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José María Poirier
Buenos Aires / Temas – "Se nos deixarmos vencer pela droga perdemos liberdade e plenitude, porque todo vício é uma forma de escravidão, o oposto da felicidade", sintetiza monsenhor Jorge Lozano, bispo de Gualeguaychú, em conversa com a revista Ciudad Nueva, quando em nosso país se debate sobre a liberação do consumo. E agrega: "A lei cumpre um papel punitivo e tem também um valor de proposta, de modelo. A liberação poderia conduzir a uma espécie de justificação das condutas viciosas. Outras questões são como ajudar os jovens a sair da droga e aprender a não tratar como delinqüentes aqueles que sofrem o drama do consumo e do vício. Porém, a liberação pode ser um gol contra".
Jorge Lozano é um homem sereno e profundo, preocupado e interessado pelos múltiplos problemas que afetam as pessoas hoje em dia. Trabalha como responsável da área de Laicos Construtores da Sociedade, dependente do Departamento de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-Americano. Mais adiante esclarece que não é um especialista na temática droga, mas que a ação pastoral e a urgência de acompanhar os outros o levam a ter contato com muita gente e, a partir disso, nascem algumas reflexões.
Hoje o que leva os meninos e os adolescentes para a droga?
A vontade de "se sentir bem", quando não é o desespero devido à fome e ao frio nas ruas. Garotos que perambulam por nossas cidades e cheiram cola; adolescentes que querem se desinibir no círculo vicioso de sábado à noite, onde para serem aceitos ou por medo de frustrar o outro sexualmente misturam álcool, drogas e Viagra. Em algumas zonas urbanas e suburbanas é maior o consumo de estimulantes sexuais em adolescentes que em adultos.
O senhor já se referiu ao "paco" em mais de uma ocasião, inclusive em meios jornalísticos.
É um tema gravíssimo. É a "droga-lixo", o que sobra da elaboração da cocaína, o que se varre do chão. Nela se agregam outras coisas, o mais barato, o mais letal e o que provoca estragos entre os garotos mais pobres. Aliás, não existe gasto de transporte, não implica traslado, é vendido nos mesmos lugares. A Argentina tem um dos índices de consumo mais altos da América Latina.
Isto leva a reexaminar as cumplicidades que a droga implica.
A cumplicidade existe e não é um fenômeno de agora, mas de anos. Se as pessoas que andam pelas ruas sabem onde se vende droga, como as autoridades não vão saber? Existe cumplicidade policial e política. A droga movimenta muito dinheiro. Muita gente não quer fazer denúncias porque quando chegam as autoridades os implicados já foram advertidos. Um negócio que explica o fenômeno da lavagem de dinheiro no futebol e o boom imobiliário.
O que a Igreja ou as Igrejas e as comunidades religiosas podem fazer?
O problema tem diferentes níveis. Perseguir as máfias é tarefa do Estado. A droga, junto com o negócio das armas e o tráfico de pessoas, é hoje um dos grandes problemas do mundo. As comunidades religiosas podem colaborar na prevenção e no acompanhamento dos grupos de recuperação, mas, sobretudo no que se refere ao sentido mesmo da vida. Para cada jovem que decide provar a droga são muitos os que fracassam: a família, a escola, a paróquia, o grupo de jovens, toda a sociedade. O que podemos oferecer são espaços de convivência e de diálogo. Muitos jovens procuram as drogas depois de sofrer experiências de profunda solidão e isolamento. Os jovens reclamam. Temos que multiplicar e melhorar os espaços familiares, educativos e religiosos onde os garotos possam se expressar, expor seus relatos, dizer o que acontece com eles. Não é fácil: muitos jovens não sabem dizer o que sentem, o que pensam, o que vivem, precisam ser ouvidos. Acredito que nas famílias um dos momentos mais importantes é quando os jovens voltam no domingo de manhã após terem passado a noite com seus amigos. Devemos encontrar lugares e momentos onde eles possam comunicar a angústia e a solidão. Precisam, além disso, de espaços de certeza. Hoje o passado não diz nada aos jovens e eles não vislumbram um futuro: vivem na angústia do presente sem horizontes. A falta de certezas ocorre no aspecto laboral, escolar e afetivo. Teríamos que fazer com que eles soubessem que Deus nos ama, que a vida deles não é um incômodo para nós, mas sim uma alegria. Temos que demonstrar que o amor é possível.
Por que o senhor insiste que se deva encontrar o sentido da vida?
Porque em muitas experiências de vício a vida aparece como insegurança, como medo, como incapacidade de abertura, como angústia. A droga se apresenta como uma bengala ilusória onde se apoiar. Lembro-me que João Paulo II dizia que a droga aparece como um raio na noite, mas em uma noite chuvosa. E Bento XVI dizia aos jovens no Brasil que o que mais se teme é uma vida sem sentido. A droga é sinônimo de morte. Deve-se apostar na vida. Despertar grandes ideais e anseios profundos, não aceitar a fragmentação da existência, não aceitar que todo o afetivo se reduza a relações emotivamente intensas, porém fugazes, não aceitar como única verdade o dia-a-dia, como se nos faltasse história e projeção. O sentido da vida tem a ver com as relações verdadeiras, com o tempo e as forças que estamos dispostos a brindar aos demais. Temos que ir descobrindo juntos o sentido da vida, em um vínculo de amor recíproco.
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José María Poirier
Diretor da Revista Criterio.
(Fonte: www.miradaglobal.com)
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