É interessante constatar, decorridos apenas 15 anos, como um processo de transformação pode, de fato, ocorrer em meio a um cotidiano de contradições e ser efetivo naquilo a que se propõe. O cenário urbano de Belo Horizonte, por exemplo, foi significativamente alterado. Os hospitais psiquiátricos, hegemônicos no cuidado com o portador de sofrimento mental, foram substituídos por novos serviços que, com decisão e qualidade de atenção, acolhem e tratam em liberdade. Invenção da luta antimanicomial, movimento social que soube precisar com clareza onde se colocava a principal questão ou a maior dificuldade no tratamento da loucura: na exclusão. Não é possível tratar daquele que está fora e invisível socialmente, ou para reafirmar Basaglia, é preciso colocar entre parênteses a doença para cuidar do homem. Os serviços substitutivos introduziram uma novidade na cultura. Até então, nada disso existia e a única referência de que a sociedade dispunha para se relacionar com o portador de sofrimento mental era o hospital psiquiátrico, que segrega e isola os portadores de sofrimento mental, produz valores e reafirma mitos como o da periculosidade e da incapacidade como traços distintivos de uma condição psíquica determinada. Enfim, se conquistou um direito há séculos confiscado, o direito a ser um cidadão.
O direito integral à saúde se articula ao direito ao lazer, à inserção produtiva e, porque não, ao direito à festa e a praça pública. Talvez, a maior conquista que a reforma psiquiátrica alcançou, foi dar acesso à cidade e a cidadania: mais de 1,6 mil leitos psiquiátricos foram desativados e um conjunto de serviços públicos, abertos, territorializados, orientados pela ética de inclusão das diferenças, foi criado. A rede sustenta fora dos hospitais psiquiátricos a maioria dos portadores de sofrimento mental de BH. A política de saúde mental da PBH reafirma o seu compromisso com a cidadania dos portadores de sofrimento mental e faz uma aposta diferente, oferecendo para a cidade a Mostra de arte insensata, na Casa do Conde, de amanhã ao dia 31. Evento cultural abre um novo espaço para o diálogo, para a troca de olhares e afetos entre loucura e razão, arte e política pública, diversão e reflexão.
Para o projeto antimanicomial, a arte é um recurso a mais para se conectar e conviver prazerosamente com seus semelhantes, podendo assim, transitar pela cidade não mais como um doente, ou ainda pior, como pura representação da doença. Mas como alguém capaz de estabelecer trocas e, desse modo, dar testemunho dos inúmeros efeitos possibilitados pelo laço social, seja pela via da arte, enquanto produção artística, seja pelo simples fato de ver-se incluído na família ou por ter amigos. Esta é nossa aposta: dar testemunho dos efeitos criativos e criadores de uma utopia, a sociedade sem manicômios, causa que fez surgir uma política de saúde mental em BH, cuja meta é a criação de um outro lugar social para a loucura e suas produções, que possam vir a contribuir para fazer mais viva e rica a vida na cidade, que sonha ser bela nos horizonte que se abrem a cada dia. |
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