Combate sem arma tem resultado positivo em Minas

Pesquisa da UFMG mostra o sucesso da prevenção na luta contra a violência. Investimentos em projetos sociais têm resultado impressionante: R$ 1 milhão destinados ao Fica Vivo representam 1,5 mil delitos a menos
Auremar de Castro/EM
Felipe, que já foi "soldado do tráfico", descobriu a paixão pela imagem em uma das oficinas do programa.
Pela primeira vez em Minas Gerais, uma pesquisa mostra, de fato, que o combate à violência não se resume ao uso de armas e força. O Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fez um estudo, publicado recentemente, e calculou quantos crimes são evitados quando se investe em programas de prevenção. Segundo as especialistas Betânia Totino Peixoto e Mônica Viegas, a cada R$ 1 milhão destinados ao Programa de Controle de Homicídios Fica Vivo, 1,5 mil crimes deixam de ocorrer nos anos seguintes. Aplicado no Liberdade Assistida, o mesmo valor impede 684 crimes; no caso do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), da Polícia Militar, são 594 delitos. É a certeza de que a presença do Estado, nas formas menos tradicionais de enfrentar o crime, também gera efeitos expressivos.

Quando governos instigam a busca por valores e identidade, além de levar informação e atividades a comunidades que convivem com a violência, oferecem a crianças, jovens e adultos alternativas à realidade imposta pelo crime e onde quase tudo falta. Apreendido duas vezes quando adolescente, Felipe, de 18 anos, apresenta-se como garçom ou pedreiro, mas não convence. Logo depois, assume que já foi soldado do tráfico. Mas faz questão de usar o verbo no tempo passado para falar sobre a experiência, que lhe garantia dinheiro fácil (“R$ 4 mil numa noite, desembolado”). É uma vida que ele não está mais disposto a levar. “De que adianta, você está ganhando dinheiro, mas ele é maldito, não é bem-visto, não é suado. Incomoda, minha mãe não gosta. Quero andar de cabeça erguida, quando ver a polícia não ter que me apavorar e correr”, conta o jovem.

Felipe participa de uma das 492 oficinas do Fica Vivo, que funciona em um dos 20 bairros e aglomerados de Minas , 15 deles na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Quando a equipe do Estado de Minas entrou na sala onde era desenvolvida a atividade, ele sacou seu aparelho de telefone celular e filmou o trabalho por quatro minutos. Nos últimos meses, descobriu a paixão pela imagem, instigado pela oficina de comunicação da qual participa. “Vídeo é bacana, pela ordem, é bacana. Estou lutando devargarzinho, para comprar uma câmera”, diz ele, que pensa em filmar uma família inteira, “do cachorro ao gato”. Depois, quer fazer uma cópia, “vender e até arrancar um dinheirinho de parente”, brinca, “é pouco, mas pelo menos vai ser uma graninha suada”, completa.

Entre seis programas mineiros avaliados no estudo do Crisp/UFMG, o Fica Vivo foi o que apresentou a melhor relação custo-benefício. Cada um dos 12 mil jovens atendidos custa apenas R$ 84, de acordo com Betânia e Mônica. Ainda assim, nos últimos dois anos não foram investidos os valores totais previstos para os períodos em que foram planejados. Segundo dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), dos R$ 9,7 milhões previstos para 2005, R$ 5,8 milhões (60,5%) foram aplicados até o fim daquele ano. Em 2006, a execução orçamentária foi no mesmo patamar: dos R$ 7 milhões planejados, R$ 4,4 milhões foram destinados até dezembro. O problema preocupa a Rede de Proteção da Criança e do Adolescente, que considera urgente a aplicação de recursos em programas para jovens, dado o tempo acelerado da adolescência. A Seds informa que os recursos faltantes foram aplicados nos anos seguintes e que o Fica Vivo continua em expansão.

Para tentar intervir na realidade social antes que os crimes aconteçam, diminuindo os índices de homicídios e melhorando a qualidade de vida da população, o programa tem duas frentes de atuação. A primeira é uma ação de proteção social em um núcleo de prevenção à criminalidade, que prevê oficinas de esporte, cultura, comunicação e inclusão produtiva, além de incentivar a mobilização comunitária. A segunda frente é uma intervenção estratégica de combate ao crime, que reúne polícias e Ministério Público para discutir os problemas da região e pensar como combater os focos de criminalidade. “O fenômeno da violência é localizado. A idéia de que todos os moradores são potencialmente criminosos não é verdade”, afirma a superintendente de Prevenção à Criminalidade da Seds, Fabiana Lima Leite.

Mesmo que proponham ao jovem uma nova descoberta de sua identidade, sob a ótica de novos valores, as atividades de proteção social nem sempre rompem a bolha do crime. O próprio Felipe se considera um exemplo não muito comum. “A nova geração está chegando, é cara de 15 anos que já está lá, mandando nas paradas. Brota um alemão (inimigo) lá e dá tiro nele, é mais uma mãe que chora. Já chamei para vir aqui (participar do programa), mas falam que não é coisa para eles”, explica Felipe, que conclui: “Coração de bandido é só na sola do pé”. Mas ele reconhece que, sem o programa, talvez estivesse na mesma condição dos colegas. Sem contar os jovens da mesma comunidade que nunca pegaram em armas e antes não tinham opções de atividades.

A diretora de Promoção Social da Juventude da Seds, Kátia Silva Simões, lembra que intervir na estrutura do tráfico de drogas é um dos objetivos da segunda parte de atuação do programa, a repressiva, e não das oficinas. Destaca dados da Polícia Militar, que apontam a redução de 50%, em média, da criminalidade violenta nas áreas beneficiadas pela iniciativa. Na maioria dos casos, a presença do tráfico não impede a instalação dos núcleos. Mas o trabalho em uma realidade tão complexa não poderia deixar de ter exceções. Em dezembro de 2006 a Seds inaugurou o Fica Vivo na Vila Ideal, uma das mais perigosas de Ibirité, na Grande BH. Mas, pouco tempo depois, os técnicos do programa saíram da região.

“Havia pessoas do tráfico que impediam as nossas ações. Agimos com responsabilidade, porque o trabalho envolvia também a equipe do programa. Percebemos que precisamos articular melhor a mobilização comunitária que garanta a entrada na região”, afirma Fabiana Leite. A Seds promete voltar ao aglomerado no primeiro semestre de 2008. No período posterior às duas chacinas que mataram 11 pessoas da Pedreira Prado Lopes, na Região Noroeste de Belo Horizonte, algumas atividades do Fica Vivo também foram canceladas, por causa do clima de tensão e insegurança no aglomerado. A Seds informa que as atividades na região voltaram à normalidade.

• O nome do jovem é fictício, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

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