Um olhar diferenciado sobre a saúde da mulher negra



por Fatima Oliveira*

''O Estado de S.Paulo'' (27.10.06) e O TEMPO (1º.11.06) publicaram trechos de entrevistas que concedi a Giovana Girardi e a Daniel Barbosa por ocasião do anúncio da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Negra.


Segundo Barbosa: ''Na semana passada, o ministro da Saúde, Agenor Álvares, admitiu, diante dos resultados da pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, que há racismo no atendimento a negros no Sistema Único de Saúde (SUS) e que essa discriminação se reflete em diagnósticos incompletos, exames que deixam de ser feitos e nas taxas de mortalidade materna e por contaminação de HIV. Entre as mulheres negras, a taxa de mortalidade materna é mais que o dobro das brancas (4,79 contra 2,09 mulheres/100 mil habitantes). Nas taxas de mortalidade por contaminação de HIV, a proporção é de 12,29 negras contra 5,45 brancas em cada 100 mil habitantes, na região Sudeste.''

O ministro disse que ?esse racismo cria condições muito perversas que têm que ser combatidas fortemente? (...) O ministro da Saúde informou que o combate à discriminação inclui cursos de capacitação profissional de médicos, enfermeiros e atendentes de instituições credenciadas aos SUS, além do incentivo à denúncia de mau atendimento à Ouvidoria Geral do Sistema Único de Saúde. O ministério destinará R$ 3 milhões para 60 projetos de pesquisas afins''. Giovana Girardi e Daniel Barbosa solicitaram que eu comentasse as declarações do ministro.

Eis minha resposta, conforme O TEMPO: ''A médica Fátima Oliveira, que também milita no movimento negro, acha importante que o ministro da Saúde tenha se manifestado sobre o assunto, mas observa que ela própria já aponta o problema em artigos que escreve há mais de quatro anos. ?O racismo é uma prática cotidiana e nefasta não só no SUS, mas em toda a comunidade médica. Para além do problema da discriminação, há desconhecimento de particularidades no que diz respeito à saúde do negro. Para tratar essa população é preciso ter um olhar diferenciado, pois uma série de doenças atinge os negros de modo diferente dos brancos. Por exemplo, a morte de mulheres negras no parto por eclâmpsia - resultante da hipertensão arterial não tratada durante a gravidez. As negras têm uma probabilidade dez vezes maior do que as brancas de desenvolverem o problema?''.

O resgate das entrevistas visa relembrar que desde 2006 o Brasil conta com uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Negra e que, se ainda não está fazendo diferença no cotidiano das instituições de saúde e nem na vida das pessoas, o problema é outro, mas não a falta de um compromisso por parte do Ministério da Saúde, que deu conta do seu papel de elaborador de políticas. É da alçada dos Estados e municípios a execução das políticas de saúde, todavia há um nó górdio racista em quase 100% dos Estados, dos municípios e nas faculdades de medicina e de enfermagem.

Nem tudo é terra arrasada. Em 1º de abril passado, tive o privilégio de proferir a aula inaugural da Especialização em Saúde da Mulher Negra onde estudei medicina, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que conta com 56 alunos, com duas turmas: São Luís e Pinheiro. A referida pós-graduação é bancada integralmente pelo Ministério da Saúde e foi idealizada pela médica Maria José de Oliveira Araújo quando coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, onde realizou uma gestão corajosa e revolucionária, coerente com sua história de vida e que deixou marcas inesquecíveis. Mazé, gracias!




*Fatima Oliveira, Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e
Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das
Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005

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