A própria natureza do direito está sendo alterada nos últimos tempos, e essa alteração implica, também, uma necessidade de alteração no modo de atuação dos profissionais jurídicos, que, agora, não podem mais se pautar apenas pela lei, pela doutrina jurídica e pela jurisprudência ao aconselhar seus clientes sobre que decisões são as melhores, não apenas financeiramente, mas também em termos éticos
As sociedades desenvolvidas ou em processo de desenvolvimento têm passado por profundas transformações, fruto da globalização e do acesso instantâneo à informação, que criaram uma nova pauta de valores, tais como a dignidade da pessoa humana, a necessidade de preservação das condições de vida para as gerações futuras, a transparência no governo de estados e empresas e a responsabilidade social e ambiental do capital. Tal mudança tem modificado profundamente o direito, ganhando importância uma forma de regulação jurídica até então periférica: a autorregulação. Cada vez mais, empresas e setores da atividade econômica têm elaborado normas jurídicas para si próprios.
Isso representa um grande problema para o direito, uma vez que os cursos jurídicos concentram a formação dos futuros bacharéis em meios de se lidar com litígios que envolvem diretamente o Estado e que se baseiam na ideia de monopólio da regulação jurídica pela via clássica do Legislativo e do Judiciário, tendo pouca importância em seus currículos o desenvolvimento de uma mentalidade não-litigiosa ou a valorização de fontes não estatais do direito.
Uma segunda característica dessas novas sociedades é o aumento da consciência da interconexão das decisões tomadas em um âmbito com os demais âmbitos sociais, sobretudo aqueles cujos bens não podem ser mensurados de forma estritamente econômico-financeira. Em consequência disso, a ideia de que os fins justificam os meios tem cada vez menos guarida nessas sociedades, aumentando-se a percepção de que o processo de tomada de decisões no mundo empresarial envolve dilemas éticos.
Ligado a esse movimento mundial, começou a se desenvolver a Business Ethics, que estuda os princípios e as consequências éticas que desempenham papel importante no ambiente dos negócios, e que ganhou relevância desde o escândalo da Enron, que conduziu à elaboração da Lei Sarbanes-Oxley, em 2002. Questões de responsabilidade social das empresas, de relações assimétricas entre elas (ofertas hostis, espionagem industrial, concorrência desleal), de governança corporativa, de relações entre os empregados, direção e clientes de uma empresa, de consequências dos impactos ambientais da atividade empresarial e até questões sobre a redução de erro médico em clínicas e hospitais e o comércio realizado nos níveis de ensino fundamental e médio são questões com as quais lida a Business Ethics.
Ela surge em um contexto em que a pura eficiência econômico-financeira não é mais suficiente, por si só, para determinar o sucesso de uma atividade empresarial, um contexto em que os valores éticos desempenham um papel regulativo tão importante quanto a sustentabilidade financeira, a ponto de redefinir a própria estrutura do capital.
Uma prova disso é a criação, em 2005, pela Bovespa, do índice de sustentabilidade empresarial, que alia critérios econômico-financeiros a critérios de responsabilidade social e ambiental (três elementos que compõem a chamada triple bottom line) e de governança corporativa.
As questões abordadas pela Business Ethics envolvem vários ramos tradicionais do direito. A novidade está em que a Business Ethics propõe uma forma renovada de se abordarem essas questões. A primeira novidade é que pretende encontrar resposta para essas questões aliando uma visão holística a princípios éticos. Cada ramo do direito estuda os problemas que lhes são submetidos de modo analítico, o que implica desconsiderar as repercussões de uma decisão tomada em um determinado âmbito para os demais âmbitos do direito e para os demais aspectos e dimensões da vida e da cultura de uma empresa.
A Business Ethics, ao contrário, pretende estudá-los sem isolá-los das demais questões jurídicas ou da cultura administrativa de uma empresa ou do contexto mais amplo da sociedade. Além disso, enquanto os ramos isolados do direito permitem uma abordagem em termos estritamente legais, sem se considerar as implicações éticas das decisões tomadas, a Business Ethics entende que os princípios e valores éticos são tão normativos quanto as normas jurídicas estatais, na medida em que desempenham um papel estruturante na autoimagem e na cultura de uma empresa e que correspondem a um anseio legítimo da sociedade que não pode mais ser contido por chicanas.
Uma segunda diferença é que, enquanto os ramos do direito pretendem resolver as questões que lhes são submetidas recorrendo a uma regulação jurídica externa ao ambiente da empresa, geralmente estatal, a Business Ethics o faz privilegiando a autonomia da empresa, ou seja, elaborando códigos de conduta internos às empresas e desenvolvendo comitês, conselhos e ouvidorias capazes se supervisionar a aplicação desses códigos pelas próprias empresas.
Pode-se pensar que, ao desenvolverem atividades dessa natureza, os escritórios podem estar deixando de exercer atividade inerente à advocacia. Os que afirmam isso não percebem, no entanto, que é a própria natureza do direito que está sendo alterada nos últimos tempos, e que essa alteração implica, também, uma necessidade de alteração no modo de atuação dos profissionais jurídicos, que, agora, não podem mais se pautar apenas pela lei, pela doutrina jurídica e pela jurisprudência ao aconselhar seus clientes sobre que decisões são as melhores, não apenas financeiramente, mas também em termos éticos. E essas exigências dos novos tempos parecem ser irreversíveis.
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