João Batista Libânio
Ingênua irracionalidade a vinculação afetiva a um time
Há dois olhares. O primeiro dirige-se automaticamente sobre os criminosos. Os adjetivos se sucedem: enlouquecido, perverso moral, transtornado psiquiátrico, abrutalhado etc. Todos eles encerram certa verdade. No fundo, o cerne do ser humano - a liberdade e a responsabilidade - se esconde sob a capa da doença psíquica. Não nos toca julgar, em última instância, o nível de real culpabilidade. Cabe só a Deus e ao fundo da consciência humana, embora essa, não raro, tenha perdido muito de sua força culpabilizadora por causa da cultura presentista e de desprezo e desvalorização da vida.
O Judiciário segue trâmite próprio. Seu juízo possui, para contornos civis, caráter de última instância. Mas tudo isso se vê envolvido por questões maiores e mais graves. Aí vamos. Não esqueçamos naturalmente a dor horrível que assola tanto as famílias das vítimas como a vergonha horrorosa das dos criminosos.
Por que jovens, aparentemente sadios e de nível social bem assentado, chegam a esses extremos do crime? Talvez nos tenha chocado mais a cena do espancamento do jovem torcedor por um grupo de criminosos. Já não se consegue encontrar um perturbado individual, mas estão vários a perpetrarem o mesmo crime. Deslizamos claramente para o lado cultural.
Um ato desse não nasce do nada. Rapazes que cheguam à brutalidade "inocente" de divertir-se no crime refletem câncer social de extrema gravidade. Basta observar o significativo pormenor: os criminosos saíram para a razia de uma casa de shows onde assistiram a campeonato de luta livre e fazem parte de torcida organizada e violenta. Deixemos de lado a causa mais importante e preocupante de tal cultura bruta juvenil: a falta de cuidado, de educação de valores, de limites na família. Os pais acordam tarde quando veem os filhos já envolvidos em crimes e processos. Omitiram-se nos anos decisivos da infância ao permitirem tudo aos filhos e ao não lhes darem o verdadeiro antídoto do crime: cuidado e carinho nos primeiros anos de vida.
No caso bem concreto dos torcedores, está em jogo a crescente perversão do esporte na atual cultura. Saiu do verdadeiro lugar do lazer para transformar-se em comércio descarado por parte dos clubes e de muitos jogadores e em fanatismo inconcebível e estúpido por parte de torcedores. Estes sofrem, arriscam a vida até o crime por lutarem por um time que só se interessa pelo lado financeiro.
Há ingênua e manipulada irracionalidade ao se absolutizar afetivamente a vinculação com um time. Um mínimo de lucidez percebe a tolice de transformar um objeto de divertimento em causa de vida e morte. Voltemos ao futebol-arte. A arte alegra, humaniza, extasia. A paixão cega e degrada.
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