A livre expressão do pensamento, especialmente o crítico, e a liberdade de imprensa, escrita, vista e falada, são tão ou mais importantes do que o voto para a afirmação democrática de uma nação. Se não fosse a liberdade de expressão – brutalmente censurada nos governos militares ditatoriais – Collor não teria renunciado, o mensalão seria balela, o dono do castelo manteria os seus vassalos pagos com verba do Congresso, o Senado não estaria se faxinando, o secretário-geral do Senado continuaria no cargo, o exemplo da Camargo Corrêa não estaria alertando os lobistas de todo o Brasil, a dona da Daslu estaria em bons lençóis, em lugar dos 94 anos de prisão, tirando o exagero, aquele deputado cínico manteria sua empregada como assessora. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) restaria intocado, a Universidade Federal de Minas Gerais ficaria indene e assim por diante. É claro que contra os exageros e campanhas dirigidas há o sagrado direito de resposta e elevadas indenizações, já que a honra e a dignidade das pessoas são valores que não podem ser feridos pela liberdade de expressão. Aqui, como nunca, pontifica a exceptio veritatis dos romanos (exceção da verdade). Somos livres para criticar, mas com responsabilidade, sem lançar o dardo além da meta.
Nenhuma autoridade ou instituição, por mais elevada que seja, está imune às críticas. O que levou Richard Nixon a renunciar? Os chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, os três representantes dos poderes republicanos, presentemente, são alvos de críticas, charges e de elogios. A opinião pública acostumou-se a ver esse fenômeno democrático com inteira naturalidade. Mas ainda há mentes covardes e retrógradas, uns não querem ser criticados, outros não ousam criticar, por conveniência, polidez hipócrita, covardia ou conivência. Uns têm telhados de vidro. No plano dos três poderes, só muito recentemente, admitiu-se que o chefe do Judiciário, ou seja, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), se pronunciasse sobre temas candentes, expressando sua opinião sobre nepotismo, fidelidade partidária, anencefalia, estado policial, escutas telefônicas indiscriminadas e outras mazelas que nos enfermam. Acho que por detrás desse puritanismo em torno do Judiciário está o incompreendido ditado de que o juiz “só se pronuncia nos autos”. Ora essa, é óbvio que num processo o juiz não pode prejulgar. Mas em assuntos gerais pode se pronunciar. Eu mesmo, quando juiz federal, me pronunciei sobre o confisco dos depósitos bancários do Collor, em tese, tendo como pano de fundo as alternativas em face da Constituição, sem adiantar como decidiria. Fui alvo de processo interna corporis pelo presidente do tribunal, mas a corte me absolveu por unanimidade. Começava ali uma nova maneira de ser juiz, asseverou o tribunal. Um juiz que divulga relatórios policiais que correm na vara e omite os nomes do PT como destinatários de doações eleitoreiras, caso do De Sanctis, bem que merece sofrer um severo processo punitivo. Juiz não pode ser parte, nem partidário. Seus patrões são a Constituição, as leis, os valores éticos e estruturantes, dispostos no ordo juris. Estes são os limites.
Os atos administrativos, a administração, que os Executivos produzem; os atos legislativos que os poderes deles incumbidos votam ou deixam de votar, são amplamente criticados, merecem encômios ou diatribes, mas, quanto ao mérito das sentenças, acórdãos e votos, parte da nossa intelectualidade acha que as críticas devem ser feitas no silêncio dos livros de doutrina, um mundo ao qual o povo não tem acesso, restrito aos “donos do saber jurídico”, todos postos como semideuses numa redoma de vidro, algo parecido com a autocrítica dos partidos comunistas ou as discussões sigilosas na República de Florença, na Corte dos Médicis, a respeito das opiniões de Galileu Galilei, perseguido pela inquisição. Vi e acolhi, de muito bom grado, as observações do professor Ribas, no canal 40, in fieri, no momento mesmo em que o ministro Marco Aurélio Mello pronunciava seu longo voto sobre a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol. O professor de direito constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro tinha opiniões próprias e as expôs. Ao cabo, o assunto era de interesse de toda a coletividade brasileira. Dou o meu veredicto contra o ditado antidemocrático: “Decisão da Suprema Corte não se discute, cumpre-se”. Não é nada disso. Decisão da Suprema Corte cumpre-se, mas discute-se. É que assim o exige a formação de uma consciência jurídica nacional, com a ajuda de uma imprensa livre e atuante. Nunca o país foi tão democrático, criticou tanto os poderes da República e seus dignitários, agrediu tanto a corrupção, discutiu tanto os interesses da coletividade. Salve a liberdade de imprensa! |
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