Usuários, ex-viciados e parentes de dependentes de crack relatam como a substância corrompe o comportamento e destrói patrimônios, independentemente da classe social
Marcionila Teixeira - Diário de Pernambuco
O crack invadiu o mercado ilegal de entorpecentes e tem adoecido um número crescente de brasileiros. Profissionais de clínicas especializadas no tratamento de dependência química dizem que essa é uma das drogas mais devastadoras e defendem a internação na grande maioria dos casos. Independentemente de classe social ou escolaridade, a droga retira do convívio social crianças, jovens e adultos, destrói famílias e a dignidade de muitos usuários.
Vendedora de joias e moradora de Taguatinga (DF), Elizabeth* enfrenta há mais de 30 anos problemas na família relacionados ao uso de drogas. O marido morreu de overdose de merla %u2014 pasta base da cocaína %u2014 e as filhas aprenderam a usar cocaína com ele. Tatiana*, a caçula, começou a cheirar pó aos 16 anos, mesma época em que Fernanda* também conheceu a substância. Foi Tatiana, hoje com 22 anos, e há seis meses livre do vício, quem procurou ajuda para a internação da irmã. Mãe e filha tentam salvar a vida de Fernanda, que há dois anos fuma crack.
Hoje com 35 anos e quatro filhos - três meninas que moram em casas diferentes e um adolescente que está preso por furto -, Fernanda pesa 35kg e fala tranquilamente sobre o vício. ''Não tem três horas que fumei a última pedra. Estou aqui conversando, mas queria mesmo é estar na rua fumando outra'', disse. A mãe observa a filha com tristeza. ''É difícil ver um filho nessa situação. Mas sou o suporte, tenho que cuidar deles'', desabafa. Fernanda não sabe, mas a mãe e a irmã estão lá para pedir sua internação, mesmo que involuntária.
Juliana Peroni, psicóloga do Centra, grupo de encaminhamento e tratamento psicossocial de Brasília, diz que o tratamento ambulatorial (em consultório) não é eficiente para dependentes do crack. ''A dependência psicológica e física e a 'fissura', vontade incontrolada pela droga, são muito grandes. Por isso, é necessária a contenção do paciente'', explica. Peroni conta que a maioria das internações é involuntária. ''Os pacientes estão com o senso crítico comprometido. Não têm noção do nível da própria dependência. Eles até reconhecem o problema, mas não admitem a internação'', diz. Geralmente é a família que vai atrás do tratamento e toma a decisão. Mas a especialista alerta: ''Para que seja feita a internação involuntária é necessário que a clínica tenha registro no Ministério da Saúde e também documento de autorização do Ministério Público''. Somente pai, mãe, irmãos e filhos podem solicitar internação involuntária.
Sintomas
Antes disso, um profissional avalia a situação do dependente. Alguns sintomas podem ser percebidos logo no início do quadro de dependência, principalmente quando a droga utilizada é o crack. ''Abandono das tarefas diárias e comportamento hostil com os familiares são comuns. Num estágio mais avançado, ocorre agressividade, abandono do lar e pequenos furtos dentro de casa'', explica Peroni. Mas a especialista avisa que não há regra e os sintomas podem variar. ''É importante que a família e o paciente entendam que a internação não é uma forma de punição'', destaca.
O estudante Rodrigo de Moraes, de 32, começou a usar crack depois que não encontrou em uma boca a droga que utilizava anteriormente, a cocaína. ''O traficante me disse que só tinha crack. Acho que era mentira'', lembra. Peroni diz que muitos usuários de cocaína estão migrando para o crack. ''Há três anos, chegavam ao consultório usuários de merla. Hoje, a maioria das pessoas que procura tratamento é de familiares de usuários de crack'', afirma. Ainda de acordo com a especialista, o consumo da pedra começou na classe baixa, mas já entrou na classe média e alta pelo tamanho da oferta.
Falta de limites
Marcos*, de 37 anos, está descobrindo aos poucos qual a verdadeira sensação de estar triste, alegre, com medo ou frustrado. O corpo anestesiado pelos efeitos do crack começa a dar lugar a um ser que sente e luta para mudar. Quatro vezes ele encarou a si mesmo. Quatro vezes desistiu de trilhar o caminho. Há uma semana, entrou por conta própria na quinta internação em uma clínica particular para reabilitação de dependentes de droga, uma das mais caras de Pernambuco.
O crack entrou na vida de Marcos há dois anos e meio. Antes disso, já usava com frequência tabaco, loló, álcool, maconha, haxixe e cocaína. Um coquetel destrutivo que começou na infância, quando tinha apenas 6 anos e experimentou o primeiro porre de álcool. ''Lembro-me de meu pai bebendo muito todos os fins de semana.'' Marcos pertence a uma família pernambucana influente, ligada à política e a cartórios de nota. Filho de um tabelião e de uma funcionária pública, viu despencar sua boa condição de vida com a morte do pai, quando tinha apenas 10 anos. Foi nessa época o início do uso das outras drogas. ''Acho que faltou limite. Fazia o que queria. Minha mãe não orientava, apenas entregava a gente para as babás.''
A droga consumiu-lhe cerca de R$ 30 mil. Tirou-lhe os dois empregos e deu sumiço à sua saúde mental. Foi interditado pela família. Era hora de parar.
Vendedora de joias e moradora de Taguatinga (DF), Elizabeth* enfrenta há mais de 30 anos problemas na família relacionados ao uso de drogas. O marido morreu de overdose de merla %u2014 pasta base da cocaína %u2014 e as filhas aprenderam a usar cocaína com ele. Tatiana*, a caçula, começou a cheirar pó aos 16 anos, mesma época em que Fernanda* também conheceu a substância. Foi Tatiana, hoje com 22 anos, e há seis meses livre do vício, quem procurou ajuda para a internação da irmã. Mãe e filha tentam salvar a vida de Fernanda, que há dois anos fuma crack.
Hoje com 35 anos e quatro filhos - três meninas que moram em casas diferentes e um adolescente que está preso por furto -, Fernanda pesa 35kg e fala tranquilamente sobre o vício. ''Não tem três horas que fumei a última pedra. Estou aqui conversando, mas queria mesmo é estar na rua fumando outra'', disse. A mãe observa a filha com tristeza. ''É difícil ver um filho nessa situação. Mas sou o suporte, tenho que cuidar deles'', desabafa. Fernanda não sabe, mas a mãe e a irmã estão lá para pedir sua internação, mesmo que involuntária.
Juliana Peroni, psicóloga do Centra, grupo de encaminhamento e tratamento psicossocial de Brasília, diz que o tratamento ambulatorial (em consultório) não é eficiente para dependentes do crack. ''A dependência psicológica e física e a 'fissura', vontade incontrolada pela droga, são muito grandes. Por isso, é necessária a contenção do paciente'', explica. Peroni conta que a maioria das internações é involuntária. ''Os pacientes estão com o senso crítico comprometido. Não têm noção do nível da própria dependência. Eles até reconhecem o problema, mas não admitem a internação'', diz. Geralmente é a família que vai atrás do tratamento e toma a decisão. Mas a especialista alerta: ''Para que seja feita a internação involuntária é necessário que a clínica tenha registro no Ministério da Saúde e também documento de autorização do Ministério Público''. Somente pai, mãe, irmãos e filhos podem solicitar internação involuntária.
Sintomas
Antes disso, um profissional avalia a situação do dependente. Alguns sintomas podem ser percebidos logo no início do quadro de dependência, principalmente quando a droga utilizada é o crack. ''Abandono das tarefas diárias e comportamento hostil com os familiares são comuns. Num estágio mais avançado, ocorre agressividade, abandono do lar e pequenos furtos dentro de casa'', explica Peroni. Mas a especialista avisa que não há regra e os sintomas podem variar. ''É importante que a família e o paciente entendam que a internação não é uma forma de punição'', destaca.
O estudante Rodrigo de Moraes, de 32, começou a usar crack depois que não encontrou em uma boca a droga que utilizava anteriormente, a cocaína. ''O traficante me disse que só tinha crack. Acho que era mentira'', lembra. Peroni diz que muitos usuários de cocaína estão migrando para o crack. ''Há três anos, chegavam ao consultório usuários de merla. Hoje, a maioria das pessoas que procura tratamento é de familiares de usuários de crack'', afirma. Ainda de acordo com a especialista, o consumo da pedra começou na classe baixa, mas já entrou na classe média e alta pelo tamanho da oferta.
Falta de limites
Marcos*, de 37 anos, está descobrindo aos poucos qual a verdadeira sensação de estar triste, alegre, com medo ou frustrado. O corpo anestesiado pelos efeitos do crack começa a dar lugar a um ser que sente e luta para mudar. Quatro vezes ele encarou a si mesmo. Quatro vezes desistiu de trilhar o caminho. Há uma semana, entrou por conta própria na quinta internação em uma clínica particular para reabilitação de dependentes de droga, uma das mais caras de Pernambuco.
O crack entrou na vida de Marcos há dois anos e meio. Antes disso, já usava com frequência tabaco, loló, álcool, maconha, haxixe e cocaína. Um coquetel destrutivo que começou na infância, quando tinha apenas 6 anos e experimentou o primeiro porre de álcool. ''Lembro-me de meu pai bebendo muito todos os fins de semana.'' Marcos pertence a uma família pernambucana influente, ligada à política e a cartórios de nota. Filho de um tabelião e de uma funcionária pública, viu despencar sua boa condição de vida com a morte do pai, quando tinha apenas 10 anos. Foi nessa época o início do uso das outras drogas. ''Acho que faltou limite. Fazia o que queria. Minha mãe não orientava, apenas entregava a gente para as babás.''
A droga consumiu-lhe cerca de R$ 30 mil. Tirou-lhe os dois empregos e deu sumiço à sua saúde mental. Foi interditado pela família. Era hora de parar.
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