Beto Novaes/EM/D. A Press - 30/3/09 | | Longe da música e do meio artístico, Laércio se retirou para Taquaraçu nos anos 1980, onde trabalhou como servente de pedreiro para sobreviver | Um dos melhores discos instrumentais feitos em Minas Gerais nos últimos anos será lançado em breve por uma figura que está absolutamente afastada da cena musical de Belo Horizonte. Foram gravadas mês passado no estúdio Bemol, na capital mineira, as nove faixas de Carnaval atmosférico, primeiro disco do baterista veterano Laércio Vilar, de 63 anos, com previsão de lançamento para julho. Impregnado de referências jazzísticas de primeira – Weather Report e John Coltrane, para ficar nas mais evidentes –, o álbum reúne temas autorais do músico mineiro interpretados por ele e craques e novatos do jazz da cidade, sob a bênção do free jazz.
Autodidata, Laércio, que nasceu em Belo Horizonte, aprendeu a tocar observando bateristas de festas no Bairro Caiçara, onde passou a infância e a juventude. Seus modelos foram Chuca Chuca e Bié Prata. Tocou muito nos carnavais de rua e bailes em clubes da cidade. Aos 15 anos, já levava para casa o dinheiro que ganhava com música. Só conseguiu comprar a própria bateria aos 17, usada. Integrou grupos e orquestras que tocaram em locais como a Casa do Baile, Montanhês, Automóvel Clube, Cabaré Mineiro, Churrascaria El Rancho e Labareda.
Nos anos 1970, começou a ouvir bateristas como Elvin Jones, Gene Kruppa, Buddy Rich e Max Roach, que ajudaram a elevar o status do instrumento. “Comecei a me reconhecer como instrumentista. Aí me deu a vontade de colocar a bateria na frente e tocar o free jazz”, diz. No início dos anos 1980, chegou a tocar no Palácio das Artes acompanhado não apenas por baixo e guitarra, mas também por um pintor, dançarinos e um poeta. A atitude vanguardista o fez vítima de preconceito, mas também lhe deu discípulos como Neném, Lincoln Cheib e André “Limão” Queiroz.
Laércio mora desde o início dos anos 1980 no pequeno vilarejo de Taquaraçu, próximo a Moeda, a 65 quilômetros de Belo Horizonte. Mudou-se para lá depois da morte do pai. “Com a herança, não conseguiria comprar um lote nem na última periferia de BH”, diz. Foi viver com a companheira, Nívea, na casa da sogra e com muito sacrifício ergueu com as próprias mãos a casa em que mora hoje. Com o tempo, as oportunidades de shows foram minguando e logo a experiência acumulada nos bares da vida mandou para ele a conta: “De 2003 para cá, tive problemas de pressão, coração, artrite. Rebordosa da noite, muita madrugada, bebida, aquela sopa geral da qual não tinha como escapar”.
Isolado (em Taquaraçu há um único telefone, coletivo) e doente, o baterista, que tocou com Marilton Borges, Pacífico Mascarenhas, Célio Balona, Túlio Silva e a banda Vera Cruz, entre outros, caiu no esquecimento. “Nesse tempo, fiz umas gambiarras, pois o negócio apertou muito. Trabalhei de pedreiro, servente, capinando, furando buraco. Tudo para não deixar a peteca cair. Ainda faço gambiarras para salvar o dia”, diz. A situação só começou a mudar quando Laércio se encontrou com os músicos Ricardo Cheib e Rai Medrado, que, para sua surpresa, haviam inscrito na lei municipal de incentivo à cultura projeto para produzir seu primeiro disco.
“O Laércio foi um dos meus primeiros professores de bateria. Depois que ele sumiu, sempre ouvi as pessoas dizendo que queriam resgatá-lo, gravar disco com ele. Passei anos ouvindo essa lorota. Como gravei meus dois CDs com lei de incentivo, pensei: ‘Cadê o Laércio?’. Esse projeto não é só de resgate dele como músico, pois está precisando cuidar da saúde, para entrar na briga de novo. Um músico do nível dele não pode passar batido”, afirma Rai. Para o disco ficar pronto, só falta a capa, que está sendo feita pelo artista plástico Caio Machado. Há possibilidade de que tenha pré-lançamento no festival de inverno de Ouro Preto deste ano. Ele também vai inscrever na Lei Rouanet projeto para viabilizar a turnê nacional do álbum, ano que vem. |
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