No dia 10 de dezembro, serão comemorados os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. No limiar do novo século, é preciso repensar a importância desse instrumento jurídico internacional, avaliando conquistas e perspectivas em relação à efetividade dos direitos humanos. O século 20 foi o mais sanguinolento da história da humanidade. Nunca se afrontou tanto a dignidade humana. Por outro lado, se voltarmos nossos olhares para o Brasil, os direitos que interessam certa vertente liberal foram conquistados (liberdade de expressão, locomoção, direitos civis e políticos). Porém, os direitos sociais ainda são um sonho acalentado por milhões de brasileiros.
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Não obstante, o mais elementar de todos os direitos ainda é amplamente violado: o direito à vida. No plano teórico, vários debates têm sido travados, ultimamente. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pautou o tema da defesa da vida, desde sua concepção até seu ocaso, na Campanha da Fraternidade deste ano. Já o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa vários temas referentes à vida humana, de grande repercussão ética, como, por exemplo, o uso de células-tronco embrionárias para a pesquisa científica. Em boa medida, as discussões têm se orientado por posições e argumentos morais com alto teor determinista, radicalizando posturas extremas – aceitáveis democraticamente – que distanciam cada vez mais os pontos de vista extremados, mas que, muitas vezes, não levam em consideração pressupostos solidamente construídos ao longo da civilização. O primeiro pressuposto é o antropológico. Aqui está em jogo a visão que temos do homem, da humanidade. A vida humana encerra toda a grandeza e complexidade da natureza. Não está acima ou abaixo das outras formas de vida, mas numa posição que a distingue dos outros seres justamente pela capacidade criativa do ser humano. Portanto, há que ser promovida, defendida e protegida.
O pressuposto ético nos impele a pensar: que tipo de vida escolhemos? Numa sociedade marcada pelo imperativo do consumo, que cristaliza um ethos determinista no qual a felicidade se associa ao ter e não a ser, há que se perguntar: quais os imperativos éticos para se escolher a vida? Aqui constata-se, inequivocamente, que milhões de seres humanos não participam efetivamente dos benefícios sociais e, de certa forma, estão privados de condições adequadas de sobrevivência, com reflexos evidentes na qualidade de vida dessas pessoas. Também há que se considerar o pressuposto teológico. Nele, o que vale é a escolha do Deus da vida. Ou seja, Deus dá a vida às suas criaturas e, sendo dom de Deus, toda a criação deve corroborar na preservação, manutenção e promoção da vida humana, acima de qualquer outro bem e valor. Mas para os cristãos, há um mandamento norteador das ações éticas: que a vida seja plena e abundante.
Por fim, deve-se pautar a discussão por um pressuposto histórico. Ou seja, num mundo marcado por grande pessimismo, violência e opressão de várias formas, como reverter certa visão finalista da felicidade imediata e fugaz, retomando os princípios da solidariedade, fraternidade e justiça social? Assim sendo, não é possível discutir os direitos humanos, em toda a sua totalidade e complexidade, sem antes se perguntar: que vida estamos escolhendo? Ou seja, a escolha pela vida supõe, antes de tudo, várias outras escolhas. Nesse sentido, é preciso optar pela escolha da vida humana com dignidade. Será que vale a pena viver em condições degradantes e que aviltam a essência humana? Portanto, na escolha pela vida e na defesa, proteção e promoção dos direitos humanos somos estimulados a pensar numa nova sociedade que deve ser construída, na qual homens e mulheres tenham condições objetivas de desenvolverem todas as suas potencialidades. Caso contrário, o discurso dos direitos pode-se transformar num discurso meramente liberal, oportunista e inconseqüente. Isso é fácil para aqueles que historicamente tiveram seus direitos transformados em verdadeiros privilégios e que vislumbram novas oportunidades para auferirem outras vantagens pessoais, o que aumenta ainda mais o abissal fosso que separa a parcela dos poucos privilégios da grande multidão de excluídos.
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