Geraldo Magela Teixeira - Reitor do Centro Universitário UNA
Não sei se as anunciadas mudanças na forma de ingresso dos brasileiros no ensino público superior serão implantadas este ano, como tanto deseja o ministro da Educação, Fernando Haddad. As universidades, em geral, são refratárias a mudanças, mas desta vez foi surpreendente o nível de aceitação com relação a substituição do vestibular pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como também surpreendeu a prudência com que a maioria dos reitores resiste ao assodamento do ministro ao ir soltando as mudanças em conta-gotas e a tentativa de implantá-las imediatamente. A educação brasileira já deve muito a este jovem e talentoso ministro, mas, no se que refere a uma mudança tão radical e traumática, a pressa é injustificável, a não ser que as coisas estejam sendo atreladas a um calendário eleitoral.
A substituição do vestibular de cada universidade por uma prova nacional única, aproveitando a experiência do Enem, melhorando-o e tornando-o mais abrangente, é um passo decisivo na tumultuada trajetória da forma de ingresso no ensino superior. Com efeito, a história do vestibular começou com as vagas sendo distribuídas a uma elite restrita ou por ela compradas. Em 1911, foram introduzidas as bancas com exames orais e, em 1925, começaram a ser fixadas as vagas por curso. Na década de 1940, foram-se introduzindo as provas escritas, inicialmente feitas por área de conhecimento, implantando-se finalmente o vestibular, cobrindo as oito disciplinas básicas do ensino médio. Dado o crescente número de candidatos, as provas passaram a ser eliminatórias. Os alunos eram aproveitados no limite das vagas estabelecidas para cada curso, o que gerou, na década de 1950, um contingente explosivo de excedentes, a grande massa de manobra da União Nacional dos Estudantes (UNE). Eram candidatos que passavam, obtinham médias satisfatórias, mas não havia vagas para eles. O movimento dos excedentes assumiu proporções gigantescas, tomou as ruas, levando a ditadura militar, já em 1964, a implantar uma solução simplista, que vige até hoje. Se o problema são os excedentes, acabemos com eles estabelecendo, em lugar do vestibular totalmente classificatório, uma seleção eliminatória. Preenchidas as vagas, os restantes simplesmente não passaram, embora com notas a centésimos de distância do felizardo matriculado na última vaga. A sociedade foi aos poucos aceitando essa nova realidade, inclusive porque cresceu a rede particular e os que não se matriculam na rede pública acabam encontrando espaço em universidades particulares que foram surgindo.
A proposta do ministério me sugere algumas reflexões: 1) a unificação das provas realizadas em nível nacional nos mesmos dias e horários, com o candidato concorrendo a uma vaga em qualquer universidade brasileira, libera os mais preparados para a melhor escolha, sem precisar de fazer uma maratona de provas. Se os candidatos do Sudeste tomarem as vagas dos candidatos do Norte e Nordeste, que se melhore o ensino médio por lá, para que se inverta a situação; 2) para que a nova prova tenha impacto no ensino médio, será necessário que ela meça não apenas “competências gerais”, mas também conhecimento aprofundado das disciplinas. O conhecimento não pode ser substituído pela capacidade de resolver os problemas. Ele é cumulativo, nem sempre pode ser substituído por brilhantes instituições; 3) creio que um dia o novo Enem há de fixar uma nota mínima para que o candidato possa ingressar na universidade. Isto, sim, vai impactar definitivamente no ensino médio. Antes que cheguemos a tanto, longa vida para os cursinhos, que passarão de pré-vestibulares para pré-Enems.
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