Pra Que Discutir com a Madame

Pra que discutir com madame?


por Toni C.*

Bárbara Gancia, peço o direito de resposta pela matéria, ''Cultura de Bacilos'' publicado no dia sexta (16) na Folha de S.Paulo, na esteira da matéria do jornal The New York Times com o título “Governo brasileiro investe em cultura hip-hop” (Clique para ler).


Barbara, pimenta na cultura dos outros

''“De boné de beisebol ao contrário na cabeça, calça abaixada na cintura com a cueca aparecendo e tênis de skatista.'', eu mesmo! Toni C. citado na referida matéria de Lary Rother, é verdade, ''sempre ele''! O dinheiro do contribuinte ser utilizado em nossa cultura é o principal alvo de seu tiroteio. Passa a ser do meu, pois o papel no qual foi impresso esse seu artigo tem isenção fiscal. Também é dinheiro do contribuinte, e deve estar a serviço deste.

Em um país em que o presidente da República ao promover festa junina na Granja do Torto é bombardeado por valorizar a cultura popular. Ver a arte da periferia, ser chamada de cultura de bacilos num diário de grande circulação pode até parecer coisa normal. Mas eu pergunto: a que ponto chegamos?

A madame questiona porque não investir também no axé, sertanejo, ou até a dança da garrafa. Bárbara, informo a você e seus leitores (brasileiros?) que o dinheiro do contribuinte não tem sido utilizado ''para disseminar a cultura hip-hop entre os jovens da periferia''. Até porque os jovens da periferia de maneira geral conhecem e fazem parte desta cultura. O programa concebido pelo Ministério da Cultura, conhecido como Ponto de Cultura, visa potencializar a produção cultural já existente nas comunidades, interligá-las e difundir a cultura digital.

Para se ter idéia do que esta sendo feito nesta área com o dinheiro do contribuinte. Com o mesmo valor de uma única superprodução cinematográfica é possível criar 600 pontos no país onde jovens em situação de vulnerabilidade social se tornam agentes culturais operando filmadora, gravadores, computadores, criando revistas, teatro, músicas, documentários...


Hip-Hop não é Yakult
Mas ai a jornalista questiona: desde quando hip-hop é cultura? A resposta é: A mais de 30 anos quando os elementos foram unidos formando assim a primeira cultural de protesto com abrangência mundial da história da humanidade.

Madame diz que o samba tem cachaça
Mistura de raça, mistura de dor
Madame diz que o samba é democrata
É música barata sem nenhum valor

Assim como neste trecho do samba cantado pelo pai da bossa nova João Gilberto. Onde o compositor dialoga com Magdala da Gama que se promoveu no final da década de 50 como crítica de rádio hostilizando o samba. Bárbara Gancia em pleno século 21 reconhece em seu artigo que utilizou de sua ''liberdade'' diária na BandNews FM para rotular o hip-hop como lixo cultural, sexista e violento. Mesmo que tivesse acertado em sua fúria radiodifusa, não lhe parece correto que as pessoas possam se expressar como queiram em nome também da liberdade? Foi esta mesma liberdade que entupiu sua caixa postal tachando-a como racista e facista. Afinal nem eu, nem os autores destes e-mails possuem liberdade na BandNews. Minha mãe costuma dizer: ''Quem fala o que quer, ouve o que não quer.''

A nossa cultura dói nos ouvidos da madame. Nos meus causa orgulho, aumenta a minha auto estima, e elevou minha conciência, me levando a conhecer entre alguns outros Rosa e Machado assim como perceber que a narração em primeira pessoa empregada pelo personagem Brás Cubas em Memória Póstuma tem a mesma construção de ''Estou ouvindo alguém me chamar'' de Racionais Mc's.

Hoje existe nas periferias uma cena literária derivada da cultura hip-hop. Grandes autores e cada vez mais leitores. Legado de Quarto de despejo, o livro Hip-Hop a Lápis é mais um da crescente produção periférica. Tive a honra de organizá-lo e hoje ele é um desses Pontos de Cultura.

Bom, pelo menos em um aspecto concordamos, quando você afirma: ''Não entendo muito de comércio''. Neste particular você realmente parece insegura, mas ainda assim arrisca perguntar. ''... será que produzir uma legião de grafiteiros e de DJs é ''oportunidade de negócio''? E eu arrisco responder:

Madame, sou morador da periferia de Carapicuíba, zona oeste de São Paulo, estou escrevendo a você a partir do Alto Vera Cruz, maior comunidade de Belo Horizonte. De um computador do tele-centro no grupo cultural NUC, digito cada palavra. Só mesmo o hip-hop pra me trazer pra cá. Estamos realizando o encontro da Nação Hip-Hop Brasil entidade da qual faço parte. E ter contato com pessoa do país inteiro nos dá outra perspectiva, pois percebemos que o que nos falta não é capacidade, mas sim oportunidade.

O espanto que os gênios musicais do hip-hop lhe causaram quando você percebeu que estavam ligados ao tráfico de drogas, também me causa. Pois incentivar a produção cultural e o acesso a informações é justamente um dos meios para criar alternativas ao tráfico de drogas. E isso o hip-hop tem feito. Sem contar que só existe tráfico por existir consumidor. E quem tem dinheiro para manter a segunda maior indústria do planeta Terra, a industria do tráfico de drogas?

Poeta Sérgio Vaz, o sindico: ''Alô, ministro Gil! Não seria mais produtivo ministrar, nos casarões, um único livro de Gilberto Freyre, ''Casa grande e senzala'' do quê dar ouvidos e força a essa jornalista, que mais parece uma paródia tupiniquim da Ku Klux Klan?''

De toda forma, não posso deixar de dizer que admiro sua coragem, madame. Sendo assim, faço um convite para que conheça os trabalhos que estamos desenvolvendo nas mais diversas regiões do país. Poderíamos aproveitar esta sua visita às comunidades para que nos conceda uma entrevista. Espero que a coragem não desapareça. Como aconteceu com o maestro Júlio Medáglia, ou com o escritor Maurício Mirisola.

Cultura de Bacilos? É pertinente madame...

O rap é um transmissor do vírus libertário, que fortalecido reproduziu, como você mesmo diz: Uma legião.

E eu também sou portador!

Obs.: Até a publicação deste artigo, o direito de resposta não foi concebido pelo jornal para ler o artigo de Barbara Gancia na Folha de São Paulo de hoje (16).




*Toni C., DJ e produtor. Autor do vídeo documentario "É Tudo Nosso! O Hip-Hop Fazendo História", organizador do livro "Hip-Hop a Lápis" e membro da Nação Hip-Hop Brasil e da equipe do Portal Vermelho.

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