Além de ser crime, assédio e abuso moral no trabalho causam problemas aos trabalhadores, comprometendo tanto a saúde física quanto psíquica dos mesmos
Jéssica Balbino
Exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongas durante a jornada de trabalho. Assim é definido o assédio moral, do qual muitos trabalhadores são vítimas. Tão antigo quanto trabalhar, mas pouco discutido, o ‘tema’ só ganhou uma repercussão maior após ter sido explorado pela mídia. Os tipo de explorações mais comuns vem das escalas hierarquias autoritárias e assimétricas, onde predominam condutas negativas, relações desumanas e sem ética de longa duração, de um ou mais chefes, dirigidas aos subordinados. Desta forma, a vítima fica desestabilizada em sua relação com o ambiente de trabalho e a organização do mesmo, sendo forçada a desistir do emprego. Mesmo sem ser um fenômeno novo, o assédio ou violência moral trazem novidades no que diz respeito a intensificação, gravidade, amplitude e banalização, além da abordagem. Conforme explica o advogado trabalhista Matheus Barreto, atuante em Poços de Caldas e na região sul mineira, o assédio moral no emprego caracteriza-se, especialmente, pela degradação deliberada das condições de trabalho. “É quando prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização”, explica. E advogado relata ainda que a vítima escolha é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. “Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o ’pacto da tolerância e do silêncio’ no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ’perdendo’ sua auto-estima”, destaca.
Danos à saúde mental e física
Para Cássia Pedroso, 24 anos, estudante de psicologia e estagiária, atendente numa clínica, de pessoas sem auto-estima em razão do trabalho, a humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do trabalhador, causando danos até mesmo irreversíveis. “A agressão moral interfere na vida destas pessoas de forma direta. Pelo que observo, compromete a identidade, a dignidade e as relações afetivas e sociais, ocasionado graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade de trabalhar, desemprego ou em último caso, a morte, por depressão, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho”, comenta a estudante. As pessoas vítimas de assédio moral passam a conviver com depressão, palpitações, tremores, distúrbios do sono, hipertensão, distúrbios digestivos, dores generalizadas, alteração da libido e pensamentos ou tentativas de suicídios que configuram um cotidiano sofrido. É este sofrimento imposto nas relações de trabalho que revela o adoecer, pois o que adoece as pessoas é viver uma vida que não desejam, não escolheram e não suportam. De acordo com um levantamento feito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), com diversos países desenvolvidos, a pesquisa aponta para distúrbios da saúde mental, relacionado com as condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. Este levantamento revela ainda perspectivas sombrias para as duas próximas décadas, pois, segundo a OIT e a Organização Mundial da Saúde (OMS), estas serão as décadas do ‘mal estar na globalização’, onde predominará a depressão, angustias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho. Segundo relato de Rosana L.* (nome alterado), que foi vítima de assédio moral quando trabalhava numa loja de roupas no centro da cidade, foi forçada a pedir demissão do emprego, frente as humilhações, ridicularizações e escassez de recursos para trabalhar, oferecidos pelo ex-patrão. “Eu era impedida de me expressar e não sabia o porque, além de ser frequentemente ridicularizada na frente dos outros ‘colegas’ de trabalho. Sem falar que estes mesmo ‘colegas’ tentavam me culpar por coisas que eu não havia feito, gerando ainda mais comentários de que eu era incapaz de exercer minha função. Com isso, fiquei desestabilizada emocionalmente. Perdi a confiança que tinha em mim mesma, adquiri uma úlcera e fui me isolando inclusive da minha família e dos meus amigos. Entrei em depressão e pedi minha demissão”, conta. Ela diz ainda que está tentando se estabilizar e ter uma vida normal. Rosana procura um emprego como vendedora ou balconista em lojas e espera conseguir superar o trauma, uma vez que tem feito tratamento e acompanhamento psicológico.
A Lei
O artigo 136-A do novo Código Penal Brasileiro institui que assédio moral no trabalho é crime, com base no decreto - lei n° 4.742, de 2001. O Congresso Nacional então decreta, no artigo 1° - O decreto lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940, que no artigo 136- A, depreciar, de qualquer forma, e reiteradamente, a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou trata-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica pode acarretar uma pena de um a dois anos de reclusão. Ainda no mesmo artigo consta que desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral pode causar a detenção de três meses a um ano e multa.
Formas de assédio e abuso moral
De acordo com a lei, amedrontar um funcionário com ameaças de demissão podem ser caracterizadas como assédio moral. Outras atitudes como desestabilizar emocionalmente o trabalhador ou dar ordens confusas e contraditórias, sobrecarregar de trabalho ou impedir a continuidade de um, negando informações também podem ser consideradas atitudes de assédio moral. Além disso, desmoralizar publicamente, afirmando que está errado, rir a distância e em pequeno grupo, conversar baixinho, suspirar e executar gestos direcionando-os ao trabalhador também acarretam punição de lei a empresa. Ignorar a presença do trabalhador, não cumprimentar ou impedi-lo de almoçar, além e exigir que se faça horários fora da jornada, ser trocado de turno sem ter sido avisado ou ser mandado executar tarefas acima ou abaixo do conhecimento geram danos ao trabalhador e são considerados tipos de assédio moral. Hostilizar, não promover ou premiar colega mais novo/a e recém-chegado/a à empresa e com menos experiência, como forma de desqualificar o trabalho realizado, espalhar entre os colegas que o/a trabalhador/a está com problemas nervoso, sugerir que peça demissão, por sua saúde e divulgar boatos sobre sua moral também são formas de abuso. É comum também que as empresas, grandes ou pequenas, tomem atitudes como estimular a competitividade e individualismo, discriminando por sexo: cursos de aperfeiçoamento e promoção realizado preferencialmente para os homens, discriminar salários entre funcionários que exercem a mesma função ou remunerar melhor um funcionário com função inferior, além de não seguir a regulamentação e o piso salarial de cada profissão, estabelecida pelo Ministério do Trabalho pode acarretar processos à empresa e penas de reclusão. Comum, o desvio de função como: mandar limpar banheiro, fazer cafezinho, limpar posto de trabalho, pintar casa de chefe nos finais de semana é caracterizado como crime. Considerado ainda um tipo de assédio e abuso moral grave, é não fornecer ou retirar do funcionário todos os instrumentos de trabalho, impedindo-o de realizar, conforme determina a empresa, a sua função. Demitir os adoecidos ou acidentados do trabalho também é bastante grave e configura abuso.
O que fazer?!
Especialistas sugerem que as vítimas de assédio moral devem anotar, com detalhes toda as humilhações sofrida (dia, mês, ano, hora, local ou setor, nome do agressor, colegas que testemunharam, conteúdo da conversa e o que mais você achar necessário). Uma outra sugestão é que estes busquem a ajuda dos colegas, principalmente os que testemunharam o fato ou já sofreram humilhações do agressor. “Sugiro também que evitem conversar com o agressor sem testemunhas. Quando for necessário uma conversa, levar sempre um colega de trabalho ou representante sindical. Também exigir, por escrito, explicação do ato agressor e permanecer com cópia da carta enviada ao departamento pessoal ou Recursos Humanos e da eventual resposta do agressor”, sugere a estudante de psicologia, Cássia. Procurar o sindicato e relatar o acontecido para diretores e outras instâncias como : médicos ou advogados do sindicato assim como: Ministério Público, Justiça do Trabalho, Comissão de Direitos Humanos e Conselho Regional de Medicina por ser um caminho, ou ainda recorrer ao Centro de Referencia em Saúde dos Trabalhadores e contar a humilhação sofrida ao médico, assistente social ou psicólogo. “Buscar apoio junto a familiares, amigos e colegas, pois o afeto e a solidariedade são fundamentais para recuperação da auto-estima, dignidade, identidade e cidadania”, finaliza a estudante.