por Carlos Pompe*
Naturalmente, durante a gestação e a amamentação a fêmea de qualquer mamífero vive situações de desvantagens em relação ao macho, tanto no que diz respeito à busca de alimentação quanto na autodefesa num ambiente hostil. Num escrito de 1969, Isaac Asimov, abordando o que seria a sociedade em 10 mil antes de Cristo, aventa que o sexo e algum tipo de status provavelmente levavam a que o caçador primitivo cuidasse da mulher, em especial nos períodos de gravidez e, depois, da mãe e do recém-nascido. E aponta que, já nesse período, a mulher ficava em desvantagem, pois trocar sexo por alimento era “um acordo terrivelmente injusto, pois uma das partes pode rompê-lo impunemente e a outra, não”. Daí ele argumenta que, por razões fisiológicas, “a união original entre homens e mulheres era estritamente desigual, com o homem no papel do amo e a mulher no papel da escrava.”
Quando a humanidade chega à história escrita, essa divisão estava consolidada. Mire o exemplo das mulheres de Atenas: eram inferiorizadas e sem direitos, como mostra a canção do Chico Buarque e Augusto Boal. Na Bíblia, não faltam exemplos de destrato da mulher pelo homem, inclusive no Novo Testamento. Note-se os modos de Jesus com a mãe, aos 12 anos, em Lucas 2: 41-52, quando, após três dias desaparecido, os pais o encontram conversando com doutores no Templo. A mãe pergunta-lhe por que fez sumiu sem avisar, e o pivete rebate: “Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?” Os pais ficaram sem entender o que o garoto acabava de lhes dizer, registra o evangelista. Ou veja-se o desdém com que a trata, já na cruz: “Jesus viu a mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava. Então disse à mãe: ‘Mulher, eis aí o seu filho”. Depois disse ao discípulo: ‘Eis aí a sua mãe’. (João 19: 25-27). Falasse eu assim com minha mãe (inclusive o descaso de chamá-la “mulher” e não “mãe”), e levaria um safanão – “Foi pra isso que te criei, filho ingrato?”, diria dona Anita.
A submissão da mulher ao homem também está na carta de Paulo aos Efésios, considerada pela Igreja Católica como “a carta do mistério da Igreja”. Assim está escrito: “Mulheres, sejam submissas a seus maridos, como ao Senhor. De fato, o marido é a cabeça da sua esposa, assim como Cristo, salvador do Corpo, é a cabeça da Igreja. E assim como a Igreja está submissa a Cristo, assim também as mulheres sejam submissas em tudo a seus maridos” (5: 22-24).
Coisas do passado? Nem tanto. É claro que as mulheres obtiveram avanços em coisas que, embora recentes, hoje, parecem triviais, como o direito de votar e se candidatar. E a violência contra elas, mesmo longe de ter acabado, tem sido inibida em vários países. No Brasil, temos a Lei Maria da Penha, que penaliza autores de brutalidades contra as mulheres, mas mesmo esta legislação ainda é contestada, inclusive por juízes. No início do passado mês de fevereiro, por apenas um voto de diferença, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que lesões corporais leves praticadas contra a mulher no âmbito familiar também constituem delito de ação penal pública incondicionada. Dois juízes não aceitaram essa interpretação, mas felizmente três votaram pela decisão.
As mulheres caminham para a igualdade? Os fatores físicos que, lá na pré-história, na visão de Asimov, teriam levado à supremacia masculina, continuam presentes. A maioria dos homens continua sendo mais forte e tendo estatura maior que as mulheres e estas mantêm a exclusividade da gestação. Porém, os avanços científicos permitiram que mesmo os trabalhos mais pesados já não exijam músculos, mas maquinarias, o que põe abaixo a primeira “vantagem” masculina. E apesar da reação conservadora e religiosa, já se desenha a possibilidade da gestação ocorrer fora do corpo da mulher. O sexo, em especial depois dos métodos anticonceptivos, foi desvinculado da procriação.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento social já colocou para a humanidade um problema que ela pode resolver: relações sociais e econômicas que sejam de cooperação, e não de exploração. Porque a sociedade dividida em classes – exploradoras e exploradas – existe há milênios, mas não é eterna e estão dadas as condições objetivas, de produtividade, para ser substituída por um mundo novo, sem burgueses e proletários e sem, também, as proletárias dos proletários. Como antecipam Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto do Partido Comunista, em substituição à sociedade dividida “com as suas classes e os seus antagonismos de classe, surgirá uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um será a condição do livre desenvolvimento de todos”. A luta emancipacionista de mulher integra e dá força à luta da humanidade por sua própria emancipação.
*Carlos Pompe, Jornalista e Curioso do mundo.
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