A impunidade é gêmea da incoerência.

Por Zillah Branco

O regime oligárquico que o colonialismo deixou como herança nos países mais novos, copiou leis e princípios estrangeiros para fazer de conta que criava um Estado democrático. Este “faz de conta” desenhou uma estrutura respeitável e democrática que só é aplicada para os cidadãos mais desprotegidos enquanto que os poderosos descaradamente revelam a sua incoerência deixando impunes os amigos prevaricadores. Apesar das mudanças ocorridas nos últimos anos, mais favoráveis à democracia, sobram remanescentes do velho poder de elites que dispõem dos cargos públicos e do dinheiro do povo para se banquetearem impunemente enquanto que a população trabalha duro para superar as crises e acabar com a miséria.

Ao contrário do que se apregoa, a maioria dos jovens em todo o mundo não se entrega à droga e à formação cretinizada imposta pelo sistema capitalista que proíbe que cada cidadão pense e aja conforme os seus próprios princípios. É natural que se sintam um tanto perdidos, pois ainda não encontraram as lideranças e organizações necessárias para encetarem um caminho limpo para a conquista da dignidade social. No entanto, os exemplos de jovens participantes são muitos, no esforço de solidariedade para amenizar a miséria, para salvar os companheiros que são marginalizados, para criar uma nova linguagem (poética e musical) que unifique os movimentos políticos e sociais, para repudiar o autoritarismo das velhas oligarquias que ainda sustentam o seu poder criminoso que esbanja falta de vergonha, que se afunda na corrupção, que corrompe as instituições nacionais servindo de apoio ao crime organizado.

Na Itália, Luis, um jovem universitário de esquerda não contém as lágrimas envergonhado pelo nível político que um Berlusconi levou aquele país de lutas políticas exemplares fazendo o povo parecer hoje amorfo e inexpressivo. Nos Estados Unidos a tristeza dos apoiantes de Obama é visível ao perceberem que o seu ídolo foi manietado pelo poder imperial que faz guerras “justas” para sair da crise econômica sem criar empregos honestos e produtivos para a população norte-americana. No Brasil, e em tantos outros países onde a luta popular pelo desenvolvimento nacional e cidadão se dá a duras penas, também sofremos a vergonha de assistir processos indefinidos contra os casos de corrupção e outros crimes praticados por políticos crapulosos que ainda têm poder para manterem a impunidade.

A prática da corrupção tornou-se de tal modo freqüente que passa a ser tolerada exigindo-se apenas que seja reduzida de tempos em tempos. Assim como as mortes por acidente de transito ou criminalidade tem sido banalizada como uma fatalidade moderna, a corrupção que conduz políticas públicas também entrou no conceito de normalidade para o sistema vigente. Parece que o ambiente político impõe a condição de tolerância com as “mazelas” do sistema, para os que ainda pretendem melhorar um pouco a situação dos países. Chega-se à conclusão de que os cidadãos são condicionados pelas instituições que, por seu lado, estão amarradas às condutas criminosas e fraudulentas dos que detêm o poder. É um círculo vicioso, sem saída, e os cidadãos sem poder é que pagam o pato.

As novas gerações, no entanto, absorvem os protestos populares e pensam com a própria cabeça sobre a falta de lógica do sistema que apregoa o bom comportamento, faz leis que o regulamentem, mas fecha os olhos aos furos institucionais que permitem a impunidade de alguns dos espertos oligarcas que sobrevivem à democracia. Felizmente no Brasil começam a surgir lutas internas nos vários poderes institucionais que correspondem ao conceito de democracia real. Deixamos para trás o velho hábito de unificar a voz dos poderes dando uma caiação sobre habituais conchavos anti-populares. Existem as contradições que estão a nu no cenário nacional para que os cidadãos possam escolher os seus representantes e banir os bandidos. Fervilham os debates, sobressaem novos lideres com coragem de romper a falsa unidade de uma elite poderosa. A coerência é a meta democrática e revolucionária. A coerência é que inspira o interesse e a coragem da juventude. É o parâmetro para a sua formação cidadã.

As críticas à juventude que perambula desmiolada pelas ruas e os antros que existem em toda a parte, em geral resume-se na frase: “não têm perspectiva de vida”. Mas isto é a consequência de uma sociedade que destrói as instituições organizativas do Estado anulando as leis com a prática da impunidade. Os responsáveis pelo poder organizado estarão sendo incoerentes com os princípios que apregoam ou simplesmente cínicos na traição à confiança popular? Será necessário rever o âmbito dos vários poderes que se contrariam impedindo que o Estado possa funcionar democraticamente.

Nos últimos meses assistiu-se, no Brasil, a mais uma novela policial à cata de corruptos. Foram várias as que animaram os espectadores, com final de pizza. Ninguém mais espera que os bandidos ou criminosos fiquem na cadeia e devolvam os milhões roubados ao Estado. Mas há outros eventos que paralelamente vêm acontecendo, considerados “crimes por razão fútil” que, passo a passo, vão eliminando heróis das comunidades que formam movimentos de negros, de moradores do morro, que sendo filho de catadores de rua chegam ao curso superior de medicina. Por acaso? E o agravamento da criminalidade no Rio de Janeiro que será a sede Olímpica em 2016? Acaso, também?

O Brasil evolui inegavelmente nos dois mandatos de Lula que conquistou o título internacional de Estadista Global. Os trabalhos comunitários de desenvolvimento do cidadão que já existiam alcançaram um alto nível de consolidação e o Estado deu um efetivo apoio combatendo preconceitos e estimulando as associações de moradores. Apesar das várias contradições que ainda permanecem no comportamento dos responsáveis pelos poderes institucionais, o caminho traçado tem meta democrática, portanto popular. Ocorrem então os atos terroristas dos que perdem o velho poder definido como oligárquico. Sempre tem sido esta a seqüência nos movimentos sociais bem sucedidos. Lembremos os tempos em que o samba era criminalizado, os sambistas considerados vadios, o carnaval um perigo. Quantos, dos nossos melhores interpretes da música brasileira foram perseguidos e até presos? E hoje o bom “rap” não é mal visto pelos conservadores empedernidos? Todo sopro de liberdade, de estímulo à cidadania forte e saudável encontra uma oposição, que quando o ambiente é democratizado, atua disfarçadamente pela mão de marginais.

Que a PAZ seja a nossa meta, a liberdade a nossa esperança, a coragem a nossa ferramenta para unir as gerações e construir uma sociedade sólida, confiável, saudável. O futuro depende de um conhecimento objetivo da realidade e da ação coerente dos que lutam por uma sociedade melhor.

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