Frei Betto: Igreja está 'encastelada' e não vê a realidade



Mais do que ter dificuldade para se adaptar à realidade atual, a Igreja Católica “fica encastelada em seu principismo abstrato”. A opinião é do frade dominicano e escritor Frei Betto.


Em entrevista à repórter Michelle Amaral, do Brasil de Fato, ele comenta os dois casos recentes envolvendo representantes da Igreja Católica: a excomunhão dos envolvidos no aborto da menina pernambucana de 9 anos e o afastamento do padre Luiz Couto de suas atividades eclesiásticas em decorrência das declarações controversas às da doutrina católica

Segundo frei Betto, tais exemplos explicam como o conservadorismo ainda defendido pela Igreja — em contrapartida à realidade do povo — contribui para o afastamento de seus fiéis. Nas duas situações, o posicionamento da Igreja causou grande polêmica.

Dom José Cardoso Sobrinho excomunhou a mãe e a equipe médica que realizaram o aborto de uma menina de 9 anos, que foi violentada por seu padrasto e acabou grávida de gêmeos. Sem considerar os riscos que a menina corria, Dom José afirmou que cumpria uma lei católica.

No caso do padre Luiz Couto, Dom Aldo di Cillo Pagotto o suspendeu do uso de Ordem até que se retrate em público sobre declarações feitas por ele em uma entrevista, na qual defende o fim do celibato, o uso de preservativos e o combate à discriminação de homossexuais. O padre é também deputado federal e atual presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minoria (CDHM) da Câmara dos Deputados.

Confira a entrevista.

Como o sr. avalia a posição da Igreja Católica frente a estes dois recentes casos, da excomunhão (por Dom José Cardoso Sobrinho) pelo aborto da menina de 9 anos e do afastamento do padre Luiz Couto (por Dom Aldo Pagotto) por suas declarações controvérsias ao pensamento conservador católico?
Penso que demonstram a dificuldade de a Igreja Católica se adaptar à realidade atual. Comparo a atitude do arcebispo de Olinda e Recife com a de Jesus diante da mulher adúltera... Que diferença! Jesus foi capaz de compreender, perdoar, acolher.

Os médicos agiram corretamente, para salvar a vida da menina e evitar o risco de três mortes. E manifesto todo o meu apoio ao padre Luiz Couto, de quem sou amigo e admirador.

Dessa forma a Igreja se afasta da realidade vivida pelas pessoas atualmente?
Sim, a Igreja fica encastelada em seu principismo abstrato, sem considerar o que a teologia chama de "moral de situação", a partir da realidade concreta. Assim, os fiéis buscam outras denominações religiosas, onde se sentem mais acolhidos pela compaixão, o perdão, a misericórdia divina manifestada através de seus pastores. A cada ano a Igreja Católica perde, no Brasil, 1% dos fiéis.

Para um católico, o que representa a excomunhão?
A exclusão da instituição eclesiástica e da participação em seus sacramentos, jamais a ruptura com Deus e com o próximo.

As mudanças propostas por Luiz Couto fazem parte de um debate estabelecido por muitos segmentos da sociedade e da própria igreja. O senhor acredita que a polêmica em torno de seu afastamento, pode contribuir para que essas propostas ganhem mais força?
É bom esclarecer aos leitores que o padre Luiz Couto foi suspenso de ordens — proibido de celebrar os sacramentos — por defender o fim do celibato e da discriminação aos homossexuais, bem como o uso de preservativos. Acho que ele está coberto de razão.

A Igreja teve apóstolos casados, como Pedro (Jesus curou a sogra dele), e sacerdotes casados nos primeiros séculos. A vocação ao sacerdócio não coincide necessariamente com a vocação ao celibato.

Quanto à homossexualidade, defendo que é uma tendência natural do ser humano e, como tal, deve ser respeitada, e não discriminada ou condenada como ocorria em sociedades patriarcais, machistas, como as que estão espelhadas no Antigo Testamento. E concordo com o cardeal Arns quanto ao preservativo: é um mal menor frente à epidemia que leva à morte milhões de pessoas.

E como a Igreja deveria se posicionar?
Sempre em favor da vida e do amor, como o que une um casal do mesmo sexo.

De que forma a Teologia da Libertação contribui para as mudanças na forma de se praticar o cristianismo da Igreja Católica?
A Teologia da Libertação faz uma nova leitura das fontes da revelação cristã, como o Bíblia e a tradição da Igreja, assim como fizeram Santo Agostinho, no século 4, e Santo Tomás de Aquino, no século 13.



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