Cruzamento de dados revela milhares de doadores irregulares
| Doar dinheiro para a campanha eleitoral de um candidato no qual se acredita, ou com o qual o leitor concorda não deveria causar espanto ou levantar suspeição. Pelo contrário, se bem disciplinada e claramente exercida, essa é uma prática perfeitamente natural nas democracias que aceitam e até estimulam o envolvimento direto do cidadão no pleito. Mas no Brasil, como ocorre com quase tudo que tem a ver com o mundo da política, essa tem se tornado uma matéria delicada. Afinal, é no exato momento da doação que nascem certos compromissos nada republicanos, nem sempre confessáveis. Sim, há doadores corretos e não faltam limites definidos pela legislação eleitoral. A questão original é simples: se a doação se processa dentro da lei e se é feita sem outro interesse que não o de defender ideias e propostas, por que tanto constrangimento em assumi-la? Sempre se soube de doações ocultas, mas não se sabia o tamanho do problema. Agora se sabe e a descoberta requer providências.
Uma pesquisa inédita, feita pela Receita Federal, a partir de dados da Justiça Eleitoral, revelou que pelo 18,3 mil doações feitas a candidatos às eleições de 2006 apresentam indícios de irregularidades e poderão ser processados. Nesse grupo estão 13,7 mil pessoas físicas e 4,6 mil jurídicas. Entre as físicas há doadores que tinham se declarado isentos do Imposto de Renda no ano anterior, por falta de rendimentos. Outros fizeram doações muito acima do limite de 10% da renda bruta e há os que nem declaração anual tinham feito em 2005. Já no grupo das empresas doadoras sob suspeição, há quantias acima do limite de 2% da receita anual bruta e até doações feitas por empresas que tinham se declarado inativas em 2005, além das que não entregaram declaração alguma. Essa foi a primeira a vez que a Receita Federal, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez o cruzamento entre as doações registradas nos tribunais regionais eleitorais pelos candidatos e os cadastros do Fisco. Agora, o TSE vai enviar as listas para os juízes eleitorais do domicílio dos doadores, que serão chamados a dar explicações e estão sujeitos a multas.
A pergunta que imediatamente ocorre ao cidadão comum é por que esse cruzamento de dados já não vinha sendo feito há mais tempo? Afinal, tanto a Justiça Eleitoral como a Receita Federal dispõem de instrumentação e tecnologia há vários anos. A impunidade, como se sabe, é o maior incentivo à irregularidade e à criatividade dos que se empenham em burlar a lei. A notificação decorrente desse levantamento será educativa e, sem dúvida, poderosamente dissuasiva. Além disso, o resultado encontrado pelo levantamento expõe a necessidade de uma reflexão sobre essa questão que, a bem da verdade, ainda não foi enfrentada com a seriedade que o assunto reclama. Há um projeto de reforma política no Congresso Nacional e seria proveitoso aprová-lo a tempo das eleições de 2010. Se os legisladores tinham alguma dúvida quanto à necessidade de dotar o país de regulação mais rigorosa e mais atualizada do financiamento de campanhas, o cruzamento de dados agora revelado acaba de eliminá-la. Não há consenso fácil quanto às soluções, que incluem o polêmico financiamento público. Mas não há razão para deixar de enfrentar a questão. É para isso que os parlamentares foram eleitos. | |
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