O governo federal, dentro de uma perspectiva de democratizar o acesso à universidade pelas classes menos favorecidas economicamente, criou o Programa Universidade para Todos (Prouni), que nada mais é que uma bolsa, integral ou parcial, de estudos universitários, patrocinada pela União.
Tal medida não só beneficia o estudante carente e a sociedade com o aumento do número de bacharéis nas mais diversas áreas, mas, sobretudo, as instituições privadas de ensino que têm esse financiamento, ainda que indireto, do Estado, reduzindo sua margem de inadimplência, provocando a expansão das empresas do setor de ensino e, consequentemente, o número de vagas de trabalho no ramo.
Não obstante, como já dizia Carlos Drummond de Andrade, “os lírios não nascem da lei”. E, no caso do Prouni (Lei 11.096/05), efetivamente não fez nascer tantos lírios como poderia imaginar. De fato, a referida norma infraconstitucional criou critérios objetivos tais para a seleção de contemplados pelo programa, que podem causar distorções da finalidade buscada pela norma legal, que é, justamente, possibilitar o acesso ao ensino superior de pessoas que, embora não se enquadrem nos critérios objetivos requisitados para a concessão da bolsa, são carentes.
Nesse sentido, recentemente houve uma decisão de um juiz federal da 1ª Vara de Curitiba, Paraná, determinando a concessão da bolsa do Prouni, pela União, a uma estudante universitária de uma instituição particular que, embora tenha estudado em escola paga durante o ensino médio, sem a bolsa integral exigida pela lei, preenchia as condições de hipossuficiência para fazer jus ao beneficio governamental, imprescindível para a continuação de seus estudos.
Tal decisão não fere os objetivos da lei, se vista sob o prisma do princípio da razoabilidade. É que a estudante, já com 37 anos, é filha de um aposentado, que, para fazer frente às despesas da casa, teve que continuar trabalhando em um supermercado em troca de um salário mínimo. A mãe, costureira, está sem trabalho. Apesar de tudo, os pais fizeram todo um esforço para pagar a mensalidade de R$ 1.080, exigidos pela faculdade, complementando o restante pago pela filha com todo o salário recebido como atendente em uma farmácia, de R$ 500, sem falar no endividamento crescente em que toda a família estava exposta, mês a mês.
É o retrato de uma típica família brasileira, que, desejosa de ascender socialmente, faz todo o sacrifício para ter um filho “doutor”.
Detalhe: a referida escola particular onde fez parte do ensino médio, motivo da exclusão da candidata a uma bolsa do Prouni, embasado numa presunção legal (não absoluta, por óbvio) de que são melhores que as do ensino público, cobrava módicos R$ 52,79 de mensalidade. Era um supletivo e a estudante ainda relata que houve falhas graves no ensino, como a falta de professores.
O juiz, corretamente, afirmou que o Prouni é uma “política afirmativa para igualar oportunidades” e que “o princípio aqui é o republicano, constitucional, que visa promover o bem de todos, afastando a distinção entre nobres e plebeus, poderosos e humildes, ricos e pobres”. Logo, os critérios não podem ser tão rígidos como exigido pela lei, devendo obedecer a um “senso de razoabilidade”.
Além disso, tais programas, apesar de imbuídos de boa vontade e desejo de se fazer justiça, não atacam a base, que é garantir um ensino público de qualidade, tanto quanto qualquer particular, como é dever do Estado nos termos constitucionais. Há escolas públicas de tão alta qualidade que é necessário fazer um “vestibular de ensino médio”, que, é evidente, dão vantagem aos mais abastados, distorcendo toda a política governamental de cotas ou programas como o Prouni. É o caso, em Minas Gerais, do Colégio Universitário (Coluni), que, simplesmente, é um dos melhores no Brasil, com altíssimo índice de aprovação em vestibulares de seus ex-alunos.
Enquanto a administração pública não “acorda” para essas realidades e distorções, pessoas como a jovem paranaense não têm outro recurso senão recorrer ao Poder Judiciário, para, caso a caso, corrigir tais equívocos, que, apesar de obedecerem à lei, esquecem-se de observar as finalidades impostas pela Constituição da República de 1988, norma indiscutivelmente maior. |
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