Moral e ética

Sócrates percebeu que o corpo humano difere do homem

João de Freitas -Professor universitário, escritor


Adquire-se moral na família (educação do berço), na escola, quando continua o lar, e, na sociedade, com seus costumes, tradição, leis jurídicas vigentes. Entre as características dos tempos modernos está a turbulência nas fontes da moralidade. Deus louvado, meus professores de medicina eram vultos imorredouros da ciência médica, cânones do profissional honesto e responsável, com o amor no coração e a competência nas substâncias nervosas encefálicas. Certa vez, perguntei a sabedor da filosofia onde encontrar conhecimento sobre o que sou. Resposta imediata: vá à Grécia, Atenas, século 5 a.C., de Sócrates, mestre que fundou a filosofia e a ética, esquecidas ou distorcidas pela posteridade. Falta-nos DNA para identificá-las dentro da balbúrdia da cultura ocidental contemporânea.

Sócrates percebeu que o corpo humano difere do homem. Porventura, alguém admite corpo humano procurando saber por que o céu é azul, o que vai fazer o ar que lhe entra pelo nariz, e o que pretende a raiz ao adentrar no solo? Por acaso alguém aceita que o corpo humano seja capaz de admirar a beleza da flor e, ao mesmo tempo, temer a maldade da morte? É certo que corpo humano significa um e homem (varão e varoa) significa outro. Sócrates avançou: corpo humano, o que o homem tem, não o que o homem é. Consequência saliente desse achado socrático está na verificação de que toda diferença entre homem (varão) e mulher (varoa) está no nível do corpo (soma) que eles têm, não no nível da alma (psyché), que eles são: masculino e feminino são o corpo, não o homem. Portanto, varão e mulher estão na mesmíssima altura de dignidade.

Um flash da genialidade de Sócrates vem logo em seguida, quando funda a filosofia e a ética: vemos o corpo humano quando olhamos para o homem, ao revés de vermos o homem quando olhamos para o corpo humano, porque esse corpo se comporta de acordo com o que ele é, não de acordo com o que é o homem. A ética aparece, qual claridade do amanhecer, para impor ao corpo humano o comportamento segundo o que o homem é. Agora, se olho para meu corpo, vejo-me, sou consciente de mim e feliz comigo. Isso é a vida propriamente dita, que temos em comum com Deus. O que se tem chamado vida é a vida biológica, que temos em comum com os animais (nascer, respirar, nutrir-se, crescer, desenvolver, reproduzir, envelhecer, morrer).

Repare-se, moral, honestidade exprime conduta conforme os costumes, a tradição, as leis jurídicas vigentes. Ética, eticidade, virtude, sabedoria expressam procedimento em conformidade com o que somos. Ao chamar o médico, na prática do aborto de aético, afirmo que ignora a pessoa que ele e seus pacientes (gestante e concepto) são, e que sua atitude tem a singeleza de criança inocente: trata-se de corpo humano feminino, que conheço, cujo problema é um útero grávido, ou seja, útero cheio, que sei como esvaziar.

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