Celebra-se hoje a libertação dos escravos. Aprendemos, no antigo curso ginasial, que a princesa Isabel lutou contra as forças conservadoras do Império, para que fosse assinada a Lei Áurea, em 1888, e tornasse os homens iguais em direitos. Mas, 120 anos depois, ainda há urgência de uma carta de alforria. Não há um dia em que não se noticia a libertação de trabalhadores mantidos em regime de escravidão. Pessoas são aliciadas de uma região para outra, vivem em condições degradantes, sem direitos trabalhistas e previdenciários, pagando a alimentação precária que comem, dormindo em catres imundos, bebendo água dos animais, “se embriagando de óleo diesel”, e sem poder de locomoção. Em vez de navios negreiros, caminhões sem lona, em viagens sob sol ou chuva. Em vez de apenas homens negros, todas as etnias, raças e gêneros, numa mesma condição de exploração: a democracia da escravidão.
O governo federal lançou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, mas ainda não foram implementadas as medidas restritivas dos senhores feudais e das empresas que utilizam mão-de-obra escrava. Enquanto famílias inteiras ainda defecam em fossas longe do alojamento feito com folhas de palmeira, na senzala distante da casa-grande, deputado implora da tribuna complacência com os proprietários do campo que ainda não se adaptaram aos novos tempos. Mas os novos tempos não têm misericórdia com aqueles que se submetem a trabalhos penosos, curvados sobre a enxada, jornada de trabalho excessiva, mãos calejadas estendidas em busca de um olhar de compaixão. São esses escravos do tempo moderno que geram o lucro dos latifundiários – são esses escravos que produzem a riqueza do Brasil. Em vez de correntes nos pés e açoite nos troncos, a humilhação da segregação, a vergonha da exclusão social, o salário pago com vale-cachaça, a esmola de uma cesta básica no final da fila, a doença sem assistência médica e a ausência de cidadania. De 2004 a 2007, quase 3 mil trabalhadores foram resgatados de situação análoga à de escravo.
Vinte anos antes da Lei Áurea, Castro Alves já clamava ao mundo sobre o homem que enlouquece de sofrimento e “outro que de martírios embrutece”, tornando seu canto de lamento ainda atual. E, ao presenciar tantos desmandos, abandono político, legislação branda que se compadece apenas dos donos da terra, e sequer um sonho de esperança no olhar triste da criança miserável embalada nos braços da mãe, só nos resta gritar, com a mesma angústia, emoção e lágrimas do poeta de Vozes d'África: “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade tanto horror perante os céus”. |
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