No momento em se comemora o Dia Internacional da Mulher, observa-se com preocupação a discriminação, o preconceito e o racismo que persiste em excluir e violar a dignidade da mulher negra no mercado de trabalho.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), demonstra que, em 2006, o rendimento médio real das mulheres não-negras era de R$ 524,6, enquanto o das negras era de R$ 367,2.(1)
De acordo com o Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que observa os dados da Pnad 2007, as mulheres negras estão mais presentes no trabalho doméstico - 21,4% contra 12,1% entre as mulheres brancas - na produção para subsistência e trabalho não remunerado. Estas mulheres também são o grupo com as menores proporções de carteira assinada (23,3%) e na posição de empregadoras (1,2%).(2)
O estudo do Ipea destaca que as taxas de desemprego apresenta indícios da maior precarização da situação das mulheres negras no mercado de trabalho. Enquanto elas apresentaram uma taxa de desocupação de 12,4% em 2007, as mulheres brancas registraram desemprego de 9,4%, os homens negros, 6,7% e os homens brancos, 5,5%.(3)
Como ensina Alice Monteiro de Barros,(4) a preocupação com a discriminação fundada em raça extrai-se da ação internacional, mais precisamente da Convenção Internacional da ONU sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.(5)
A Constituição Federal prevê em seu artigo 7º, inciso XX, que além de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores em geral, a proteção do mercado de trabalho da mulher, tratando em especial da questão da discriminação da mulher na hora de sua contratação pelo empregador.
Ainda em relação à discriminação da mulher no âmbito do trabalho, Alice Monteiro, lembra que o constituinte brasileiro atento para a existência do racismo, encontrou preceito muito severo com a promulgação da Constituição Federal de 1988. E é em seu artigo 5º, inciso XLII, da Lei Maior que a prática do racismo esbarra na norma legal, pois esta a transformou em delito inafiançável, imprescritível, sujeitando o autor à pena de reclusão.
Agrega-se à Carta Maior o Decreto de 20 de agosto de 2004 que cria a Comissão Tripartite no Ministério do Trabalho, com o objetivo de promover políticas públicas de igualdade de oportunidades e tratamento, visando a combater as formas de discriminação de gênero e de raça. E finalmente, vem o Decreto n. 5.397, de março de 2005, instituir o Conselho Nacional de Combate à Discriminação.
A partir dessas instituições e das normais jurídicas vigente, é indispensável implementar políticas públicas de ações afirmativas que possam estabelecer a igualdade de condições e oportunidades de trabalho para todas as mulheres, independente da cor de sua pele.
Para isso, é fundamental que se amplie também o número de mulheres negras na esfera dos operadores do Direito e entre os que combatem a exclusão no mercado de trabalho. Esse espaço vem sendo reivindicado desde o século passado por meio de uma luta histórica, encampada por mulheres como Laudelina de Campos Melo e Maria Rita Soares da Andrade
Laudelina de Campos Melo, nasceu em Poços de Caldas, Minas Gerais, trabalhou como doméstica, tornando-se a primeira líder sindical de sua categoria no país. Diante das discriminações sofridas pelas mulheres no mercado de trabalho, integrou-se ao movimento negro, no qual participou da promoção de inúmeras atividades sociais e culturais, especialmente em defesa dos direitos trabalhistas.(6)
Maria Rita Soares de Andrade, natural de Aracaju, SE, diplomou-se em Direito pela Universidade Federal da Bahia, em 1926, sendo a única mulher da turma e a terceira a se formar no estado. Destacou-se na luta pelos direitos das mulheres, foi a primeira mulher a integrar o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, representando o estado da Guanabara. Em 1967, tornou-se a primeira juíza federal do país.(7)
Da luta iniciada no século passado para os dias de hoje muitas mulheres continuam rompendo barreiras, superando limites, lutando para mudarem o panorama no mercado de trabalho no Brasil.
Todos os anos as homenagens do Dia Internacional da Mulher reverenciam o conjunto das mulheres, conforme os termos do artigo 5º da Constituição Federal, caput, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...” Em nome desta igualdade, no entanto, uma representante se faz destacar, mais uma vez, não só por suas conquistas ao longo da vida, mas por percorrer um processo de muitos obstáculos até alcançar os postos mais altos da carreira profissional.
Obstáculos esses que fazem parte do caminho de muitas mulheres trabalhadoras, pobres e negras, e é dever do operador do Direito contribuir para o desenvolvimento de normas que estejam em harmonia com a realidade social e que impeçam a exclusão e a discriminação destas mulheres nomercado de trabalho.
Neuza Maria Alves da Silva,(8) mulher negra, que teve uma trajetória muito sofrida, pela dor da discriminação em relação à cor de sua pele, cursou Direito na Universidade Federal da Bahia e, desde aquele momento, sua carreira profissional tem sido permeada de conquistas, principalmente a partir de 1988, quando assumiu um cargo na magistratura federal. Em 2004, foi nomeada desembargadora do Tribunal Regional Federal, tornando-se a primeira mulher negra a ocupar esta função no Brasil.(9)
Diz Neuza Maria Alves à revista jurídica ‘Justiça e Cidadania’(10) publicada em abril de 2006, que jamais se deixou abater pelos fracassos: haveria de se recuperar e insistir, seria sempre forte. Ao encontrar uma barreira, deveria estudar formas de ultrapassá-la: iria, se necessário, contornar, escalar ou cavaria um túnel, mas nunca pisaria em ninguém e nem usaria pessoas como trampolim para atingir seus objetivos.
Vale ressaltar que, aos treze anos e meio, ficou frustrada por não conseguir sequer dançar numa simples quadrilha, “era a única negra do grupo”, mas não se abateu, decorou em pouco tempo um monólogo de várias lendas e abriu os festejos interpretando o texto, para seu deleite “fez a noite memorável!”
Superou muitos outros percalços, como quando já juíza federal deixou de ser convidada para comemorações particulares ou coletivas em residências de seus colegas.
Esta mulher, como tantas outras, recebeu do Estado uma educação de qualidade em escola pública, como comentou em entrevista à revista ‘Justiça e Cidadania’. Lamentou apenas não ter conseguido outros tipos de ajuda dos poderes constituídos àquela época, pois quem sabe poderia ter conseguido ir mais longe.
E o que mais chama a atenção nas revelações feita Neuza Maria Alves, além de suas atitudes com o ser humano, “é a sua convicção de que o reconhecimento da dignidade do negro não poderá nunca depender exclusivamente de ato seu, extraordinário ou heróico”.
Convoco todas as mulheres, neste dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a reivindicarem seus direitos violados, a lutarem pela igualdade de condições de oportunidades de trabalho, independente da cor de sua pele.
Finalmente, como observa Neuza Alves, “que todos abracem a causa da abolição do racismo, sob qualquer forma, e que promovam a cidadania, a solidariedade entre os seres humanos e a justiça social”.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub).*
Nenhum comentário:
Postar um comentário