenitude, a cidadania? Uma vez que mal temos tempo para cuidar dos nossos problemas, que já são tão complexos e numerosos? Temos que pagar as nossas contas, educar nossos filhos. Temos que viver enfim. Ou melhor, sobreviver.

Em primeiro lugar, e isso é essencial, devemos deixar a preguiça um pouco de lado e ler mais, nos informar mais e melhor - até para reclamar há que se ter consistência/solidez nos argumentos. Ler livros, sim, na medida do possível (que tal um a cada dois ou três meses?). Ler livros, não só jornais, revistas e sites ou blogs - mas não deixar de ler jornais, revistas, sites e blogs (e, destes dois últimos meios, tirar proveito da interatividade e soltar a voz e o verbo).

Sim, é necessário fazer esse "sacrifício" do exercício da leitura, já que ler implica também em esforço, paciência, dedicação e... sacrifício - seja de tempo, recursos ou de outras tarefas possivelmente mais cômodas ou aprazíveis. Um pouco de disciplina e sacrifício não faz mal a ninguém, ao contrário, ajuda a moldar o caráter - isso serve para monges, sacerdotes e homens santos, mas serve também para reles mortais e pecadores como nós.

Porém, esclareça-se, devemos ir além das fontes fáceis, óbvias de informação e notícias. Aquelas que nos são oferecidas, quase como num processo de osmose, hipnose e massificação, pelos grandes veículos da mídia (todos já - não à toa - em franca decadência, registre-se). Veículos como a Folha, o "Estadão", o Globo, a revista Veja, a TV Globo etc, todos pertencentes às oligarquias parasitas que floresceram e fizeram fortuna à época da ditadura militar, devem ser evitados, para que não se fique com a consciência pesada e aprisionada em uma bem urdida teia de mentira e manipulação. É preciso buscar fontes alternativas e variadas de informação - sim, é fundamental o exercício da pluralidade e do contraditório. Ler opiniões diversas, divergentes, conflitantes: à esquerda e à direita.

Aqui vai uma dica essencial ao exercício da cidadania: desligue o aparelho de TV. Só o ligue para assistir filmes, no DVD ou no videocassete, ou programas jornalísticos/educativos. Mas o mais prudente é mesmo deixar o aparelho desligado. Já existem estudos sérios, de renomados intelectuais e especialistas, que apontam a televisão como um agente destruidor de neurônios e sinapses - assim como o álcool e outras drogas.

Sabe-se que os homens e mulheres de hoje passam quase que a totalidade do seu tempo livre assistindo a novelas e programas de auditório na TV. Isto é extremamente nocivo à saúde mental das pessoas: o cérebro desses indivíduos está encolhendo numa velocidade impressionante. A falta de leitura, associada à completa e excessiva imersão nas imagens e raios luminosos aprazíveis da televisão, causa perda progressiva da memória e da capacidade cognitiva: é o que se chama hoje de "aleijão cognitivo". Portanto, desligar a TV é, também, ação essencial na busca pela cidadania. Além de ser, decerto, gesto primeiro na busca da boa saúde mental.

Apesar de todos os muitos problemas, ainda por resolver, ao ritmo e embalo de toda essa nossa "reclamação cidadã", o Brasil está mudando - e mudando para melhor. Observem as mais que perceptíveis melhoras na Economia: seguidos recordes de saldos na Balança Comercial, agora sobejamente superavitária; o crescimento do PIB entre 4% e 5% neste ano e projetado para os próximos; os principais indicadores macroeconômicos favoráveis; os mais de R$120 bilhões de reservas; a inflação baixa; o aumento dos investimentos; a expansão da massa salarial e o crescimento do número de contratações de trabalhadores com carteira assinada; os avanços no combate à corrupção e na implantação de políticas públicas voltadas ao atendimento das necessidades das classes menos assistidas.

Pequenos e significativos passos estão sendo dados para, enfim - até que enfim! -, sairmos do fim do poço, do fim do buraco em que fomos jogados ao final do governo FHC (sim, é inegável que nossa vexatória dívida social é secular, ou, no mínimo, vem de muitas décadas, mas, e isso é do conhecimento de todos, conhecemos o fim do poço mesmo, os "ínferos", no governo de Fernando Henrique Cardoso).

O Brasil está mudando. Precisamos, todos enfim, além de reclamar - reclamar sempre que necessário, claro - falar disso por aí: o Brasil está mudando! Espalhar essa boa nova. E que essa boa nova, como uma onda, se espalhe e contagie a todos com sua alvissareira, benfazeja e entusiástica mensagem: O Brasil está mudando!

Os professores, nas salas de aula (nas escolas e Universidades); os padres e pastores, em suas igrejas e templos; os militantes, nos movimentos sociais; os sindicalistas, em seus sindicatos; os escritores, em suas palestras e artigos; os músicos, em seus shows devem falar aos homens de bem: o Brasil está mudando! Muito ainda há por se fazer, mas está mudando. E mudando, em vários aspectos. Esforços estão sendo feitos no sentido de distribuir, um pouco que seja, e paulatinamente, a riqueza. Os corruptos e corruptores estão sendo processados e presos, para assim se coibir a sangria de recursos públicos, escassos por natureza (estima-se que cerca de R$40 bilhões/ano escorrem pelo ralo imundo da corrupção). Alguns figurões encararam algema e camburão, e foram recolhidos ao xilindró (mesmo que a prisão seja, ou tenha sido, apenas temporária ou preventiva, vá lá).

Precisamos fazer, nós todos, a nossa parte e ajudar/colaborar nessa mudança, para que ela se espalhe realmente na ação cidadã de cada um e seja definitiva. Como? Cada um à sua maneira, e dentro do seu papel ou profissão - por mais singelo(a) que seja o papel ou a profissão. Sim, precisamos mudar também! Nós mesmos! Precisamos, em primeiro lugar, tornarmo-nos cidadãos.

Ler mais, debater mais, participar mais, fiscalizar mais, exigir mais - e, por fim, agir. E assim cobrar, com conseqüência, com competência e voz ativa (e audível), melhorias nos serviços de saúde e educação públicas (notadamente nos estados e municípios, mas também da União); (re)clamar por mais segurança nas pequenas e grandes cidades; participar ativamente de sindicatos ou associações de classe; ou mesmo, na condição de servidor público, ajudar a fiscalizar as empresas públicas e seus gestores, denunciando ao Ministério Público a má utilização de recursos públicos e casos suspeitos de corrupção.

O Brasil está mudando! Mude também, junto com ele! Seja cidadão!

(*) Texto originalmente publicado na Agência Carta Maior.

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Ilustração: Táia Rocha
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> Lula Miranda, 41, é poeta e cronista. Natural de Salvador (BA), mas vive na cidade de São Paulo há 15 anos. Cursou Economia (UCSal) e Letras (UFBa e USP). Foi um dos expoentes da poesia marginal na Bahia na década de 1980. Atualmente colabora com veículos da imprensa alternativa, como os sites da revista Caros Amigos e da Agência Carta Maior. É secretário de Formação e Cidadania do Sindicato dos Trabalhadores em Editoras de São Paulo. Contato: poetalulamiranda@yahoo.com.br.

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