Trincheiras do cidadão

Menos de 10% dos 853 municípios mineiros contam com Procons
Délio Malheiros - Advogado especializado em direito do consumidor, vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao completar 18 anos, pode ser considerado a Bíblia do consumidor brasileiro. Por sua vez, os Procons gozam de toda a credibilidade no seio da população do país, desde que foram criados, a partir da década de 1970. Na atuação dessas verdadeiras trincheiras em defesa dos interesses da sociedade, não se tem notícia de quaisquer traços de corrupção, que tanto contamina a administração pública. Ao longo destes anos, os Procons tornaram-se a última instância em busca da proteção de seus direitos. Some-se, ao trabalho repressivo contra desvios de conduta de fornecedores que ainda insistem em descumprir a lei, a atuação preventiva dessas instituições. Para se ter ideia, apenas o Procon Assembleia, em Belo Horizonte, realizou mais de 1 milhão de atendimentos em seus 10 anos de atuação. Preocupados com os consumidores do futuro, os Procons também vão às escolas, ajudando, de maneira decisiva , a formar cidadãos mais conscientes de seus direitos e deveres.

Entretanto, nem tudo merece comemoração nesse momento em que o CDC completa sua maioridade. Menos de 10% dos 853 municípios mineiros contam com Procons – no país, com suas 5, 5 mil cidades, não é diferente. Essa situação tem origem na omissão de dirigentes municipais, atacados por descabidos preconceitos ou mesmo pela falta de vontade política para promover a instalação do órgão. É uma dura realidade imposta aos munícipes, que poderiam contar, a baixíssimos custos, com um fortíssimo aliado. Por mais que o estado e o Ministério da Justiça tentem, ainda há resistência de alguns prefeitos, que temem que o Procon pode prejudicar seus projetos políticos, face à atuação do órgão no comércio local, financiador permanente das campanhas eleitorais. É um gritante equívoco.

Os Procons atuam em todos os campos da defesa do consumidor. Enfrenta a resistência, a ilegalidade e os abusos de operadoras de telefonia, planos de saúde, empresas de energia elétrica, bancos, financeiras, seguradoras e muitos outros setores, onde sempre há maus empresários. Privar o cidadão do interior dos serviços relevantes de um Procon é entregá-lo à voracidade e à covardia de fornecedores de má-fé; é prejudicar o pleno exercício de sua cidadania. Esse cenário, infelizmente, tende a piorar com a crise econômica, pois os municípios, certamente, justificarão falta de recursos para implantar a reivindicada estrutura.

E, cruelmente, no outro polo, a tendência é aumentar ainda mais a demanda dos consumidores, seja porque estão endividados e passam a sofrer abusos na cobrança ou simplesmente precisam negociar os débitos, seja porque os golpes se alastram nessas ocasiões. A ausência de Procon gera incerteza quanto à solução de eventuais problemas e desestímulo na busca pelo cumprimento da lei, especialmente o CDC. Agrava ainda mais o já abarrotado Poder Judiciário, já que em mais de 80% dos casos que chegam o Procon a solução ocorre mediante acordo. Evitam-se processos judiciais onerosos e demorados.

Claro, fatores burocráticos e legais precisam ser observados na instalação de um Procon. Mas há meios de encurtar caminhos e facilitar processos. A contratação de um advogado, por exemplo, pode ser superada mediante convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O promotor de Justiça local, na condição de curador da defesa do consumidor, por força de lei, já tem a obrigação de dar o suporte que o órgão precisa.

Fica evidente, pois, que falta aos administradores públicos uma visão menos arcaica e mais sintonizada com os tempos atuais, cujos ventos sopram no sentido de facilitar, cada vez mais, o acesso do cidadão aos instrumentos de proteção aos seus direitos. O Procon, sem sombra de dúvidas, exerce esse papel. Quem sabe os prefeitos que assumiram o poder em janeiro possam, enfim, dar ouvidos aos ecos desses gritos abafados da população do interior, que, há décadas, reclama o direito de ser assistida por um desses órgãos.

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