Legalize Já !


por Toni C.*

Boca Nervosa é um rapaz comum.
Trabalha de dia, estuda a noite, pai de família, ouviu do patrão: “Seu rendimento caiu e da faculdade você desistiu. Contratei um cara mais moço mais garra, não me leve a mal que não é pessoal” (Região Abissal)


O seguro desemprego foi todo utilizado para Boca Nervosa procurar um novo trabalho e sustentar seu vício e de sua família.
Sua esposa era também usuária, seu filho Boquinha mesmo com pouca idade consumia com vontade.
Sem dinheiro, sem emprego, mas Boca Nervosa não perdia o vício.
Não tinha mais nada em casa para consumir.
A cabeça doía, o corpo não tinha forças. Procurava dormir o maior tempo possível para poupar energias e não sentir tamanha abstinência.
Sabia que morreria se não consumisse.
Encolhido como um feto, com os músculos re-tensos para conter a dor, ficaria ali agonizando...
Seu filho inocente. Não conhecia o truque e chorava desesperadamente.
Bateu no menino, mandou dormir. Não conseguia encarar sua esposa de frente.
A fumaça que veio da casa do vizinho, trazia o odor daquilo que seu organismo tanto desejava.
Perdeu a cabeça! Abraçou a televisão com as duas mãos, puxou para si, saia pela porta quando o fio elétrico esticado arrancou num só golpe o plug da tomada. A antena com Bom-Bril na ponta também arrastava pelo chão.
A desgraçada da televisão que alguns dias sentenciou que aquilo que família de Boca Nervosa tanto consumia ficaria mais difícil de conseguir. Falaram de Etanol, do óleo produzido do milho nos EUA, do preço do petróleo... Boca Nervosa não entendeu nada, já nem raciocinava direito. Mas se vingaria...
Pela mesma porta que saiu, voltou pouco tempo depois.
Havia vendido a televisão para um nóia por qualquer 5 reais.
Torrou todo o dinheiro com aquilo que tanto queria.
Comprou da branca e da preta. A balança digital marcava 500 gramas.
Chegou em casa com dois sacos plásticos na mão.
Trazia na boca um sorriso.
Despejou tudo em duas panelas.
Preparou seu remédio, depois misturou a branca com a preta, fez um mesclado com uma colher.
Dividiu em três pratos.
Naquela noite Boca Nervosa e sua família fizeram um banquete. Com arroz e feijão! Esqueceram da farinha...
...de mandioca que tanto gostavam!

Como diz GOG: “Antes de discutir a legalização da maconha, vamos discutir a legalização do arroz e feijão”. Ou Sergio Vaz: “Depois vamos discutir a legalização de drogas mais fortes. Vamos legalizar o bife com ovo, a salada...”
E eu aqui fazendo apologia à mesa...




*Toni C., DJ e produtor. Autor do vídeo documentario "É Tudo Nosso! O Hip-Hop Fazendo História", organizador do livro "Hip-Hop a Lápis" e membro da Nação Hip-Hop Brasil e da equipe do Portal Vermelho.

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