Menos raça, mais empregos


Lucas Mendes em ilustração de Baptistão

Quando fui entrevistar o professor William Wilson em Boston ele interrompeu um memo que escrevia para a Casa Branca.

O professor já tinha trabalhado para o presidente Clinton, que respondia suas recomendações com comentários pertinentes, escritos à mão. O homem parecia entender de tudo, diz ele.

William Wilson, autor do recém-lançado More Than Just Race, conheceu Obama há mais ou menos dez anos, quando ouviu uma apresentação dele e pensou: "Que pena, um jovem tão eloquente e preparado poderia ir longe se não fosse pobre e negro vivendo num gueto".

Wilson, também negro, era - e ainda é - um pessimista sobre o futuro dos negros urbanos e pobres.

William J. Wilson já foi chamado de maior sociólogo do país, foi presidente da associação dos sociólogos americanos e tem uma coleção de prêmios e títulos que não cabem nesta coluna. Quando perguntei a ele como deveria apresentá-lo, sugeriu que professor de sociologia de Harvard bastava.

A vida acadêmica dele e seus prêmios vieram de suas pesquisas e textos sobre os negros pobres das cidades. Seu Declining Significance of Race, um de seus quatro livros e o mais polêmico, levou chumbo de republicanos e de liberais radicais.

Em resumo, o professor concluiu depois de uma pesquisa no "South Side of Chicago", a área negra e pobre de uma das cidades mais segregadas do país, que a questão da discriminação racial perdia importância. Educação e emprego eram fatores mais decisivos para tirar os pobres dos guetos, das drogas e do crime.

Quando as indústrias e as fábricas das cidades, a partir da década de 70, foram substituídas pelo computador e pela economia de serviços, o desemprego explodiu nos guetos negros. Na mesma época chegaram as drogas. Para filhos de mães solteiras e desempregadas, o tráfico e o crack eram os caminhos para escapar da miséria e do tédio.

Ao mesmo tempo, os movimentos sindicais perderam a força, os salários mínimos perderam impulso e uma nova política monetária, de combate à inflação, passou a ser mais importante do que gerar empregos.

Há semelhanças entre a discriminação racial e as pobrezas urbanas do Brasil e dos Estados Unidos, mas há diferenças grandes nas origens das misérias urbanas dos dois países.

O governo federal, como o nosso, financiou programas habitacionais, mas os bancos não emprestavam para os pobres. O monumental plano rodoviário, a partir da década de 50, em várias cidades, construiu auto-estradas separando os ricos e a classe média dos negros. Eram planos que favoreciam as indústrias de carros e petróleo, produtos fora do alcance dos pobres.

Na equação do professor Wilson há mais de uma incógnita. O presidente Obama e sua mulher Michelle sairam justamente da área onde ele concentrou a pesquisa e concluiu que os pobres tinham cada vez menos chances de vencer.

Ele explica que negros que vieram de classe média, como Obama (que ele nunca imaginou presidente), ou tiveram uma base de sustentação familiar como Michelle - pai e mãe presentes, afetuosos e disciplinados - ou escaparam da miséria pela educação.

Ele se entusiasma quando fala sobre um projeto no Harlem onde um milionário despejou milhões em cima de uma dúzia de quarteirões. Nesta área, as novas escolas com professores bem pagos, turmas menores e currículos mais puxados, as crianças são admitidas por um sistema de loteria. Entram as piores e as melhores do gueto. Em cinco anos estão no mesmo nível e, em algumas matérias, melhores do que as crianças brancas dos subúrbios mais caros do país.

E o memo para o presidente Obama, um negro que ele jamais esperava ver na Casa Branca? "É sobre empregos", disse o professor Wilson.

Ele quer criar um esquema parecido com o New Deal do presidente Roosevelt. O governo Obama emprega a massa pobre com salários um pouco abaixo do mínimo para não competir com a iniciativa privada e financia programas de treinamento para novos empregos.

A vitória de Obama confirma a teoria do professor Wilson que raça é cada vez menos importante, mas abrir os cofres para os pobres são outros quinhentos. Mais fácil é despejar dinheiro em cima dos ricos.

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