Dignidade como meta

O futuro só chega ao presente pela luta de cidadãos e grupos esclarecidos
Haroldo Vinagre Brasil - Engenheiro, professor universitário

A comemoração dos 40 anos da morte de Martin Luther King coincide com a eleição do negro Barack Hussein Obama Jr. para a Presidência dos Estados Unidos. No seu livro Stride toward freedom (Caminhada rumo à liberdade), ele afirmava que “justiça adiada é justiça negada”, preconizando com isso que a consumação da justiça só se esgota na sua realização efetiva. Essa, por sua vez, é sempre fruto de uma caminhada histórica de amadurecimento das consciências, pelo esforço continuado da comunidade, o que implica sacrifícios e até morte de alguns líderes esclarecidos. Foi o que ocorreu com Luther King, ao declarar em vários discursos a possibilidade de seu assassinato, tendo em vista que suas ideias estavam a anos-luz da consciência possível de seus concidadãos.
Lucien Goldmann, em vários estudos sociológicos, nos alertou para o fato de que a consciência real dos grupos e das nações em uma determinada fase histórica tem um limite de aceitação do novo que, para ser ultrapassado, exige a ação contingente de líderes esclarecidos. Espécie de catalizadores do futuro, que na reação química do processo histórico, fazem a humanidade caminhar no sentido da solidariedade humana. Pagam um preço por isso, e aí estão as vidas de Cristo, Sócrates, Ghandi e o próprio Luther King para provar que isso é verdade. Evitar que a justiça tarde, e, portanto, seja postergada e negada para os discriminados da sociedade, cobra muitas vezes o preço do sangue desses líderes, no altar de seus ideais.
Há sempre um buraco separando os princípios consignados na Declaração dos Direitos Humanos (10/12/1948), tal como registrados no papel, e sua efetiva realização. O futuro só chega ao presente pela luta ingente de homens, mulheres e grupos esclarecidos. E tanto mais rápido quanto a profundidade das crises fazem com que os beneficiados pelo status quo passem a preferir perder os anéis a ter os dedos decepados.
No Brasil, estamos adiando há 500 anos a inclusão efetiva das massas nesses tão badalados direitos humanos. O bloqueio aos necessários avanços em direção a uma sociedade republicana, em que o bem comum se sobreponha aos privilégios individuais das elites, está, principalmente, nas instituições do Estado. No Judiciário inepto, elitista e postergador, no Congresso Nacional corrupto e ineficiente e no próprio Executivo, cuja cúpula só trabalha para si mesmo, negociando a costura dos privilégios com os dois outros poderes e o setor privado das grandes empresas. A certa altura, Luther King declarou-se quase submerso em um sentimento de impotência face à implantação de seus ideais igualitários. Mas também tinha a visão de que no futuro os negros emprestariam à civilização uma significação e uma dignidade novas. Estava certo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Haroldo, o que você escreveu e que eu li por acaso, pois nunca tinha acessado este site, eu teria escrito se tivesse a tua capacidade.