Nenhum espaço


Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br
Os ruídos e tensões que acontecem em algumas cidades brasileiras, mas principalmente em Salvador, durante o carnaval, continuaram este ano, sem emitir sinais de que as instituições negras estejam avançando na direção da superação de manipulações e controles.

Talvez saibamos muito sobre o carnaval e pouco sobre nós mesmos. E por essa razão artigos e debates não conseguem alcançar uma perspectiva que permita discernir o que convém, neste momento, a uma população que precisa se organizar politicamente para enfrentar a exclusão e o racismo.

O tema da co-responsabilidade, ou seja, do equívoco de muitas de nossas práticas, mal aflora ainda nas discussões. Afinal, qual a nossa contribuição ao êxito de Zombalino, rei da Kizomba, personagem ‘incorporado’ por um grotesco palhaço fantasiado de africano, em cima do caminhão de conhecido bloco de trio?

O rei da Kizomba, em trajes africanos e empunhando um cetro, zombava impunemente da massa negra. O carnaval mostrou mais uma vez como somos débeis e impotentes para enfrentar a mentira, o escárnio e a força dos poderosos. A “homenagem” aos blocos afros em Salvador acabou se transformando numa expressão de sua dominação quase total.

Uma significativa doação governamental aos blocos afros e afoxés poderia reverter essa expressão ideológica da dominação racial? Não creio. Se nossa luta é por emancipação política, nenhuma doação governamental será suficiente para assegurar a coesão e nossa capacidade de ação, que é afinal o que decide no jogo político. Precisamos fazer a nossa parte. Que começa por não esquecermos que a questão racial é, antes de tudo, uma questão política.

Nossa atual perplexidade, no carnaval e fora dele, parece relacionada ao fato de que não compreendemos bem os termos em que se dá a luta política. Se um evento da magnitude do carnaval em Salvador pode ajudar a desnudar os mecanismos de dominação da população negra, porque os blocos afros e os afoxés, que reúnem milhares de filiados, não aprofundam esse debate político nos bairros populares?

O que nos impede de reunir forças suficientes para deslanchar o debate político e bloquear práticas desumanizadoras? Se essa mobilização não for ao menos tentada ao longo do ano, de que modo a massa negra vai poder diferenciar no carnaval a homenagem do escárnio? Por que aqueles que dominam iriam eximir-se do exercício de seu poder durante o carnaval? É em nome dessa coerência que os brancos (ou pardos que se vêem brancos, como é o caso de Durval Lélis e tantos outros) desfilam uma África às avessas. Não se pode deixar nenhum espaço à luta pela liberdade.

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