No Brasil, a mistura étnica ocorreu vitoriosamente. Somos um povo, ao mesmo tempo, generoso e cheio de contradições, onde vivemos cercados de abundância, mas com grandes bolsões de miséria. Somos a terra da integração, porém, com enormes abismos que separam negros e brancos, de forma visível e invisível. Agora que chegamos ao pós-120 anos da Abolição da Escravatura, essa integração que lhe é peculiar coloca o Brasil no centro do debate, em que seu impasse étnico se transformou no indicador que pode levar o país ao futuro como nação civilizada ou fincar, de vez, nossa pátria nos erros do passado, dos quais a escravidão e o racismo são os mais caros e dolorosos na trajetória social brasileira.
Certamente, o primeiro passo na correção desses erros tem início com o entendimento de que o fim da escravatura se deu como resultado de uma complexa conjunção de fatores, cuja dimensão política contribuíram, em graus variados de escala, e importância, para o lento processo de definhamento da prática escravista em nosso país. Alguns desses fatores, como reconhece a nova historiografia, tiveram caráter primordial na saga pela liberdade: as rebeldias negras. Foi graças a elas – chamadas de quilombagem – que 95% da prática escravista perdeu sua força enquanto geradora de riqueza para os escravocratas e latifundiários. Outros personagens (os estudantes, os intelectuais, a maçonaria e os artistas) participaram ativamente nesse maior ato de desobediência civil que o Brasil tinha registrado. Já as doenças endêmicas (sífilis, malária, tuberculose e outras) e os maus-tratos físicos foram responsáveis pelo dizimamento em massa da maior parte do contingente de escravos.
Apesar desse bem-sucedido engajamento do povo na luta contra a escravidão, e de termos consolidado certos passos na vitória final contra as várias formas de preconceito, ainda não ocorreu, de fato, ou seja, no dia-a-dia dos negros brasileiros, a abolição da escravatura. A realidade concreta, nas vilas e favelas das metrópoles é outra, e comprova que a abolição ocorreu do ponto de vista teórico, haja vista que são esses mesmos negros e negras que sempre constam em todos os índices do baixo padrão de qualidade de vida, emprego e a falta dele, renda e moradia minimamente saudável. Portanto, é preciso reconhecer que a exclusão substituiu a escravidão, com igual teor de perversidade.
Como todos acompanham e se indignam todos os dias, esse é o grande gargalo nacional. Daí que, se queremos justiça social, precisamos urgentemente implementar ações que façam a correção dessa gigantesca injustiça cometida à população negra. Com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, precisamos pôr o Brasil nos trilhos da cidadania efetiva para todos, como já fazem as grandes nações que cumprem os preceitos do estado constitucional e democrático de direito. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário