Os lucros obtidos, o envolvimento de setores dinâmicos da economia e a atuação de setores reacionários incrustados no Estado mostram o poderio e os interesses que movem essa atividade criminosa
São práticas de trabalho forçado, onde se mantêm o domínio pela força das armas; da servidão, assegurada por dívidas; de jornadas de trabalhos exaustivas, indo além dos limites do corpo humano; e de trabalhos degradantes, onde estão ausentes as condições básicas de saúde e de segurança. No governo de Fernando Henrique Cardoso cerca de 6 mil e no governo Lula outros 30 mil trabalhadores foram resgatados nessas condições, semelhantes as do trabalho escravo.
Enquanto as fazendas de gados representam o maior número de propriedades com trabalho forçado, os canaviais detêm o maior número de trabalhadores escravizados. E repete-se a prática nas áreas de atuação das madeireiras e das carvoarias. Enganam-se os que pensam que essas práticas estão restritas aos rincões do Brasil ou limitam-se aos latifundiários remanescentes das oligarquias rurais mais violentas e atrasadas. A imposição da super-exploração aos trabalhadores se espalha por todo o território nacional e abrange os mais diversos ramos da atividade econômica, inclusive no meio urbano.
Os dados do Ministério Público do Trabalho, divulgados dia 25 de janeiro, colocam a região sudeste – a mais desenvolvida economicamente – na liderança das regiões em que consta a prática do trabalho escravo. Dos mais de 3,5 mil trabalhadores resgatados, envolvendo 566 propriedades rurais, em todo país, cerca de 1.300 se encontravam na região sudeste. Nas palavras do juiz do trabalho, Marcus Barberino, o trabalho escravo é uma atividade sistemática, que perpassa toda cadeia produtiva, está na mesa de todos os brasileiros e, ao contrário do que se pensa, não é exceção: é termômetro do mercado de trabalho que continua a explorar o trabalhador de uma forma excessiva.
Para o diretor da Anti-Slavery International, Aidan MacQuaide, a escravidão contemporânea está presente nos setores mais dinâmicos da economia capitalista, seu combate exige fortalecer os sindicatos dos trabalhadores para que os próprios possam reivindicar seus direitos básicos e ter consciência que o combate a essa prática não se restringe ao cenário nacional e sim extrapola para o âmbito internacional. A diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo, vai além. Para ela o trabalho escravo tem crescido no contexto da globalização, uma vez que é um fenômeno mundial, presente na cadeia produtiva de grandes e modernas empresas transnacionais. Estima a OIT que, em todo mundo, pelo menos 12 milhões de pessoas estão submetidas ao trabalho escravo, gerando um lucro, em 2009, que passa dos 30 bilhões de dólares.
Os horrores dos porões dos navios negreiros deixaram de cruzar os mares. No entanto, o sistema capitalista mostra que é incapaz de deixar de promover atrocidades humanas quando lucros vultuosos estão ao seu alcance.
O Brasil, no cenário internacional tem se destacado no combate a essa prática criminosa de tratar os trabalhadores. A atuação das organizações da classe trabalhadora, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de organizações não-governamentais e de alguns setores progressistas do Poder Judiciário, Legislativo e dos dois últimos governos promoveram significativos avanços no combate ao trabalho forçado.
Mas ainda há muito o que se fazer. Os lucros obtidos, o envolvimento de setores dinâmicos da economia e a atuação de setores reacionários incrustados no Estado, azeitando as engrenagens de proteção e impunidade, mostram o poderio e os interesses que movem essa atividade criminosa. Certamente não será encontrado um único parlamentar, nem mesmo a senadora Kátia Abreu (DEM/TO), que defenda abertamente o trabalho escravo – o crime é previsto no Código Penal, artigo 149.
No entanto, o que justifica que até hoje não foi aprovada no Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional 438/2001, a PEC do Trabalho Escravo? Essa emenda constitucional determina a expropriação, sem nenhuma indenização, das propriedades onde houver a prática de trabalho escravo e as terras serão destinadas à reforma agrária. A proposta já passou pelo Senado Federal em 2003, foi aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados em 2004. Mas, é preciso ser feita uma nova votação, em segundo turno, na Câmara. Contudo, desde agosto de 2004 a proposta não é votada por resistência da banca ruralista.
A sociedade civil está mobilizada, recolhendo assinaturas para romper com a resistência dos setores reacionários do Congresso Nacional e exigir a aprovação da PEC 438/2001. É uma medida imprescindível para a erradicação do trabalho escravo em nosso país. Mas que necessita somar-se com a mudança radical no atual modelo agrícola baseado no agronegócio e na realização de uma profunda reforma agrária em nosso país.
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