Marina da Silva |
Geógrafa |
A mais recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que as mulheres brasileiras temem mais a violência doméstica (agressões físicas e/ou psicológicas, mortes) do que um câncer ou mesmo a Aids. A prática de violência contra mulheres mancha a história da humanidade, mas ganhou caráter de ferocidade inigualável no mundo contemporâneo. Em todos os continentes, elas são vítimas dos mais variados tipo de violência: sexual, física, psicológica, econômica, cultural, religiosa, moral. Convivem com o medo, terror, vergonha e o silêncio. O fenômeno atual é tão preocupante que virou meta deste milênio na ação mundial da organização não-governamental Unite to End Violence Against Women.
No Brasil, desde meados de 2008, são colhidas assinaturas na campanha Homens unidos pelo fim da violência contra as mulheres. O engajamento até o momento é anêmico (estou sendo boazinha) quase um ano de campanha e apenas 39.992 assinaturas. Artistas, jornalistas, políticos, empresários, administradores do país, estados e municípios vêm a público assumir o compromisso de implementar políticas públicas em defesa dos direitos das mulheres, fim da violência contra as mesmas e fazer valer a Lei 11.340/06 conhecida por Lei Maria da Penha. %u201CO objetivo da campanha nacional é a mobilização dos homens pelo fim da violência contra as mulheres no país. Ao aderirem à campanha, por meio da coleta assinaturas, os homens se comprometem publicamente a contribuir pela implementação integral da Lei 11.340/06 e pela efetivação de políticas públicas que visam o fim da violência contra as mulheres%u201D.
É assustador o aumento das agressões e dos crimes bárbaros e covardes contra o sexo frágil no país. Rotineiramente, jornais estampam manchetes dando conta que mulheres apareceram mortas %u2013 esquartejadas, estupradas, violentadas, com vísceras expostas e mãos decepadas, enforcadas, decapitadas, esfaqueadas, a pauladas e a pedradas, queimadas e asfixiadas %u2013 com requintes de crueldade, com os corpos jogados em terrenos baldios, em lixões, em lagoas e ribanceiras. A idade não importa: bebês de colo, meninas, garotas, adolescentes, adultas, idosas; esposas, amantes, namoradas, filhas, mães, primas, tias, avós. O sangue faz parte das notícias sobre as atrocidades cometidas contra as mulheres no dia-a-dia. Por que a ação do Estado é tão inócua? Por que a mídia se conforma em apenas constatar o fato, com poucos veículos questionando sobre as causas a falta de proteção do Estado às mulheres? Por que tanta impunidade, tanto nas grandes como nas pequenas cidades?
O medo e vergonha silenciam as sobreviventes. A falta de punição dá força aos agressores e muitos acham justificativas para seus atos: matam por amor, ciúmes, excesso de bebidas, drogas, dogmas religiosos; perdem a cabeça por não querer pagar pensão alimentícia; não aceitam a separação, sustentando a superioridade e a força masculina. Muitas das %u201Crazões%u201D apresentadas ao delegado são grotescas: %u201Cela deixou dar baba no quiabo%u201D, %u201Cestourou a gema do ovo frito%u201D, %u201Cela se acha mais importante por ganhar mais do que eu%u201D, %u201Ctraiu-me com outro%u201D, %u201Cnão passa de uma mulher%u201D, %u201Csão inferiores%u201D etc. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 46% das mulheres assassinadas são vítimas do marido, namorado, parceiro de momento ou ex. Pelo menos uma em cada três apanha, é violentada ou forçada a manter relações sexuais em algum momento de sua vida.
Pode-se justificar essa monstruosidade? Onde está a devida e efetiva proteção constitucional do Estado às mulheres? Elas morrem aos montes e tudo fica por isso mesmo? Que pacto é esse? Que cumplicidade abjeta é essa? De acordo com o IBGE, 70% dos crimes contra mulheres ocorrem dentro de casa; que a cada minuto quatro mulheres são espancadas pelo homem com quem mantém ou manteve uma relação afetiva; e que a cada 15 segundos uma sofre violência doméstica ou familiar.
Bandidos estão nos jornais, revistas, TVs, internet, e alguns viram enredos de filmes, livros, novelas, e ninguém fala nada. Caso fosse possível medir o grau de cultura, civilização e humanização das pessoas pela forma como o homem trata as mulheres, é possível deduzir que sequer atingimos a pré-história. Urge um mutirão para que a banalização desses atos absurdos não se instale de vez em nossa sociedade. Parafraseando Karl Marx: mulheres de todo o mundo, uni-vos! E rápido!
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