A arte da gambiarra


Vinte e três artistas plásticos mostram como o descarte da sociedade pós-industrial se relaciona com o momento histórico contemporâneo

Thaís Pacheco - Estado de Minas
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Paulo Nenflidio/Divulgação
Com uma caneta acoplada à sua estrutura, Aranha N2, de Paulo Nenflidio, acompanha a movimentação externa e inventa os próprios desenhos
“Não é de hoje. Na história da arte, há o registro de pessoas que fizeram coisas com materiais precários, coisas do próprio tempo”, explica o artista plástico Fred Paulino, idealizador e curador da mostra Gambiólogos, em cartaz no Espaço Cento e Quatro.

A proposta é externar a necessidade de provocar reflexão sobre o que ocorre em cada momento da história. “Agora, temos a exigência de pensar o que será feito com os resíduos industriais e o lixo eletrônico. É claro que o brasileiro convive mais com a gambiarra, mas esta discussão está em relevância no mundo todo, atualmente: o uso desses materiais, pensar a sociedade pós-industrial, esse excesso de produção e o que fazer com ele”, justifica Fred.

Para provar que não só ele e os brasileiros se voltam para a gambiarra, três estrangeiros estão entre os 23 artistas participantes do evento. Oito vêm de outras cidades do país e os demais são de Belo Horizonte.

Em seus trabalhos eles misturam objetos, esculturas, instalações e performances mesclados à tecnologia – de alta ou baixa performance. Tudo vira arte: do vibracall do telefone celular ao CD que pode ser tocado como disco, com direito a vitrola e a agulha.

Mariana Manhães/divulgação
Trabalho de Mariana Manhães
Tempo real

Logo na entrada, a obra Capacho obriga a pisar em teclados de computadores grandes e obsoletos. Na sequência vem Relógio vivo, trabalho classificado como web open source. Televisores pendurados transmitem, em tempo real, as imagens postadas em http://exquisiteapp.org. O APP (aplicativo de celular) é do iPhone, com fotos de números enviadas por usuários. Automaticamente, forma-se o relógio. Se uma foto de cenoura é mandada para o aplicativo, subtende-se que é o número 1, por exemplo.

É assim, como gambiarras, que as obras compõem a exposição. Televisores antigos, liquidificadores, vitrolas e carrinhos de mão se misturam a luzes, botões, celulares e filmadoras de última geração. “As obras usam da precariedade e do improviso, sempre relacionados com algo ligado à tecnologia”, conta Fred Paulino. “Elas têm postura política, no sentido de reter os materiais. Várias das matérias-primas seriam usadas para outras coisas. Mas há o deslocamento de funcionalidade, que, por si só, já traz uma reflexão”, garante o curador.

Evan Roth/ Divulgação
Eyewriter, de Evan Roth, é uma das obras exibidas em Gambiólogos
O inovador, explica Fred, é a reunião exclusiva de “gambiólogos”. “Todos os artistas já estão acostumados a expor, mas sempre como pintores, fotógrafos ou videomakers, de forma dispersa. Nunca todo mundo junto, em exposição que reunisse só o pensamento a respeito dessas questões. O especial desta mostra é juntar todos eles”, conclui.
GAMBIÓLOGOS
Exposição coletiva sobre a gambiarra na era digital . Espaço Cento e Quatro, Praça Rui Barbosa, 104, Centro. Até 15 de dezembro. Aberto de terça-feira a domingo, das 14h às 21h. Entrada franca. Informações: www.gambiologos.com

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