As múltiplas falas do hip hop - Entrevista exclusiva com Tânia Ximenes Ferreira


Hip hop e educação: mesma linguagem, múltiplas falas é o título da dissertação de mestrado de Tania Ximenes Ferreira, apresentada na Faculdade de Educação da Unicamp. A pesquisadora mergulhou no movimento hip hop de Campinas para entender se havia crise no grupo. "A crise que atinge o movimento em Campinas pode ser ampliada para outras localidades. Esta crise, porém, deve ser encarada não como caos, mas como risco e oportunidade, possibilidades de se delimitarem novas relações", explica Ximenes. A IHU On-Line entrevistou por e-mail a estudiosa sobre o tema.

IHU On-Line - Quais foram os conflitos no movimento hip hop verificados em sua pesquisa?

Tânia Ximenes Ferreira - Há uma multiplicidade de posicionamentos e propostas entre os hip hoppers, mas o ideário que os norteia é o mesmo. Embora façam parte da mesma manifestação cultural, há peculiaridades. Denominam-se hip hop, mas expressam "múltiplas falas". Há aparente homogeneidade no hip hop: movimento de contestação social, denúncia e protesto, por meio de suas expressões artísticas. No entanto, há hip hoppers que afirmam "não fazer protesto" ou que não consideram todas as expressões do hip hop. Outros estão ligados a diferentes militâncias e outros, ainda, têm interesses exclusivamente financeiros. Enfim, pertencem a um grupo de jovens que compartilha de uma mesma definição de realidade, mas podem expressar múltiplas falas.

IHU On-Line - Qual é o perfil das pessoas que fazem parte do movimento? Quais são as suas falas?

Tânia Ximenes Ferreira - O hip hop é constituído, em sua maioria, por jovens, moradores de periferia e negros. Suas falas são as desigualdades sociais, a violência, a importância da educação, da informação e da politização. Uma característica importante é o compromisso com as modificações sociais.

IHU On-Line - Em que ponto a linguagem é a mesma se levarmos em conta a dança, o desenho e a música?

Tânia Ximenes Ferreira - A linguagem é a mesma se considerarmos a resistência e a ruptura com os padrões impostos pela sociedade. A linguagem sonora resiste quando rompe com a melodia da música legitimada pela sociedade, introduzindo elementos eletrônicos e ruídos como o arranhar do disco. Resiste quando cria jeitos de mexer, de torcer, de pular, de girar e recria passos de dançarinos e de ginastas profissionais. No desenho, a resistência está em fazê-lo colorido com spray nos muros e prédios públicos. Em retratar cenas urbanas, sem domínio de técnicas de pintura, sem moldura. Nas letras, o jeito de falar, rimar, com gírias sem seguir as mesmas regras das poesias.

IHU On-Line - Dá pra dizer que o hip hop é ainda um movimento único e integrado?

Tânia Ximenes Ferreira - Dá para dizer que o hip hop tem se construído em seu contexto ambíguo e que as diferenças permitem seu crescimento. É da tensão entre os grupos que o hip hop se mantém.

IHU On-Line - Quais são as diferenças mais gritantes que a senhora encontrou neste grupo de Campinas?

Tânia Ximenes Ferreira - As diferenças são a parte ativa da identidade, e não algo que descaracterize o hip hop. Os momentos se transformam e incorporam outros modos de luta e de participação. O hip hop hoje não se constituiu com base em uma abordagem exclusivamente contestatória. No entanto, alguns grupos podem ser identificados. Alguns b.boys (dançarinos de break) consideram o rap como expressão do hip hop e não fazem protesto, já que consideram apenas o caráter de festividade. Alguns rappers vêem a proximidade entre os partidos políticos e o hip hop como uma militância única. Outros hip hoppers têm objetivos exclusivamente financeiros. Há ainda grafiteiros que não gostam de rap e militantes do movimento negro que definem o hip hop como ideário apenas de luta racial.

IHU On-Line - O movimento hip hop está passando por uma crise? Dá para dizer que o quadro encontrado em Campinas pode ser ampliado para o País?

Tânia Ximenes Ferreira - A crise que atinge o movimento em Campinas pode ser ampliada para outras localidades. Porém, esta crise deve ser encarada não como caos, mas como risco e oportunidade, possibilidades de se delimitarem novas relações.

IHU On-Line - Qual a importância do hip hop para as comunidades nas quais o movimento se insere?

Tânia Ximenes Ferreira - Os hip hoppers têm desenvolvido atividades ligadas à educação não-formal por meio de oficinas, aulas, palestras, seminários e fóruns que abordam temas de interesse dos jovens moradores de periferia. Estabelecem-se parcerias com a administração municipal ou estadual, ONGs, centros comunitários, associações e escolas públicas. Em alguns locais onde foram desenvolvidas oficinas, os participantes estão sendo os multiplicadores do hip hop, dando continuidade aos projetos de formação de novos hip hoppers.

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