Portugal abriu uma votação para eleger as sete "maravilhas" portuguesas no mundo. Entre os 27 sítios que estão concorrendo na votação, estão algumas maravilhas como o forte Elmina em Ghana (forte escravagista), Luanda (porto escravagista), Cabo Verde (porto escravagista), etc. alguns deles já mapeados e tombados pela UNESCO como patrimônio do tráfico atlântico de escravos.
Por exemplo, o forte Elmina foi construído em 1482 para fazer ali o comércio de escravos, hoje abriga um museu onde os visitantes são convidados a visitar as celas onde os Africanos ficavam confinados antes de serem enviados para as Américas. No sítio da votação, encontra-se uma longa descrição do forte e nem sequer uma linha, uma palavra mencionando o tráfico de africanos escravizados.
Pior ainda, essa vergonha é patrocinada pelo governo, pelos ministérios da cultura e da des-educação e pela Universidade de Coimbra. Nojo.
É como se Auschwitz participasse em uma eleição das sete maravilhas alemãs no mundo.
Agora, uma carta de Gerhard Seibert, professor do Instituto de Investigação Científica Tropical, de Lisboa, e pesquisador da escravidão, ao Le Monde Diplomatique, edição portuguesa:
Ex.mo Senhor Director,
Há pouco um historiador jamaicano disse-me que acreditava que os portugueses queriam fazer crer que não tinham nada a ver com a escravatura e o tráfico de escravos. Esta opinião parece generalizada, contudo, corroborada pelo concurso mediático as 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo na Internet. O concurso realizado pela New 7 Wonders Portugal e tem como essência dar a conhecer monumentos que são pouco conhecidos.
A lista das 27 Maravilhas, submetidas à votação do publico até Junho, integra também monumentos e sítios em África que estão estreitamente ligados à história do tráfico de escravos durante os séculos XV a XIX (Cidade Velha de Santiago, Fortaleza de São Jorge de Mina, Luanda, Ilha de Moçambique).
Contudo, a apresentação destes sítios no site do concurso nega completamente esta parte da história, como se estes não tivessem tido nada a ver com o tráfico negreiro. De facto, o contrário da verdade.
Desde a sua construção em 1482 a fortaleza de São Jorge de Mina (Elmina) era um centro de tráfico regional de escravos com o Reino do Benim. Os portugueses mantiveram o tráfico negreiro na Mina directamente com o Reino do Benim até 1519 e a partir desta data através da ilha de São Tomé no Golfo da Guiné.
Apesar destes factos históricos, a apresentação da fortaleza no site apaga esta história afirmando erradamente que o tráfico de escravos tinha começado apenas com os holandeses que ocuparam a fortaleza de São Jorge de Mina, em 1637.
A Cidade Velha (Ribeira Grande), Ilha de Santiago, Cabo Verde, era um entreposto de tráfico de escravos entre os Rios da Guiné e a Europa, e mais tarde as Américas. Cabo Verde era uma sociedade esclavagista em que 80 por cento dos habitantes era de escravos africanos (1582). Toda a economia da Ribeira Grande estava organizada em torno do tráfico de escravos. Por esta razão, o declínio económico e a degradação da cidade começou em 1647, quando esta perdeu o monopólio do tráfico de escravos. Também Luanda era um importante porto de embarque de escravos. Perto de Luanda existe desde 1997 um Museu Nacional de Escravatura em memória do tráfico de escravos ocorrido em terras angolanas, dos séculos XV a XIX. A Ilha de Moçambique era um importante centro do tráfico negreiro no Índico.
A importância destes sítios para o tráfico de escravos é bem conhecida. Todos aparecem também em lugares de Memória da Escravatura e do Tráfico Negreiro, uma publicação do Comité Português de «A Rota de Escravos»,da UNESCO.
Posto isto, pergunto-me se é possível separar a arquitectura dos monumentos da sua função contemporânea e parte crucial da sua história elegendo-os como Maravilhas que "constituem expressão de forma impar como os Portugueses se inseriram em terras e comunidades muito diversificadas do ponto de vista étnico, cultural, linguístico e religioso" (Texto de António Vitorino (PS), o comissário do concurso, no site do concurso).A omissão, negação e manipulação de episódios indesejáveis da história é uma prática frequente em regimes totalitários. Não se entende que 35 anos depois do 25 de Abril se recorra, em Portugal, a estes métodos de negacionismo apagando de propósito parte da história da expansionista marítima portuguesa. O facto que o concurso tem o patrocínio da Presidência da Republica, o apoio do Ministério da Cultura, Ministério da Educação, Instituto Camões e da Universidade de Coimbra e, além disso, conta com media partners como os jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias, sugere que uma parte da elite intelectual e política portuguesa partilha uma tal percepção selectiva da história do seu país.
O governo de José Sócrates quer estabelecer em Lisboa um centro cultural africano para reforçar a ideia que Portugal ser uma ponte privilegiada entre Europa e Ãfrica. Internacionalmente, sobretudo no continente africano, esta pretençã teria muito mais credibilidade, se Portugal assumisse toda a sua história em relação a África e aos africanos, sem apagar a sua participação no tráfico de escravos.
Com os meus melhores cumprimentos
Gerhard Seibert
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